Comentários
sobre Carlos Alberto e Augusto
Albertina Lourenci
Pesquisadora do pós-doutorado do LSI - Poli
G-202
Consumimos a música popular brasileira sem perceber o seu devido valor no sentido de de nos auxiliar no nosso processo de individuação e interferir como catalisador nos processos cognitivos ligados principalmente à criatividade. O objetivo último do aperfeiçoamento do ser humano é criar a cada instante e transformar o ambiente ao seu redor, criando aquela atmosfera propícia a alçar tal qual gaivota voo ao infinito.
Na literatura comum, explora-se pouco a relação existente entre as emoções e o aprendizado. De fato, somos treinados objetivamente como se fosse possível ser objetivo, esquecendo-se a subjetividade. Kant já mostrou que a natureza da coisa abrange tudo até Deus...
Sócrates dizia que o caminho mais fácil para se chegar a Deus é o amor. Mas o que é o amor? E o que é Deus? Deus é certamente eterna mutação. Talvez como Uma Onda no Mar como canta o Carlos Alberto Pinheiro. Canta tranqüilo, manso, solto em comunhão com Deus. Cantemos com ele e confiemos na vida que nos tem dado tanto, apostando na autenticidade, na originalidade, no constante renascer e no crescer em desprendimento.
Nada do que foi será
De todo de um jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como o mar
Num ir e vir infinito
Tudo que se é não é igual
Ao que a gente viu em um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir nem mentir prá mim mesmo agora
Há tanta coisa lá fora
E aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Mas esse estado é um desafio. Desafo requer qualidades positivas como a fé. Mas a fé não é um dom inato. É um desenvolvimento lento adjacente a amadurecimento do espírito. E a vida antes passa pelo inverno irresistivelmente sempre a cada ciclo.
E é esse retrato dolorido que predomina o tom de o Bêbado e o Equilibrista (João Bosco e Aldir Blanco). E o Carlos com segurança e profundidade não hesita em descer ao abismo, nos colocando em contato com um dom que é maior que a fé: a esperança. Enquanto a fé se assemelha a andar à noite com um lanterna que pode apagar de repente, a esperança é aquela certeza que apesar das horas frias e sombrias da madrugada, o sol há de despontar no horizonte.
Sinta a busca de um tempo perdido de o Bêbado e o Equilibrista e o pulsar da vida que dita novos rumos apesar da saudade e nostalgia...
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
E a esperança dança na corda bamba de sombrinha
Em cada passo dessa linha pode se machucar.
Pois de fato o dia pode amanhecer nublado, tempestuoso mesmo. Pior podemos estar no
Polo no início do inverno e a noite durar ....seis meses...
Azar a esperança equilibrista
Sabe que o show de cada artista
Tem que continuar
Saboreie esses constrastes que necessariamente se resolvem cedo ou tarde.
A natureza serena, alegre de quem está além da dor do Carlos traz à tona um bálsamo para aliviar a ansiedade que páira no ar...Aquarela de Toquinho enche o ar... E nos aconselha a sonhar acordados. É mais seguro e ao pintar
Tanto céu e mar num beijo azul
Percebemos que o bem e o mal, a beleza e a fealdade, o prazer e a dor são dois aspectos distintos da mesma moeda. Um se transforma no outro nos caminhos e descaminhos do apego e desapego. Nessa morada celestial cavada na rocha ígnea desse nível de consciência, o desconhecido, o futuro é o próprio Deus em ação...
Sem pedir licença muda nossa vida
E depois convida a rir ou chorar
O choro ou riso depende de como encaramos a vida. A borboleta não baila soberana nas altas correntes de ar que a fazer escapar do gélido inverno do Canadá para o cálido verão do México sem antes passar pelo estado de larva e pupa.
A ingenuidade indefesa da larva em total troca com o meio ambiente que pode esmagá-la a cada instante nos lembra o estado da paixão. Tagore afirma que se apaixonar é amar sua alma na expressão mais alta. Esse estado de delírio total nos arrasta a furar as mais furiosas altas ondas no anseio de mergulhar num oceano onde jorra leite e mel...E a voz envolvente do Augusto é esse arrastão....No embalo da canção, Augusto se torna puro fogo e a tudo quer consumir...
O que a gente não faz por um grande amor
Mas tanto faz
Já me esqueci
De te esquecer
Porque o meu desejo é o meu melhor prazer
E o meu destino é querer sempre mais
E a minha vida Corre pro seu mar...
Mas de repente
Assim que o dia amanheceu
Lá no mar alto da paixão
Dava pra ver o tempo ruir
Cadê você, que solidão
Esquecerá de mim...
A ópera Lohengrin de Wagner durante 4 horas deflagra o crescer da paixão e o seu chegar ao vazio, o desmoronar do sonho
Amar é um deserto e seus temores
Vida que vai na cela
Dessas dores
Não sabe voltar
Me dá teu calor
Mas nesse ínterim tal como o pintinho que nasce, enquanto consome a gema e a clara, o amor surge triunfante. Vislumbremos com o Augusto a vitória final do amor, aquela batalha entre dois seres que se moldam no calor da luta, da dor e do prazer.
Vem me fazer feliz
Porque você deságua em mim
E eu oceano
Esqueço que amar é
Mais que uma dor
Só sei viver
Se for
Por você.
A fusão é total. É pura troca desprendida de impressões entre dois universos que se fundem. A comunhão com a Mãe Terra e com o cosmos é total, pois se encerram nessa visão absoluta de si mesmos.
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação '
E fecundar o chão
Carlos Alberto nos lembra que
Caminante no hay camino
Sin estrelas em la mare
Igualmente não nos tornaremos igual à Terra, onde se pode esconder um Tesouro; cuja
fertilidade faz a semente crescer e se multiplicar e que se deixa humildemente pisotear sem os poetas, os músicos, os amores...