Resumo

Apenas a observação clínica não nos permite formular uma teoria abrangente e satisfatória do Transtorno do Pânico, cuja manifestação preponderante é a ansiedade. O autor inicialmente revisa os conceitos de ansiedade e angústia, a evolução natural e epidemiologia. Fica evidente sua confusão inicialmente com os quadros clínicos sistêmicos de fadiga e posteriormente com os Transtornos Afetivos. A identificação e isolamento dessa entidade nosológica feita pôr Fruem em 1895 só é confirmada - em outras bases teóricas - em 1980 pela DSM III. A seguir é feita uma revisão dos principais modelos biológicos, especialmente das hipóteses noradrenérgica e serotoninérgica. A contribuição dos achados neuroanatômicos e dos modelos animais corroboram várias evidências das hipóteses citadas, sem no entanto permitir uma opção segura. A revisão sugere a necessidade de se chegar a modelos mais complexos que correlacionem todos os dados positivos obtidos até hoje. A revisão do modelo psicanalítico centra-se no modelo Freudiano de Neurose de Angústia, pelo pioneirismo e pela maior articulação possibilitada pela sua obra como um todo. Ressalta a importância da dinâmica do funcionamento psíquico na gênese de estados ansiosos, especialmente na falência cos mecanismos de defesa de um Ego frágil e pouco estruturado como desses pacientes. São apresentados seis casos clínicos que tentam mostrar a variedade de manifestações dos aspectos biológico e psicológico quando vistos à luz da experiência clínica Na discussão o autor tenta levantar a contraposição mais evidente entre os dois modelos gerais apresentados, qual seja, experiência x estrutura. São feitas críticas aos dois modelos no que diz respeito às suas inconsistências e a seguir são apresentados modelos alternativos ou integrativos que tentam superar os impasses que uma análise mais cuidadosa provoca. Como conclusão é apontada a importância , em termos clínicos, de se atentar para os dois aspectos aparentemente opostos - biológico e psicológico - que se mostram apenas formas diferentes de ver uma mesma situação.

 

INTRODUÇÃO

 

O Transtorno do Pânico foi descrito tal com hoje se entende, pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais - DSM III - da Associação Americana de Psiquiatria em 1980. Compreende uma série de manifestações somáticas autonômicas e psicológicas. As investigações do substrato neurobiológico dessa síndrome já fornecem algumas bases para teorias fisiopatológicas. As pesquisas indicam que as porções cerebrais mais intimamente ligadas ao medo, à ansiedade a ao pânico são os chamados sistema cerebral inibitório e sistema cerebral aversivo

Decorrentes da investigação desses sistemas são as hipóteses patogênicas do Transtorno do Pânico:

  1. que ressalta a hiperatividade noradrenérgica na base do processo patológico,
  2. que indica a hipersensibilidade dos receptores de serotonina. Ao lado dessas cabe ainda ressaltar as contribuições dos trabalhos em lactato, ioimbina, clonidina, CO2 , de tratamentos farmacológicos e ode s dados neuroanatômicos.

A Neurose de Angústia foi descrita por Freud em 1895 em texto que chama a atenção para um quadro específico de neurose, diferente da Neurastenia, com a qual teria sido até então confundida e cujo sintoma principal seria a angústia. Em torno desta se agrupariam todos os outros sintomas. A detalhada descrição que Freud nos faz desse recém isolado tipo de neurose é quase totalmente superponível à usada hoje no DSM III.

De grande importância é a análise dos fatores etiológicos implicados nos dois conceitos e sua fundamentação epistemológica, i. e., quais suas evidências explicativas. Parece mais ou menos claro que todas as atuais pesquisas biológicas envolvendo o Transtorno do Pânico caminham no sentido de apontar uma ou várias alterações cerebrais, seja a nível bioquímico de neurotransmissores , seja a nível de receptores ou de funcionamento mais global de sistemas cerebrais.

A Neurose de Angústia, conceito freudiano, teria sua etiologia na má ou não utilização da energia da libido, que assim se transformaria em angústia, seja de forma direta - como supõe Freud em 1895 - seja como conseqüência da falência dos mecanismos de defesa do aparelho psíquico, como teorizou posteriormente.

A mera observação clínica não nos fornece elementos suficientes para construir uma hipótese teórica abrangente. Os dados experimentais e a contraposição de diferentes teorias são de inestimável valor.

O objetivo dessa dissertação é discutir a contraposição biológico-psicológica por muitos vista entre o conceito de transtorno do Pânico tal como é visto hoje e o conceito de Neurose de Angústia formulado por Freud em 1895, com especial enfoque nos aspectos clínicos.

 

CAPÍTULO I: EVOLUÇÃO DO CONCEITO E IMPORTÂNCIA

 

I . A . HISTÓRIA

Inicialmente seria importante comentar a existência ou não de diferença conceitual entre ansiedade e angústia, talvez entre angústia e medo. As três palavras existem tanto em português quanto em alemão, inglês e francês. Se bem que existam palavras diferentes para ansiedade e angústia para as quatro línguas, elas podem, e são , usadas muitas vezes como sinônimas. O termo angústia tem origem no latim e tende a ressaltar um estado de vivência corporal e psíquica de estreiteza, de aperto, enquanto ansiedade conotaria um estado de inquietação e de manifestações fisiológicas associadas .Nos dois casos o objeto é a realidade externa como um todo, uma vivência e não um objeto isolado e materializado (e por isso não parece procedente a colocação corriqueira de que a angústia é um medo sem objeto), que gera um estado de expectativa e de incerteza. O medo se refere a um objeto determinado, tido pelo sujeito como perigoso e ameaçador.

LOPES IBOR (1950) faz uma extensa revisão sobre as diferenças entre angústia e ansiedade, ressaltando o caráter estático, até mesmo paralisador, a sensação de opressão principalmente pré-cordial, mas visceral de uma forma geral, da primeira em contraposição à tendência ao movimento e à predominância de manifestações psíquicas na segunda . Sugere que se classifiquem os quadros cuja manifestação predominante seja angústia ou a ansiedade sob o nome de Timopatia Ansiosa, ressaltando sua pertinência ao grupo dos transtornos da afetividade, de origem endógena.

LEWIS (1979) apresentou uma detalhada revisão do uso do termo ansiedade em Psicopatologia, ressaltando possíveis diferenças conceituais com o termo angústia. De forma geral o termo ansiedade era usado na literatura européia para se referir a um estado afetivo crônico, desagradável, muitas vezes ligado à melancolia involutiva, caracterizado por um certo grau de antecipação do futuro e de inquietação. Por outro lado o termo angústia se referia a uma sensação mais visceral, que tendia a ocorrer de uma forma aguda e muitas vezes aproximada ao medo. No final do trabalho sugere uma lista de seis características que poderiam ser usadas como critério diagnóstico de ansiedade: 1. um estado emocional com a qualidade subjetiva do medo ou de emoções próximas como o terror, o alarme, o pânico; 2. uma emoção desagradável; 3. dirigida ao futuro; 4. não existe uma ameaça real reconhecível, ou a emoção evocada pela ameaça real é desproporcional; 5. há desconforto corporal subjetivo durante o período de ansiedade; 6. há transtornos corporais manifestos e detectáveis.

Para efeito do presente trabalho e tendo em vista que os autores de diferentes línguas e orientações teóricas quando se referem aos Transtornos Ansiosos usam tanto angústia como ansiedade, estas serão usadas como sinônimas. Talvez fique implícito na escolha ora de uma, ora de outra, a que orientação ou nacionalidade do autor o presente texto se refere. (os autores de língua inglesa usam quase exclusivamente ansiedade - anxiety - enquanto os franceses usam - angoisse -; em português os psicanalistas freudianos tendem a usar angústia, enquanto os kleinianos preferem ansiedade; a literatura biológica, na sua maioria em língua inglesa usa ansiedade.)

MARKS e LADER (1973) fazem uma distinção entre ansiedade estado - aquela sentida no momento - e ansiedade traço - correspondente a uma tendência habitual. Vários nomes foram dados no último século para estados ansiosos.

Tendo como base a preponderância de sintomas nos sistemas cardiocirculatório e pulmonar, surgiu em 1864 a "exaustão muscular do coração" de Hartshorne e em 1871 o "coração irritável" de Da Costa, ou Síndrome de Da Costa como ficou conhecida. Com a Primeira Guerra Mundial a atenção voltada para esses quadros foi centrada tanto nas manifestações cardíacas como no papel desempenhado pelo esforço físico. Surgiram a "anestesia neurocirculatória" de Robey (1918) e de Oppenheimer (1918), a "síndrome de esforço" e o coração de soldado" de Lewis (1919), e a "neurose cardíaca" de Schnur (1939) ( apud MARKS e LADER (1973)). Mas não foi de imediato que essa profusão de síndromes foi relacionada ao conceito de Neurose de Angústia, que havia sido introduzido por Freud em 1895, quando isolou essa entidade da Neurastenia, descrita em 1869 pelo médico americano Beard.

Desde então foram surgindo vários trabalhos sobre os chamados estados ansiosos, ou neuroses ansiosas, no sentido de se estabelecerem mecanismos fisiopatológicos, fatores predisponentes e tratamento.

Os autores ingleses, contrariando a tendência européia de considerar de forma unitária os Transtornos da Ansiedade como Neurose de Angústia, sem valorizar as crises agudas (ataques de pânico), dirigiram seus estudos à tentativa de isolar os estados ansiosos em entidades nosológicas passíveis de classificação e subdivisão. Lewis considerava os Transtornos Afetivos subdivididos em três grandes grupos, entre eles o que incluía a depressão agitada aos estados ansiosos. Estudos posteriores permitiram separar as Neuroses de Angústia e Fóbica dos Transtornos Depressivos, até a individualização por MARKS (1969) dos Estados Fóbicos. Outra grande contribuição à individualidade do conceito de Transtorno do Pânico foi a dos trabalhos de KLEIN, que demonstraram a eficácia da imipramina nesses quadros. (apud LEMPERIERE (1988)).

Em 1980 a Associação Psiquiátrica Americana publicou sua terceira versão do Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais - a DSM III - que trazia como entidade isolada e bem definida quanto a critério diagnóstico o Transtorno do Pânico.

 

I. B. QUADRO CLÍNICO E EVOLUÇÃO NATURAL

O Transtorno do Pânico, ou Neurose de Angústia, é caracterizado pela eclosão de crises espontâneas de ansiedade, de início de súbito, acompanhadas de uma série de sintomas somáticos. A descrição de Freud de 1895 permanece atual, quase inalterada se comparada com os critérios modernos: 1. irritabilidade geral; 2. espera ansiosa; 3. surgimento abrupto de angústia, em forma de crise não associada a qualquer idéia, ou associada a idéia de morte ou loucura eminente; 4. vários ou alguns de uma lista de sintomas que inclui entre outros: palpitações, desconforto pré-cordial, sudorese, tremores, vertigens, diarréias, parestesias etc; 5. pavor noturno, acompanhado de angústia, dispnéia e sudorese (crises noturnas de angústia); 6. vertigem ou tontura; 7. fobias (incluindo agorafobia); 8. náuseas e mal estar; 9. parestesias; 10. os sintomas podem se manifestar de forma crônica, com menor intensidade de angústia que nas formas agudas. Normalmente atingem sua intensidade máxima em segundos ou minutos, regredindo normalmente em até 10 minutos. Geralmente os pacientes descrevem um estado pós crise de intensa fraqueza, principalmente nos membros inferiores e sonolência, sendo que muitos podem dormir até horas após as crises.

LELLIOT e col . (1989) chamam a atenção para o fato de que os pacientes descrevem a primeira crise com grande vivacidade e detalhes. Costumam recordar o dia e o que faziam no momento da crise. Via de regra estavam numa atividade inócua quando foram repentinamente surpreendidos pelos sintomas. Cerca de 30% desses pacientes buscaram um serviço médico nas primeiras 24 horas após a crise.

Se não tratadas adequadamente as crises tendem a se repetir, alternando períodos de normalidade, ou permanecendo uma ansiedade residual entre as crises. Muitos medicamentos são medicados com tranqüilizantes tipo benzodiazepínicos, que aliviam a ansiedade entre as crises, mas só uma pequena porcentagem dos pacientes melhoram a crise em si. Como conseqüência alguns indivíduos desenvolvem abuso de tranqüilizantes ou mesmo de álcool como visto em nosso meio por MACIEL e GENTIL 1988.

Outros pacientes prosseguem tendo crises a intervalos aleatórios, de maior ou menor intensidade - e até crises parciais, desenvolvendo ansiedade antecipatória entre as crises, que perpetua algumas manifestações somáticas, servindo como base para um comportamento de esquiva fóbica. Associam algumas situações com o desenvolvimento das crises e passam a evitá-las, ou só se expõem a elas com um "companheiro de fobia" que serve para assegurar lhes assegurar socorro. As situações comumente evitadas são as que dificultam o acesso a ajuda no caso de uma crise , como aglomerações, lugares fechados como teatros, trânsito, etc. O termo agorafobia é utilizado, no DSM III, para se referir a um quadro estável de esquiva tanto de ambientes amplos e abertos, quanto de lugares fechados, que provocam desconforto físico e psíquico no sujeito que então os evita. Na sua maioria é secundário a crises sucessivas de pânico.

Sem tratamento a evolução é variável, com flutuações de intensidade, com aumento de mortalidade por suicídio e afecções cadiovasculares, se bem que normalmente não apresentam ideação suicida nem prevalência maior de doenças cardíacas. Isso talvez se dê por um maior risco para depressão e pelas repercussões cardíacas da via sedentária que adotam uma vez iniciado o quadro.

UHDE e col. (1985) estudaram 32 pacientes com Transtorno do Pânico, diagnosticados pelo Research Diagnostic Criteria (RDC). Também encontraram incidência aleatória das crises, sem possibilidades de predição, seguidas de cansaço. Os distúrbios psicosensoriais foram mais comuns em ataques de pânico que em momentos eutímicos de indivíduos com Depressão Maior e a personalidade não teve qualquer influência no aparecimento de tais sintomas.

A agorafobia estava presente em 84% dos pacientes com Pânico e mais de 90% apresentavam ansiedade de grau patológico ou esquiva fóbica com início após as crises de pânico. Cerca de 50% deles tiveram elo menos um episódio depressivo, revelando a maior susceptibilidade às doenças afetivas, muitas de caráter endogenomorfo, exceto pela ausência de retardo psicomotor e ideação suicida. Os eventos vitais relevantes estavam presentes em 80% dos casos, nos 6 meses que antecederam o início das crises de pânico. KLEIN (1963) já havia ressaltado a ocorrência de eventos extressantes precedendo o aparecimento do quadro, principalmente de separações e de luto, sugerindo que pelo menos um subgrupo desses pacientes teria tido um período de intensa ansiedade de separação na infância, que serviria de base para o desenvolvimento futuro do quadro de ataques de pânico.

 

I . C . EPIDEMIOLOGIA

Os transtornos da ansiedade são comuns na população adulta, atingindo prevalências anuais de até 8%. Apresentam-se de forma heterogênea, com evidências de envolverem algum tipo de herança familiar, ao lado de fatores ambientais. Ocorrem nas mais diversas populações, mas as mulheres, os indivíduos mais jovens e de maior nível educacional parecem mais susceptíveis, se bem que, se bem que nenhum fator sociocultural predisponente específico tenha sido isolado. Mesmo sem receber tratamento específico na sua maioria, esses indivíduos são importantes usuários dos serviços de saúde, muitas vezes fazendo uso de drogas psicotrópicas, mostrando a relevância do estudo de tais quadros.

Mesmo antes de uma certa uniformização dos critérios diagnósticos dos Transtornos Ansiosos, os cinco estudos populacionais realizados entre 1943 e 1966, revistos por MARKS e LADER (1973), revelavam uma surpreendente uniformidade de índices de prevalência , que variaram entre 2,0 e 4,7%. Também concordavam no que dizia respeito a maior incidência em mulheres, cerca de 72%, e quanto ao início preferencial entre os 16 e os 40 anos de idade.

WEISMANN e MERIKANGAS (1988) e HUMBLE (1987) ressaltaram a grande utilização que esses pacientes fazem de serviços de saúde , apesar de uma pequena parcela receber tratamento adequado para a doença. MARKS e LADER (1973) já haviam indicado que 27% dos pacientes que procuravam serviços médicos em Londres o faziam por transtornos psiquiátricos , 10 a 14% dos pacientes cardiológicos apresentavam algum transtorno ansioso e 8% dos pacientes ambulatoriais do Maudsley Hospital, em um período de acompanhamento de 9 anos , eram portadores de Transtornos Ansiosos, excluídos os Fóbicos.

HUMBLE (1987) e WEISMANN e MERIKANGAS (1988) apresentaram uma revisão dos estudos populacionais que utilizaram o RDC e o DSM III para estudar a prevalência do Transtorno do Pânico e Agorafobia, nos Estados Unidos, Zurique, Munique e na Ilha coreana de Kangwha. A prevalência em 6 meses para o Transtorno do Pânico foi de 0,6 - 1,5%, com predominância de mulheres e de indivíduos divorciados e separados. Para a Agorafobia a prevalência foi de 2,3% - 5,8%. Contrariando o modelo mais aceito para a Agorafobia, em que esta costuma ser considerada secundária aos ataques de pânico, a Agorafobia sem ataques de pânico não foi rara em New Haven e Zurique. Considerando as prevalências de vida toda, foi encontrado 10 - 20% para os Transtornos Ansiosos como um todo e 3 - 8% para o Transtorno do Pânico. Os estudos genéticos indicaram um risco próximo de 25% para Transtorno do Pânico em parentes de 1° grau e uma concordância de 31% para gêmeos monozigóticos.

Estes dados revelam a importância, do ponto de vista de organização de serviços de saúde, desses quadros responsáveis por boa parte da demanda de serviços especializados, provavelmente com grandes repercussões econômicas.

 

CAPÍTULO II: O CONCEITO DE ANGÚSTIA NO DESENVOLVIMENTO DA TEORIA PSICANALÍTICA.

Falar do conceito psicanalítico de Neurose da Angústia significa não só descrever a evolução teórica dessa entidade em si, mas principalmente discutir a evolução do conceito de Angústia e de sua função psíquica no desenvolvimento da teoria psicanalítica.

Nesse capítulo optamos por fazer referência preferencialmente ao modelo freudiano da Neurose de Angústia. Uma ou outra referência, no entanto, será ocasionalmente feita a outras teorias. Foi Freud o responsável pela delimitação dessa entidade clínica, descrevendo-a quanto ao aspecto sintomatológico e pela discussão , ao longo da sua obra, da sua "etiopatogenia". A história da Neurose da Angústia na teoria psicanalítica se confunde em vários momentos com a história do papel da Angústia no psiquismo e no desenvolvimento da teoria psicanalítica.

De forma menos sistemática incluímos nessa discussão as idéias de Melanie Klein e de outros autores. A teorização kleiniana da evolução do funcionamento mental centra-se no que chamou de Posições (Esquizoparanóide e Depressiva), estruturas essas caracterizadas por tipos específicos de Angústia (Angústia persecutória, depressiva), o que torna a abordagem da Neurose da Angústia, desde uma leitura kleiniana, uma revisão de toda a teoria a teoria de Melanie Klein.. Abordar em profundidade outras visões como as de Bion e dos pós-freudianos seria sem dúvida interessante, mas extenso, fugindo ao objetivo dessa dissertação. No entanto muito dessas visões será discutido nos itens relativos a Desenvolvimentos posteriores e Terapêutica.

 

II . 1. AS NEUROSES ATUAIS: NEURASTENIA E NEUROSE DE ANGÚSTIA

- O modelo freudiano.

Desde os modelos manuscritos de 1892, 1893 e 1894 Freud vinha se preocupando com a origem da Angústia e sua relação com a libido. Em 1895 publicou um artigo de interesse nosológico em que trata de justificar a separação de um determinado quadro de sintomas - a Neurose de Angústia - em que o preponderante é a angústia, seja ela crônica ou em acessos agudos, do quadro da Neurastenia, descrita por Beard em 1869. Outra importante distinção é feita entre Neurose de Angústia e Histeria de Angústia - ou seja, a Fobia propriamente dita - uma vez que os sintomas fóbicos são muito freqüentes na primeira. Convém salientar que enquanto tratou de vários casos de Histeria - que dariam origem ao texto escrito em conjunto com Breuer, vinha tendo sua atenção chamada também para determinados quadros neuróticos que pareciam não apresentar mecanismo psíquico de formação de sintomas - a que chamou de Neuroses Atuais.

O termo Neurose Atual se referia por um lado a uma causa etiológica recente e atuante, e por outro, a uma situação em que o sintoma não constituía uma representação simbólica de um conflito psíquico subjacente. De acordo com o modelo energético (ou econômico) que Freud utilizava na época, haveria na Neurose de Angústia, um aumento da quantidade de energia no interior do aparelho psíquico que se traduziria diretamente em Angústia, seja na sua forma de "excitabilidade geral" e "expectativa ansiosa", seja por "acessos de Angústia". Como diz LAPLANCHE (1980), se por um lado o que é patológico é um excesso - o excesso de energia sexual que fica acumulada - por outro trata-se de uma falta - é a falta de elaboração psíquica, de simbolização, que determina que a única forma possível de descarga seja a angústia. Não haveria, portanto, excesso de libido - entendida como o elemento psíquico (fantasias) ligado à atividade sexual, mas escassez.

 

II . 1 . A . NEUROSES ATUAIS X PSICONEUROSES

Da preocupação nosológica manifestada por Freud nesse artigo de 1895 - e em outros de 1892, 1893 e 1894 - começa a ficar evidente uma série de diferenças entre as Neuroses Atuais e as Psiconeuroses.

Em primeiro lugar as Neuroses Atuais teriam como causa etiológica um conflito presente , de caráter sexual. A energia sexual não descarregada adequadamente sofreria um processo de extase no coro e posteriormente no interior do aparelho psíquico. Teria, consequentemente, que buscar uma outra forma de descarga. Este conflito sexual provocaria uma excitação somática que não encontrando uma via de expressão simbólica e , portanto, de elaboração psíquica, só poderia descarregar de tal forma que o sintoma formado teria que ser somático, resultado de transformação direta e um dos pontos problemáticos dessa fase de teorização pois Freud não chega a propor de forma clara como isso se daria, permanecendo sem mecanismo identificável.

O surgimento da Angústia se dá pela não elaboração psíquica dessa quantidade de energia. O conceito de elaboração diz respeito à "ligação" dessa energia a determinadas representações e dessas entre si, formando um sistema de significações. A Angústia seria o resultado de um desligamento, ou seja, o nível menos organizado desse processo de elaboração. Alguns autores como LAPLANCHE (1988) consideram que a Angústia "é o afeto menos elaborado e mais próximo da descarga energética pura, mas também é ,todavia, suscetível de uma certa elaboração". Elaboração essa de qualquer forma muito distante da elaboração dada na gênese dos sintomas das Psiconeuroses. Isto fez com que Freud considerasse os sintomas da Neurose da Angústia, bem como das demais Neuroses Atuais, não passíveis de resolução pelo método psicanalítico, já que falta ao sintoma somático desses quadros qualquer vínculo com o conflito.

Nas Psiconeuroses, por outro lado, o conflito sexual é passado, remonta à infância e às primeiras relações do sujeito. Os fatores atuais envolvidos no seu desencadeamento constituem apenas substitutos desse conflito passado, representando-os simbolicamente ou dando-lhes significado a posteriori. Trata-se, portanto de um conflito situado a nível psíquico e não exterior à neurose , como nas Neuroses Atuais. Isto significa que seus elementos já se encontram intensamente simbolizados. Dessa forma seus sintomas como um todo , inclusive os somáticos, como encontramos na Histeria, são verdadeiros compromissos, possuem um vínculo simbólico que pode ser desvendado no processo psicanalítico e sua elaboração psíquica reorientada em direção à "cura" dos sintomas.

No entanto mesmo Freud postulou desde o início a existência de correspondências entre as Neuroses Atuais e as Psiconeuroses. A analogia entre conversão histérica ( do afeto isolado do conflito psíquico reprimido) em sintoma somático e a angústia na Neurose de Angústia, resultado da libido acumulada que não encontrou via de elaboração psíquica, foi por ele ressaltada em vários momentos.

Indo um pouco além, admite-se a existência de um elemento atual na deflagração de qualquer neurose, fato já exposto por Freud em 1912 no artigo "Sobre as causas eventuais das neuroses". A questão teórica se coloca quanto à possibilidade de um conflito der puramente atual. O papel desse elemento atual será diferente de acordo com a possibilidade de atingir um nível de maior ou menor simbolização. Frente às Neuroses Atuais Freud não se perguntou porque o evento atual deflagrador da neurose foi tão conflitivo para o sujeito, nem em que tipo de estrutura mais ampla o quadro surgiu, ou como a estrutura e a Neurose Atual se relacionam, agravando ou modificando os sintomas. Por aí se encontra hoje uma tendência a diminuir as distinções feitas entre Neuroses Atuais e Psiconeuroses. Essa aparente contraposição pode na verdade indicar a existência de elementos estruturais complementares na gênese de qualquer neurose. Isso se evidencia em particular nas ocasiões em que o problema atual atinge tal intensidade que provoca alterações irreversíveis na vida do indivíduo, ou em terapia, aquilo que se chama acting out, quer dizer, a atuação feita com a intenção de criar algo irreversível.

 

II . 2 . A . 1 TEORIA DA ANGÚSTIA

Entre 1895 e 1900 Freud desenvolve o que ficaria conhecido como sua primeira teoria da Angústia, de caráter eminentemente econômico. Por econômico quer dizer que existiria um tipo de energia (de caráter sexual) que circula no interior do aparelho psíquico que seria responsável pelos processos mentais. Esta energia precisa estar ligada, na sua maior parte, a representações psíquicas, de tal forma a não provocar grandes aumentos de energia livre no interior do aparelho psíquico. Todo aumento de energia seria percebido como desprazer e a reação natural seria de por em marcha uma série de processos que permitissem uma descarga. Uma das formas de manter essa constância seria a ligação da energia a uma série de representações relacionadas entre si (elaboração psíquica).

Na neurose de Angústia a êxtase da energia sexual provocada pelo conflito presente não consegue se desfazer pelo caminho da elaboração - ou seja, da sua ligação a um grupo de representações - por motivos que Freud não desenvolve e que atribui em vários momentos a uma causa orgânica. Só pode então ser descarregada de maneira não simbólica, na forma mais ou menos constante de Angústia. Sua manifestação pode ser isoladamente crônica - a espera ansiosa - ou aguda - os acessos de Angústia - ou se manifestar na forma de seus equivalentes como vertigens e diarréias.

Nas Psiconeuroses esse energia encontra-se desde o início ligada a um grupo determinado de representações. O desenvolvimento da Angústia seria então provocado pela repressão (mecanismo de separação da libido da representação considerada incompatível com o ego, com o conseqüente isolamento da representação em um "grupo psíquico separado" - o inconsciente - e o surgimento de um montante de energia livre que precisa ser descarregada). Nos casos das Psiconeuroses essa energia será transformada em sintoma: somático, pela conversão histérica; obsessivo, por seu deslocamento para uma representação inócua; fóbico, por sua ligação a um objeto externo; ou mesmo em Angústia caso os mecanismos anteriores não atinjam um funcionamento adequado.

 

II. 3. A . 2 TEORIA DA ANGÚSTIA

Na Conferência XXV das Lições Introdutórias de Psicanálise de 1917 se dá a transição entre a primeira e a segunda teorias da Angústia em Freud. Uma das preocupações nesse momento é definir alguns dos termos normalmente usados como Angústia, Medo e Susto, de tal forma a garantir à Angústia um lugar especial na teoria do funcionamento psíquico. Em primeiro lugar a angústia se afirma, em termos freudianos como estado afetivo puro, que pode prescindir do objeto. Na verdade trata-se de uma situação em que se abstrai o objeto; um estado psíquico em que o essencial é a expectativa do perigo e uma certa preparação para ele, mesmo que desconhecido. Nas fobias ocorreria uma "solda" da angústia do objeto, aproximando-se da noção do medo. O susto seria a descarga abrupta como efeito de um perigo não antecipado pela angústia. Traz a idéia, em termos econômicos, de transbordamento, de algo que não pode ser simbolizado, nem preparado pela expectativa do perigo. Nesse sentido se entende porque LAPLANCHE (1980) diz que na angústia já há um certo grau de elaboração psíquica. Surge a idéia de uma angústia defensiva, sinalizadora da existência de um perigo, interno ou externo, para o ego.

A evolução teórica que se delimita com relação à primeira teoria da Angústia diz respeito por um lado à noção mais estruturada de Ego como o "local" da Angústia, e por outro lado da distinção de "modalidades" de Angústia: uma Angústia Real (ante um perigo real), uma Angústia defensiva, sinalizadora de perigo e uma angústia neurótica ou flutuante, disponível para aderir-se a qualquer conteúdo adequado e formar as diversas formas de sintomas. Essas idéias serão desenvolvidas por Freud, até sua sistematização final no que se chama de segunda teoria da Angústia, principalmente em 1924 em Inibição, Sintoma e Angústia.

 

II . 3 . A ANGÚSTIA - SINAL X ANGÚSTIA - SINTOMA

Cabe salientar que Inibição, Sintoma e Angústia, 1926, é um texto posterior à segunda tópica, ou seja à reformulação teórica sobre as relações entre as instâncias psíquicas de uma oposição Consciente-Preconsciente/Inconsciente, para um jogo de interações entre Ego, Id e Superego. O papel defensivo da Angústia, que já estava de certa forma desenvolvido no texto de 1917, com base na Angústia Real e na reação de fuga, será agora ressituado com relação aos mecanismos de defesa e repressão.

O Ego tornou-se não só a sede da percepção da Angústia, mas também o seu produtor. Toda angústia, dirá Freud, é Angústia do Ego. Frente à eminência do surgimento de um desejo reprimido do Id que tenta ganhar acesso à consciência, ou seja, frente à percepção da Pulsão - que constitui um perigo interno - pelo Ego, esse reproduz uma Angústia já vivida (segundo o modelo da experiência do nascimento) na forma reduzida de um sinal - a Angústia - sinal - que põe em marcha os mecanismos defensivos.

Ao contrário da Angústia - sinal, "reminiscência" de uma experiência primitiva, e que subjaz a todo e qualquer mecanismo de defesa, a Angústia como sintoma só surge quando esses mecanismos tornam-se incapazes de manter a repressão.

A repressão promove o desligamento do afeto das suas representações, que são topicamente deslocadas para o Inconsciente, enquanto o afeto torna-se reduzido a um mínimo - energia pura - que circula alternando suas duas manifestações possíveis libido/angústia. O desenvolvimento da angústia significaria, então, a irrupção da Pulsão no Ego, com o conseqüente extravasamento de energia libinal não ligada a representações e, portanto, sem elaboração psíquica adequada.

O papel da repressão na gênese da Angústia passou por uma importante mudança teórica. Na primeira teoria repressão e defesa eram em grande medida sinônimos e só com a evolução da teoria a primeira passa a ser uma das modalidades da segunda. Dessa forma a Angústia era provocada pela repressão, no sentido de que era liberado o afeto da representação tornada inconsciente nesse processo, sem que recebesse elaboração psíquica adequada. Na segunda teoria a experiência do nascimento e a repressão primária estão respectivamente na base da" rememoração" da Angústia enquanto Angústia-sinal e na instauração do aparelho psíquico enquanto divisão Id ( o Reprimido, Pulsional) e Ego. A Angústia como manifestação sintomática, fenomenológica, será o resultado de uma falha dos mecanismos de defesa e do processo de elaboração psíquica, tendo como conseqüência o surgimento de um montante de energia "livre", isto é, a Angústia como sintoma.

 

II . 4 . HISTERIA DE ANGÚSTIA OU NEUROSE FÓBICA

As fobias são, primeiramente, sintomas que podem surgir no curso de qualquer afecção psíquica. A fobia como sintoma é definida por uma forma de ligação entre a angústia e o objeto. Talvez a discussão mais relevante aqui seja a respeito da distinção entre as fobias da Neurose de Angústia e as fobias da Neurose fóbica.

É fato relativamente comum encontrarem-se manifestações fóbicas na Neurose de Angústia, fato assinalado por Freud desde 1894. O que as caracteriza, no entanto, é o fato dessas fobias representarem uma ligação, sem significado simbólico, da Angústia flutuante, ou neurótica, desses quadros a um objeto não essencial, normalmente representado por perigos comuns como a escuridão, as tempestades, o estar só etc. Aqui se insere a Agorafobia, tão freqüente em sujeitos acometidos de Neurose de Angústia. Como diz GIUDICELLI (1983), "ela é angústia pura que surge com o fracasso da esquiva, é angústia de um espaço vivido".

Na Neurose Fóbica, ao contrário, as Fobias constituem verdadeiramente uma formação de compromisso, no sentido de que sua análise pode nos levar ao conflito subjacente. O afeto desligado da sua representação original reprimida ameaça emergir sob forma de Angústia. Isto põe em marcha o mecanismo de deslocamento que transfere o afeto a um objeto externo - ou falsa conexão - que não só justifique o medo expresso elo sujeito - mesmo que irracional - mas que também represente, de forma simbólica, o conflito e a representação inconsciente.

 

II . 5 . DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES DA TEORIA DA ANGÚSTIA

Apesar de haver uma tendência quase ubíqua em considerar que a catexia (ou energia) que se encontra aumentada no desenvolvimento da angústia é de origem libinal (e já vimos a diferença no que diz respeito às Neuroses Atuais e às Psiconeuroses) - e isto é corroborado em vários textos pelo próprio Freud - , em "Inibição, Sintoma e Angústia"(1926) deixa claro que considera que, frente a uma situação de perigo, mesmo que corretamente avaliada pelo sujeito, existe um montante de angústia instintiva que é adicionada. Para ele isso se dá pela busca de satisfação de pulsões masoquistas. A reação defensiva do Ego se dá, portanto, contra a pulsão de destruição.

Esta concepção nova de angústia automática parcialmente ligada à pulsão de morte (pois é disso que se trata quando se fala de pulsão de destruição) coloca, na visão de DE BIANCHEDI e col. (1988), a teoria da angústia de Freud próxima à postura teórica de Melanie Klein. Freud não relaciona de forma explícita sua teoria da angústia à teoria da pulsão de morte, mas o que se pode depreender de textos como "Inibição, Sintoma e Angústia"1926, "Além do Princípio do Prazer"1920, e "O Problema Econômico do Masoquismo"1924 é que o simples aumento da libido não é em si um problema para o aparelho psíquico. O que é central é que a sua impossibilidade de descarga - seja quando já se acha simbolizada, seja quando a descarga não ocorre por falta de elaboração - leva a ausência de descarga também do componente fanático. Aí sim residiria seu poder patogênico

Neste mesmo sentido podemos citar a visão de DOS SANTOS (1985), que considera que os sujeitos com Neurose de Angústia não foram capazes de desenvolver completamente o Complexo de Édipo e, portanto, não estabilizaram um Superego sólido. O Ego desses sujeitos viveria constantemente a ameaça da confusão dos dois pais durante o ato sexual e também da confusão da sua sexualidade com eles. Ora, sabemos que o temor infantil frente à figura dos pais fundidos é tão intenso principalmente pela carga dos impulsos destrutivos que essa situação gera. O que se encontra é uma importante repressão das pulsões agressivas.

Um dos campos principais em que se manifesta a estrutura subjacente da Neurose da Angústia é no das relações amorosas. DOS SANTOS (1985) chama a atenção para o tipo de uso que os sujeitos predispostos à Neurose de Angústia fazem dos órgãos genitais, que adquirem simbolicamente um sentido de poder fálico. O que parece ocorrer é a formação de um compromisso entre a perda do objeto amado primordial (a mãe) e a perda do objeto fetiche substitutivo ( o parceiro). Houve uma falha de simbolização e, portanto, de reencontro de objeto, que teria permitido o desenvolvimento normal da sexualidade adulta, mantendo-se basicamente uma relação narcísica. Nestes sujeitos a repressão tende a provocar mais inibições que sintomas , principalmente nas relações genitais, normalmente insatisfatórias.

DOSW SANTOS (1985) ressalta a atualização das experiências de angústia da infância nas Neuroses Atuais, o que daria a característica de extrema dependência do objeto materno - inclusive numa estrutura histérica - e de uma depressão latente, conseqüência de conflitos não resolvidos. ALVIM (1985), nessa mesma linha, considera a Neurose de Angústia como a neurose infantil típica - e não Histeria - e a partir dela teríamos as diversas possibilidades de evolução psíquica, seja rumo à estruturação das diversas Psiconeuroses, seja rumo a uma resolução normal do Complexo de Édipo. Os sujeitos com Neurose de Angústia manteriam na idade adulta uma grande quantidade de angústia flutuante, normalmente ligada à cena primitiva.

Os sintomas agudos da Neurose da Angústia surgem sempre que as angústias primárias sobrepujam a força das defesas de Ego, os contra-investimentos e as formações reativas. A força de uma crise aguda de angústia tem o efeito um trauma de castração - vivência de morte, confusão e profunda regressão. Um estado depressivo pode aparecer como resultado como resultado da ferida narcísica que resulta da desorganização do Ego, à medida que este persiste sem sucesso na tentativa de controlar a angústia. "A Neurose de Angústia se situa entre a pulsão e a organização fantasmática do objeto, entre o vivido corporal e o fantasma"(DOS SANTOS 1985).

 

II . 6 . A TERAPÊUTICA PSICANALÍTICA

O que a Psicanálise propões de maneira geral para os diversos quadros psicopatológicos é um modelo teórico de psicogênese. Não se trata de uma negação do orgânico, mas seu enfoque teórico tanto em Freud quanto nos autores que o seguiram é outro. Isto significa tratar também da terapêutica em um outro nível.

No caso específico das Neuroses Atuais e da Neurose de Angústia em particular, Freud negou a existência de mecanismos psíquicos envolvidos na sua gênese, afastando a possibilidade de intervenção pelo método psicanalítico. Se, no entanto, adotamos a posição de LAPLANCHE (1980) e de tantos outros, não há porque manter a distinção entre Neurose de Angústia e Psiconeuroses em termos tão radicais.

Outro ponto a ser discutido é o conceito de "cura" em Psicanálise. Freud escreveu a maioria de seus artigos técnicos em que fala da cura antes da reformulação estrutural do funcionamento psíquico que seria introduzida com a Segunda Tópica. Se inicialmente a cura estava relacionada à possibilidade de trazer à consciência as recordações reprimidas, posteriormente caminha para uma visão mais complexa, tanto de patologia quanto do processo de cura. O enfoque agora, e principalmente em Análise Terminável e Interminável de 1938, se dá na estrutura de funcionamento e na possibilidade de modificá-la a partir das interpretações na situação analítica.

Segundo esse enfoque "estrutural" o conceito de Neurose Atual tende a se apagar, no sentido de estar normalmente em um contexto mais amplo de uma estrutura complexa de funcionamento, que também determina as características sintomatológicas do quadro, sua patoplastia. Diz LA PLANCHE (1980) que "mesmo no caso da deflagração de uma Neurose Atual, uma frustração só tem impacto quando se encontra em ressonância com uma problemática pessoal...". O que alguns autores psicanalíticos têm ressaltado, sem fazer alusão ao biológico, já que este não é o campo de investigação teórica, nem de atuação terapêutica da Psicanálise, é que, via de regra, tanto o conflito psíquico inconsciente quanto os sintomas atuais têm importância vital na compreensão do quadro e no desenvolvimento da terapêutica.

Em termos práticos a questão seria poder abordar o paciente com Neurose de Angústia, do ponto de vista psicanalítico, com o intuito de esclarecer as relações individuais que o sujeito faz, inconscientemente, de seus sintomas com outras estruturas de funcionamento e com experiências presentes e passadas que se encontrem em conexão com o Reprimido e com a dinâmica do desejo.

A relação terapêutica com esses pacientes costuma ser difícil. No início do tratamento costumam apresentar mais queixas que outros, centrando o discurso nas suas crises de angústia. A vivência do passado é repleta de denegações, atrás das quais normalmente encontramos uma figura materna vista como muito envolvente, sentida pelo doente, na transferência, como sempre presente. Os pais foram vivenciados como extremamente próximos um do outro, sem que pudesse sentir que havia espaço para demonstrar o ciúme que favorece a organização do superego em torno da figura dos pais. São pacientes que não ultrapassaram de forma adequada a fase de clivagem que separa pai de mãe e possibilita uma posterior identificação adequada. Como conseqüência também o parceiro será um objeto clivado e idealizado.

A fixação pré edipiana a essas estruturas promove uma forte ligação à imagem idealizada do objeto primário (a mãe). Foram incapazes de ultrapassar a neurose infantil de caráter histérico, que se mantém até a idade adulta. O núcleo depressivo presente na maioria desses doentes deve-se ao investimento que fizeram no corpo e no falo, juntamente com uma insuficiência narcísica e egóica ocasionada por uma excessiva dependência da figura materna e de um Ego idealizado. A incapacidade de desinvestimento narcísico impede a competição e a rivalidade que culminam na mudança de objeto alcançada na fase fálica do Complexo de Édipo.

O que nos desconcerta é a aparente normalidade da organização desses pacientes. Sua real falta de organização só surge à investigação mais detalhada. Seu ideal de Ego é exagerado e compensam as falhas de organização com a falicidade. Os indivíduos com estruturas histéricas mal integradas seriam os mais susceptíveis de desenvolver uma Neurose de Angústia.

A outra dificuldade que surge no tratamento desses indivíduos é o fato de falarem das mesmas angústias que o terapeuta conhece, mas que foi mais ou menos capaz de suplantar. Ao se referirem à sua angústia, muitas vezes ligada à morte, à integridade do Ego, à sua identidade, interferem com o diálogo interior do analista, fazendo-o reencontrar, pela comunicação, os fantasmas que em outras ocasiões elaboraram de forma mais ou menos eficiente.

Antes de curar a doença o analista terá de se preocupar em restabelecer uma relação de objeto que possibilite a reconstrução do Ego. Deverá ser inicialmente um auxiliar na passagem do mundo antes das palavras - ou de representação de coisas - para o mundo das palavras - ou representação de palavras, i.e., de simbolizações. A vivência de morte descritas por esses pacientes se encontra ligada a uma existência visceral, a um período em que o indivíduo ainda não encontrara um nome para substituí-la.

O terapeuta precisa esperar a reorganização de um Ego elementar que torne possível a recuperação de um Ego elementar que torne possível a recuperação do narcisismo tão duramente atacado pelas crises de angústia. Numa primeira fase o doente irá se apoiar na imagem do analista para ser capaz de suplantar o estado de angústia, para só então ter acesso a uma organização histérica, simbolizada e, portanto, susceptível de abordagem psicanalítica propriamente.

O tratamento e a cura se fazem, por isso, em dois tempos. Inicialmente a análise funciona como um órgão de para-excitação da angústia, nos moldes da mãe nas primeiras etapas do desenvolvimento infantil. Tem-se que entender que as queixas e os sintomas nessa fase são a forma pela qual o doente tenta resolver a angústia. O analista se fará presente através de suas palavras de compreensão do sofrimento do Ego, sem, no entanto aderir às angústias exteriorizadas pelo paciente.

A transferência revelará todas as dúvidas e ambivalências na relação com a figura materna, fundadas na extrema dependência que o doente sentiu no passado. O analista será em algum momento inevitavelmente tomado, na transferência, pela mãe boa, devendo então evitar as gratificações, exceto aquelas que dizem respeito à sua atitude de escuta cuidadosa e de compreensão, sem esquecer de analisar a agressividade sempre latente nas queixas. A postura de proximidade, mas não de confusão e fusão com o estado de angústia do paciente, irá gradualmente diminuindo a agressividade gerada pela angústia de ser destruído no estado de confusão com a figura dos pais fundidos e possibilitando a estruturação de um Ego minimamente capaz de, finalmente, ir reintegrando o Complexo de Édipo.

 

 

CAPÍTULO III: MODELOS BIOLÓGICOS

As referências a quadros clínicos em que o sintoma preponderante fosse a ansiedade, principalmente suas manifestações autonômicas, são, como vimos no capítulo I, bastante antigas. As tentativas de estudar estes quadros, e principalmente o Transtorno do Pânico, de forma mais sistemática, no entanto, são bem mais recentes, datando da década de 1940 em diante.

A idéia cada vez mais aceita de uma etiologia biológica do Transtorno do Pânico vem principalmente de duas evidências clínicas:

  1. do fato de que, se um ataque de pânico ocorre de forma espontânea, sua gênese deve ser interna; e
  2. do fato de muitos desses pacientes apresentarem melhora significativa com algumas drogas antidepressivas, o que indicaria uma possível alteração subjacente de neurotransmissores.

Os trabalhos que foram aparecendo dizem respeito às tentativas de delimitar modelos úteis de trabalho, sejam modelos experimentais em que se induzem ataques de pânico ou se os manipula com drogas, sejam modelos explicativos bioquímicos ou neuroanatômicos, ou mesmo modelos animais. A seguir examinamos alguns dos mais pesquisados nas últimas décadas.

 

III . 1 . MODELOS EXPERIMENTAIS

LACTATO

Os primeiros dados sobre pânico induzido por lactato datam da década de 40/50 quando foram descritas "reações de ansiedade" desencadeadas por exercícios. O trabalho clássico de PITTS e McCLURE (1967) foi o primeiro estudo duplo-cego dos efeitos da infusão de lactato isoladamente ou adicionada de cálcio a grupo controle e a pacientes com diagnóstico de Neurose de Ansiedade, seguindo os critérios de:

  1. ter tido ataques de ansiedade;
  2. sentir-se tenso ou com ansiedade "flutuante" quase diariamente por pelo menos dois anos;
  3. pelo menos 10 de uma lista de 16 sintomas;
  4. sem outros transtornos psiquiátricos ou clínicos que afetassem a função cardíaca, pulmonar, hepática, renal ou neuromuscular; e
  5. ter surgido a síndrome antes dos 30 anos.

Os resultados significativamente diferenciados das respostas dos pacientes e controles às soluções utilizadas levaram a levantar a hipótese de que os sintomas ansiosos teriam um mecanismo bioquímico com algum ponto em comum que envolveria a ligação do íon cálcio à superfície da membrana neuronal, formando um complexo mediano pelo íon lactato produzido no meio intracelular. Isto poderia acontecer em indivíduos normais sob estresse como conseqüência de um aumento acentuado da produção de lactato em resposta á liberação de epinefrina.

Inúmeros trabalhos apareceram na literatura seguindo essa linha de investigação. Desde então a infusão de lactato e as crises de ansiedade por ela desencadeadas têm sido tomadas como um modelo de ataque de pânico, superponível sintomaticamente aos ataques que ocorrem nos pacientes no curso de um Transtorno do Pânico ou de um quadro de Transtorno do Pânico com Agorafobia. (DSM III-R).

GORMAN e col. (1985) demonstraram que o modelo do lactato não é específico para o Distúrbio do Pânico, mas sim para ataques de pânico em geral, uma vez que os pacientes com Depressão Atípica com Ataques de Pânico e com Bulimia também respondem de forma positiva à infusão do lactato. Ressaltaram que a infusão de lactato produz por si só várias e importantes alterações biológicas em qualquer indivíduo, a despeito do seu diagnóstico, tais como: aumento de freqüência cardíaca e pressão arterial, diminuição de PCO2, cálcio e cortisol e aumento de pH, bicarbonato, lactato, e pivurato. De tal forma que toda alteração observada durante a infusão só pode ser analisada à luz dos efeitos universais citados. COWLEY e col. (1986) reforçam a não especificidade do modelo de lactato, uma vez que encontraram resposta positiva em 7 pacientes com diagnóstico de Depressão Maior e ataques de pânico secundários (DSM III) e em 14 pacientes com Agorafobia com Ataques de Pânico.

Os trabalhos de LIEBOWITZ e col. (1985; 1986) e de COWLEY e DUNNER (1988) trouxeram contribuições para o entendimento das alterações clínicas, fisiológicas e bioquímicas no correr de um ataque de pânico induzido por lactato. De uma maneira geral parece que os pacientes que desenvolvem ataques de pânico durante a infusão de lactato se encontram no momento pré-teste em uma situação de ativação autonômica com pressão arterial e freqüência cardíaca iniciais maiores quando comparados à pacientes que não desenvolveram um ataque de pânico e com controles normais. Além disso, estes pacientes apresentam durante a infusão níveis mais elevados de pH, lactato e piruvato e menores de cálcio ionizado que os controles. COWLEY e DUNNER (1988) não encontraram diferenças na abordagem clínica que pudessem distinguir esses grupos , exceto a presença preponderante de história familiar de ataque de pânico em parentes de 1° grau no subgrupo que desenvolveu ataques de pânico durante a infusão.

Esses resultados parecem indicar que o efeito do lactato talvez seja primariamente periférico e não diretamente central via quimioreceptores centrais. Além disso, as pesquisas não demonstraram aumento periférico de epinefrina nem níveis específicos de pH acima do qual um ataque de pânico seja desencadeado.

CO2:

Sabe-se que a hiperventilação por si só é capaz de provocar sintomas como tontura, náusea e desconforto respiratório além de tremores, por seu efeito secundário na concentração de cálcio ionizado. A partir dessas evidências GORMAN e col. (1984) submeteram um grupo de pacientes com Transtorno do Pânico ou Agorafobia com Ataques de Pânico diagnosticados pelo DSM III a três situações experimentais: a uma mistura de ar com 5% de CO2, a uma situação de hiperventilação, e à infusão de lactato. Demonstraram que a hiperventilação, é incapaz de induzir ataques de Pânico, enquanto que a mistura de ar com 5% de CO2 induz ataques de pânico nos pacientes na mesma proporção que o lactato. Haveria portanto um ponto em comum nessas situações experimentais, sendo que talvez o que importasse na infusão de lactato não fosse a alcarose metabólica provocada por sua metabolização em piruvato e bicarbonato, mas a acidose no sistema nervoso central (SNC), já que o bicarbonato não passa a barreira hematoencefálica, mas o CO2 sim. Dessa forma talvez os ataques de pânico fossem provocados por uma anormalidade nos receptores centrais de CO2.

A hipótese de que os ataques de pânico são devidos a uma sensibilidade anormalmente alta dos quimioreceptores medulares centrais parece contestada pelo trabalho de WOODS e col. (1986), em que é feita a indução de ataques de pânico por CO2, sendo encontrada uma resposta respiratória nos pacientes semelhante a de controles normais. Dados pré-clínicos sugerem que o CO2 aumenta o turnover de noradrenalina no locus coeruleus de ratos.

 

A HIPÓTESE NORADRENÉRGICA

Partindo de evidências da semelhança de reações fisiológicas do medo e da ansiedade no ser humano e da reação de "fuga ou luta" dos animais, uma série de trabalhos foi realizada baseando-se no modelo do locus coeruleus, cuja estimulação, de acordo com REDMOND e HUANG (1979, apud KAHN e col. 1988), produz comportamento de "fuga ou luta" em macacos. Este comportamento estaria associado a elevações nos níveis de noradrenalina e metoxi-hidoxi-fenilglicol (MHPG) no cérebro, líquido cerebroespinhal e no plasma. Além disso, como indicam UHDE e col. (1984), há um acúmulo de evidências que indicam que drogas que aumentam a atividade do locus coeruleus têm efeitos ansiogênicos, enquanto as que diminuem têm efeito ansiolítico.

CHARNEY e HENINGER (1986 a) sugerem que, sendo os neurônios noradrenérgicos muito responsivo às aferências sensoriais, uma função global do sistema noradrenérgico cerebral poderia ser o aumento dos efeitos que essas informações sensoriais exercem em vários locais do cérebro. Isto teria uma relação importante com a hipótese de uma responsividade aumentada do sistema noradrenérgico na etiologia dos Transtornos de Pânico.

A regulação da atividade noradrenérgica e múltipla, mas a principal é feita pelo receptor alfa-2 adrenérgico pré-sináptico que regula a liberação da noradrenalina através de um mecanismo de "feedback" negativo.

O sistema noradrenérgico do SNC está envolvido no sistema de processamento de informações que têm seu início de ação partindo do locus coeruleus em direção a várias outras áreas cerebrais, tendo como resultado uma amplificação das aferências sensoriais.

CHARNEY e col. (1984) sugerem que uma reatividade anormalmente alta dos sistemas noradrenérgicos possa estar ligada à produção de algumas formas de ansiedade humana. Além disso, lesões bilaterais do locus coeruleus diminuem a ocorrência natural de resposta comportamental, em animais, em situações de confrontação.

Os ataques de pânico podem ser o resultado da falência dos auto-receptores alfa-2 adrenérgicos na regulação adequada das flutuações normais da atividade dos neurônios noradrenérgicos.

1. Clonidina: A clonidina é um agonista dos auto-receptores alfa-2 adrenérgicos e seu efeito é uma estimulação pós sináptica no córtex cerebral e pré-sináptica nos auto-recptores inibitórios das células do locus coeruleus, esperando-se com isso uma diminuição da atividade noradrenérgica e conseqüente efeito "ansilolítico". Uma série de trabalhos têm corroborado o efeito esperado. Como indicam UHDE e col. (1984) a clonidina reverte sintomas ansiosos associados à abstinência de opióides, bloqueia os ataques de pânico e reduz sintomas de ansiedade generalizada. Além disso, o efeito ansiliolítico é observado em pacientes deprimidos mas não em controles normais , sugerindo que sua ação esteja relacionada às alterações dos níveis basais de MHPG, sendo seu efeito maior nos indivíduos com maior atividade noradrenérgica.

De uma maneira geral as situações experimentais de indução de pânico (lactato, isoprotenelol, CO2 etc.) produzem alterações periféricas que poderiam ser interpretadas pelos pacientes como potencialmente ameaçadoras, o que dificulta determinar a influência de fatores cognitivos nesses experimentos a clonidina é um agonista alfa-2 seletivo central e portanto com menores efeitos periféricos. NUTT (1986) sugere que a resposta hipotensora aumentada de pacientes com ataques de pânico, sem taquicardia secundária, indica por um lado uma ação direta de estimulação vagal, e por outro reforça a existência de uma diferença biológica no Transtorno do Pânico provavelmente a nível de adrenoreceptores centrais alfa-2.

As respostas anormais de MHPG, pressão arterial (PA), hormônio de crescimento (GH) e de sedação à clonidina em pacientes com Transtorno de Pânico são provavelmente devidas a anormalidades na função noradrenérgica e se ligam à ação da clonidina em receptores alfa-2 adrenérgicos de vários locais do cérebro: auto-receptores (MHPG), receptores pós-sinápticos (GH) ou ambos (sedação). De uma forma geral esses efeitos são os opostos aos encontrados com o antagonista alfa-2 ioimbina.

Essa suposta alteração da função noradrenérgica num subgrupo de pacientes pode ser devida a uma alteração primária do sistema noradrenérgico, por exemplo por aumento da sensibilidade dos auto-receptores alfa-2, ou por alterações em outros sistemas neuronais que regulam a atividade das aferências excitatórias (ação colinérgica), seja por um aumento da atividade das aferências inibitórias (ação de opióides, ácido gama amino butírico-GABA, serotonina e epinefrina). De acordo com CHARNEY e HENINGER (1986a) esta segunda hipótese, no entanto, se choca com os resultados da administração de ioimbina, que aumenta a concentração de MHPG, sugerindo uma diminuição das inibitórias.

2 . Ioimbina: É uma antagonista alfa-2 adrenérgico que aumenta o turnover e a atividade noradrenérgica por bloqueio dos receptores alfa-2 adrenérgicos inibitórios. A regulação neuronal noradrenérgica por bloqueio dos receptores alfa-2 adrenérgicos inibitórios. A regulação neuronal noradrenérgica por bloqueio dos receptores alfa-2 adrenérgicos inibitórios. A regulação neuronal noradrenérgica pré-sináptica foi estabelecida com o uso da ioimbina, que provoca um aumento do MHPG livre no plasma pelo mecanismo de ação citado. UHDE e col.(1984) administraram ioimbina em doses incapazes de produzir ansiedade em indivíduos normais e encontraram como resposta uma intensa ansiedade e até mesmo ataques de pânico em pacientes com Distúrbio do Pânico e com Agorafobia.

CHARNEY e HENINGER(1986 b) determinaram que a administração de ioimbina provocou ataques de pânico em 54% dos pacientes com Transtorno do Pânico ou com Agorafobia com Ataques de Pânico, e em apenas 5% dos controles normais. Os sintomas descritos são semelhantes aos que ocorreram em ataques "naturais". Os pacientes que tiveram ataques de pânico apresentaram um aumento de MHPG maior quando comparados aos pacientes que não tiveram ataques de pânico e aos controles. Estudos prévios indicavam uma especificidade de resposta em pacientes com ataques de pânico e não produz efeito em outros distúrbios psiquiátricos.

Em situações normais o aumento da função noradrenérgica leva a um "feedback" que reduz a atividade neuronal por estímulo do auto-receptor inibitório alfa-2 adrenérgico. Nos pacientes supõe-se que a atividade do receptor esteja anormalmente baixa, o que acarretaria uma atividade noradrenérgica prolongada.

3. Antidepressivos tricíclicos: NYBACK e col. (1975) em estudo feito com antidepressivos tricíclicos- drogas com comprovada ação anti-pânico - fornecem dados para a compreensão da possível da possível patogenia desse quadro. Estudos pré-clínicos indicam que a ação dos antidepressivos tricíclicos se dá na modificação do ritmo de disparo das células noradrenérgicas do locus coeruleus. Seu efeito principal é a inibição da recaptura das monoaminas na membrana neuronal de neurônios centrais. Não há uma seletividade absoluta, mas as aminas secundárias parecem ter maior efeito na noradrenalina, enquanto as terciárias teriam maior efeito na serotonina. Essa inibição da recaptura leva a um aumento da quantidade de monoamina na sinapse e a uma queda na sua liberação por mecanismo de "feedback’. O receptor envolvido deve ser um auto-receptor ou um receptor pré-sinaptico alfa-adrenérgico.

SVENSSON e USDIN (1978) determinaram que o tratamento crônico com antidepressivo tricíclico inibe a recaptura da noradrenalina e também estabiliza o sistema noradrenérgico contra novas mudanças , especialmente a diminuição de ritmo de disparo.

A HIPÓTESE SEROTONINÉRGICA

Grande parte do cérebro é inervada por neurônios serotoninérgicos , sendo que os núcleos da rafe no tronco cerebral são os locais de maior concentração dos neurônios produtores de serotonina, de onde partem projeções ascendentes para as demais regiões como córtex, tálamo, gânglios da base, substância negra, caudado, putamen, amígdala, hipocampo, septo, tegmento e corpos mamilares. Além disso duas categorias e várias subcategorias de receptores foram identificadas, tornando um possível modelo serotoninérgico bastante complexo.

BREIER e col. (1984) indicaram que pelo menos num subgrupo de pacientes com Depressão Maior há evidências de alteração na função serotoninérgica no SNC, e que a ação dos antidepressivos nesses quadros se daria exatamente via serotonina. Esse argumento é reforçado por autores que encontraram equivalência de efeito terapêutico entre a clomipramina e a fluvoxamina, um inibidor seletivo da recaptura de serotonina. Sabe-se também que há semelhanças entre os quadros de Transtorno do Pânico e esse subgrupo de depressão. Além disso vários trabalhos pré-clínicos sugeriam a existência de alterações da função serotoninérgica nos ataques de pânico.

LINGJAERDE (1985) sugeriu que a indução de ataques de pânico pela infusão de lactato se daria por um estímulo da recaptura da serotonina pelos neurônios serotoninérgicos centrais, seguindo os achados de pesquisas anteriores que demonstraram que o lactato estimulava a captura da serotonina pelas plaquetas humanas . Esse aumento de recaptura a nível de SNC teria como conseqüência uma diminuição do efeito inibitório da serotonina e consequentemente o surgimento da ansiedade pela diminuição do efeito inibitório da serotonina no locus coeruleus encontrada durante os ataques de pânico.

No entanto, como mostra a revisão de KHAN e col. (1988), os dados dos experimentos com serotonina em animais sugerem que uma diminuição na função serotoninérgica atenua as respostas ansiosas. Um aumento da função serotoninérgica teria efeitos contraditórios na ansiedade, sendo ansiolítico num sistema de sensibilidade normal de receptores pós-sinápticos, e ansiogênico no caso de receptores hipersensíveis.

Ao contrário do defendido por LIEBOWITZ e col.(1985), LINGJAERDE (1985) sugere ainda que o transporte do lactato pela barreira hematoencefálica é rápido o suficiente para provocar um aumento na concentração central de lactato. Essa inibição da atividade serotoninérgica decorrente da ação do lactato poderia também ocorrer indiretamente por diminuição do pH intracerebral.

Outras evidências que sustentam a hipótese serotoninérgica do desencadeamento de ataques de pânico vêm do trabalho de EVANS e col.(1986), com inibidor seletivo central da recaptura de serotonina - zimeldine. Partindo do fato que drogas com efeito anti-pânico têm em comum um efeito poderoso na serotonina, levando a um aumento da sua atividade no SNC, e da demonstração feita anteriormente de que pacientes agorafóbicos têm níveis plasmáticos de 5-hidroxi triptofano (5HT) inferiores aos controles, os autores estudaram em situação duplo-cega os efeitos da zimeldine, da imipramina e do placebo em pacientes com Agorafobia com Ataques de Pânico. Repetindo resultados antes obtidos por MARKS e col. (1983), a imipramina não foi superior ao placebo, e a zimeldine mostrou-se superior de forma significativa em quase todas as escalas de avaliação, dando força às evidências de que a serotonina teria um papel importante na etiologia bioquímica da Agorafobia com Ataques de Pânico.

Contra essas evidências se colocam CHARNEY e col. (1987), que estudando a resposta ao agonista do receptor de serotonina m-clorofenilpiperazina (MCPP) encontraram resposta ansiogênica, inclusive com ataques de pânico, tanto em pacientes quanto em controles sem história pessoal ou familiar de ataques de pânico, sem diferenças estatísticas entre os dois grupos , sugerindo que não há uma alteração primária da função serotoninérgica nos pacientes com ataques de pânico, mesmo que algumas formas de ansiedade possam estar ligadas a um aumento da atividade pós-sináptica da serotonina.

No entanto KAHN e col. (1988) lembram que outros autores como MUELLER e col. (1985,1986), ZOAR e INSEL (1987) e KAHN e col. (1987) não encontraram resposta ansiogênica à administração oral de pequenas doses de MCPP a controles normais. Consideram que a diferença de resposta ao MCPP oral de pacientes com ataques de pânico e de controles normais deve ser atribuída à hipersensibilidade dos receptores serotoninérgicos dos primeiros. Doses altas endovenosas, no entanto, seriam capazes de induzir ansiedade nos dois grupos, por uma superestimulação dos receptores serotoninérgicos em todos os sujeitos. CHARNEY e HENINGER (1986 b) avaliaram a função serotoninérgica através de teste de dosagem de prolactina após administração de triptofano em pacientes com ataque de pânico antes e durante o tratamento prolongado com alprazolan e não foram capazes de demonstrar qualquer anormalidade, sugerindo que o mecanismo de ação do alprazolan é mediado por outra via que não a serotoninérgica. A validade dessas conclusões é, no entanto, questionável, uma vez que o triptofano não parece ser apropriado para avaliar a função serotoninérgica, especialmente quando administrado em doses altas. O triptofano competiria com a tirosina, percursor da noradrenalina e da dopamina, e com isso o aumento da prolactina poderia ser o reflexo de uma ação no sistema noradrenérgico ou dopaminérgico, e não serotoninérgico.

Pode-se concluir que nenhuma teoria serotoninérgica da ansiedade englobará de forma simples todos os achados. KAHN e col. (1988) propõem que em alguns distúrbios ansiosos, especialmente no Transtorno do Pânico e no Transtorno Obsessivo-Compusivo o sistema pós-sináptico de receptores serotoninérgicos pode estar hipersensível e portanto sua estimulação provocaria ansiedade. Este modelo teria a vantagem de explicar a piora inicial observada em muitos pacientes com Transtorno do Pânico quando medicados com drogas agonistas de serotonina, sendo que a subseqüente melhora do quadro seria devida a uma "down regulation" compensatória do receptor serotoninérgico. Também explicaria de forma satisfatória a resposta ansiogênica a baixas doses de MCPP observada em pacientes com ataques de pânico.

Esta hipótese é certamente uma simplificação apesar de seu potencial explicativo, uma vez que há pelo menos quatro receptores serotoninérgicos diferentes e que o sistema serotoninérgico está em íntima conecção com outros sistemas cerebrais como o noradrenérgico e o GABAérgico, sendo no mínimo complicado dizer que fenômenos são primariamente devidos a uma alteração da serotonina.

KAHN e col. (1988) lembram que locus coeruleus, local de maior concentração de neurônios noradrenérgicos no SNC, recebe projeções serotoninérgicas da rafe dorsal e a estimulação dos núcleos desta bloqueiam o aumento do ritmo de disparo do locus coeruleus observado após uma estimulação nociva , sugerindo um efeito ansiolítico primário da serotonina, intercedido pelo sistema noradrenérgico. Isto é reforçado pela supressão de disparo do locus coeruleus pela aplicação direta da serotonina.

Por outro lado um aumento na atividade noradrenérgica tem como conseqüência um aumento da atividade serotoninérgica nos núcleos da rafe e portanto um aumento da ansiedade por ativação noradrenérgica poderia se dar pela intermediação do sistema serotoninérgico. Talvez o balanço entre atividade noradrenérgica e atividade serotoninérgica seja mais importante na gênese da ansiedade que alterações "puras" de um ou de outro sistema.

 

 

A HIPÓTESE NEUROANATÔMICA:

Diversas evidências sugerem que o locus coeruleus está envolvido em funções complexas como aprendizado, memória, estresse e extinção de comportamentos e segundo BALLENGER (1989) principalmente pelo seu papel no processamento de múltiplas aferências sensoriais, em especial no que diz respeito ao significado do estímulo. MASON e FIBIGER (1979) ressaltam a hipótese do envolvimento dessa estrutura nas manifestações de medo e ansiedade advinda dos experimentos com lesões e estimulações elétricas de REDMOND e col. (1976).

O locus coeruleus possui cerca de 50% dos neurônios noradrenérgicos do SNC, e é responsável pela produção de até 70% de toda a noradrenalina cerebral. É ele também que provê a principal inervação noradrenérgica para os córtices cerebral e cerebelar, para o sistema límbico, tronco cerebral e várias regiões da medula. Também recebe aferências de quase todas as áreas do sistema nervoso central. Sua freqüência de disparos é aumentada por drogas antagonistas alfa-2 adrenérgicas como a iombina e tem como manifestação um aumento do comportamento associado ao medo e à ansiedade, tanto em macacos quanto em humanos voluntários normais. Drogas com efeito agonista alfa-2 adrenégico como a clonidina têm a capacidade de diminuir o ritmo de disparo do locus coeruleus, provocando uma manifestação menor de medo, mostrando-se clinicamente com afeitos ansiolíticos no ser humano.

Como ressaltam REDMOND e HUANG (1979, apud KAHN e col. 1988) apesar da estimulação do locus coeruleus- seja por que agente for - levar a um comportamento de medo ou ansiedade, e sua lesão - anatômica ou funcional - levar a uma situação desse comportamento, principalmente em situações de grupo em estudos com animais, deve-se lembrar que os efeitos tidos como mediados por neurônios noradrenérgicos podem ser o resultado da alteração de outros sistemas neurotransmissores no cérebro vivo, já que a morfina e o diazepam também alteram esses comportamentos e sua maior ação se dá respectivamente nos receptores de opióides e nos receptores GABA somatodendríticos. Além disso a atividade do locus coeruleus é grandemente influenciada pela aferrenhais serotoninérgicas das áreas pontina e da rafe medial. Em todo caso, os dados anatômicos e funcionais ressaltam a importância do locus coeruleus em qualquer modelo neuroanatômico do Trastorno do Pânico pela sua localização e abrangência única de conecções.

O surgimento da tomografia por emissão de pósitrons (PET) possibilitou a abertura de uma nova área de pesquisa neuroanatômica. REIMAN e col. (1984) mediram o fluxo sangüíneo cerebral de pacientes com Transtorno do Pânico, fora da situação de ataque de pânico e de controles normais. Foram vistos aumentos de fluxo no hipocampo, giro parahipocampal, lobo parietal inferior, giro cíngulo anterior, hipotálamo, giro órbito-insular e amígdala. No entanto só foi encontrada assimetria de fluxo na região do giro parahipocampal de pacientes com Transtorno de Pânico e resposta positiva à indução de ataques por infusão de lactato. A predominância de fluxo à direita não pode ser avaliada se não em termos relativos , uma vez que os valores absolutos estavam dentro da faixa tida como normal. A região do giro parahipocampal é considerada uma das responsáveis pelos sintomas de pânico e ansiedade e pelo alerta. Contém o córtex entorrinal e o subiculum, os maiores locais de aferência e eferência do hipocampo, sendo portanto uma região do cérebro humano considerada importante na expressão das emoções.

O surgimento da tomografia por emissão de pósitrons (PET) possibilitou a abertura de uma nova área de pesquisa neuroanatômica. REIMAN e col. (1984) mediram o fluxo sangüíneo cerebral de pacientes com Transtorno de Pânico, fora da situação de ataque de pânico e de controles normais. Foram vistos aumentos de fluxo no hipocampo, giro parahipocampal, lobo parietal inferior, giro cíngulo anterior, hipotálamo, giro órbito-insular e amígdala. No entanto só foi encontrada assimetria de fluxo na região do giro parahipocampal de pacientes com Transtorno do Pânico e resposta positiva à indução de ataques de pânico por infusão de lactato. A predominância de fluxo à direita não pode ser avaliada se não em termos relativos, uma vez que os valores absolutos estavam dentro da faixa tida como normal. A região do giro parahipocampal é considerada uma das responsáveis pelos sintomas de pânico e ansiedade e pelo alerta. Contém o córtex entorrinal e o subiculum, os maiores locais de aferência e eferência do hipocampo, sendo portanto uma região do cérebro humano considerada importante na expressão das emoções.

Essa assimetria poderia se correlacionar com uma vulnerabilidade a ataques de pânico, mas não com o estado de pânico em si e refletiria um exagero da especialização normal do hemisfério, no que diz respeito à expressão das emoções.

REIMAN e col. (1989) sugerem que tanto a ansiedade normal antecipatória quanto a ansiedade induzida por lactato - ataques de pânico - teriam como ponto comum um aumento do fluxo sangüíneo nos polos temporais, medido com PET. Indivíduos normais ao serem informados que receberão choques elétricos dolorosos de intensidades progressivas apresentam no exame com PET antes da situação de choque um aumento significativo do fluxo sangüíneo bilateralmente nos polos temporais - região que se sabe estar implicada no ataque de pânico induzido por lactato e que foi chamada de "área paralímbica" por seu papel na avaliação da relevância da informação ambiental para a produção de uma resposta emocional adequada.

GORMAN e col. (1989) publicam um modelo neuroanatômico que tenta dar conta de explicar não só os ataques de pânico, mas também a ansiedade antecipatória e os sintomas fóbicos que normalmente se seguem. Tenta criar uma hipótese etiológica que contemple tanto aspectos biológicos quanto comportamental-cognitivos.

Os ataques de pânico agudos são vivenciados como verdadeiras "tempestades" de atividade do sistema nervoso autônomo e as situações experimentais que aumentam a atividade noradrenérgica do SNC, por exemplo o uso da ioimbina - antagonista alfa-2 adrenérgico - aumentam o ritmo de disparo do locus coeruleus e podem desencadeá-los. Por outro lado, o papel do tronco cerebral nos ataques de pânico agudos é demonstrado pelo efeito antipânico da clonidina - um agonista alfa-2 adrenérgico - que diminui o ritmo de disparo do locus coeruleus e pelos antidepressivos tricíclicos imipramina e desipramina que teriam efeito terapêutico nos ataques de pânico por diminuição do ritmo de disparo do locus coeruleus. No entanto CHARNEY e col. (1984) demonstraram que esse efeito dos antidepressivos tricíclicos pode se dar, a longo prazo, por um aumento da função, tanto por aumento de síntese e liberação quanto por aumento de sensibilidade de receptores pós-sinápticos serotoninérgicos.

Os achados às pesquisas com indução de ataques de pânico pelo lactato sugerem que sua ação se dá via irritação do tronco cerebral, em especial do locus coeruleus e dos quimiorreceptores da medula, pela passagem do CO2 proveniente da metabolização do lactato em bicarbonato. Os autores sugerem que os ataques de pânico seriam deflagrados nos pacientes sempre que uma situação de ativação autonômica periférica não estiver atrelada a uma demanda metabólica - como seria o caso da infusão de lactato -. Esta ativação seria interpretada por locais "hipersensíveis" do tronco cerebral como um perigo, desencadeando uma cascata de eventos neuronais que levariam ao pânico.

Ressaltada a gênese límbica da ansiedade antecipatória e com base nos dados já há muito conhecidos de que a estimulação de áreas límbicas em animais produzem respostas de medo, e nos trabalhos de REIMAN e col (1984) com PET, em que demonstraram a existência de assimetria de fluxo sangüíneo nos giros parahipocampais de pacientes com ataques de pânico. A ansiedade antecipatória se daria pela existência do fenômeno "kindling" no sistema límbico, de tal forma que, estimulados inúmeras vezes pelas descargas do tronco cerebral, os neurônios límbicos passariam a ter um limiar menor para estimulação pós-sináptica, de maneira que qualquer estimulação "subpânica" seria capaz de manter um estado de ansiedade antecipatória.

A explicação dada pelo modelo para os sintomas fóbicos é um tanto mais complexa. KANDEL e SCHWARTZ (1982) demonstraram que animais inferiores dependem da manutenção do estímulo para a perpetuação de um comportamento de evitação. Os animais mais complexos precisariam de menos estímulos e no ser humano o fenômeno aprendido envolveria uma capacidade consciente, provavelmente mediada por um centro cortical superior. Assim sendo, a descarga neuronal do ataque de pânico seria interpretada pelo córtex pré-frontal como uma ameaça. Isto também ocorreria com relação à situação ambiental associada à tempestade autonômica do ataque de pânico e com as cognições que o acompanham. Dessa forma tanto a situação quanto as cognições passariam a ter um potencial deflagrador de ataques de pânico por sua associação aos sintomas do ataque , passando a ser assim evitadas pelo paciente.

O principal problema na avaliação desse modelo neuroanatômico de GORMAN e col. (1989) é o fato de usarem uma concepção de cérebro hierarquizado, com estruturas superiores e inferiores, tanto em funcionamento quanto em influência de umas sobre as outras. GAZZANIGA (1989) ressalta a concepção corrente de uma organização cerebral estrutural e funcional em unidades ou "módulos", que funcionam em paralelo e interagem para produzir atividades mentais. Com relação à gênese das fobias secundárias aos ataques de pânico de origem endógena, estudos com pacientes com secção de corpo caloso revelaram a existência de um sistema localizado no hemisfério esquerdo que interpreta as ações, humores e processos de pensamento que são gerados por grupos de módulos que atuam fora do campo da consciência. Esse sistema trabalha independentemente da linguagem e parece ser exclusivo do cérebro humano. Está relacionado à singular capacidade do cérebro de fazer interferências causais e seu funcionamento, no sentido de sempre procurar contextualizar a experiência de forma unificada, estaria na base do desenvolvimento das fobias secundárias.

III. 2. MODELOS ANIMAIS

O que se estuda nos modelos animais de ansiedade é, normalmente, a reação a um perigo externo, a conflitos, traumas etc., sendo portanto muito mais um modelo de medo ou aprendizado que de ansiedade como sentimento humano.

Quando falamos em ansiedade denota-se um sintoma , uma emoção, um estado mental, ou então inferimos um construto teórico. Podemos estar nos referindo tanto a um sintoma quanto à uma síndrome específica, ou até mesmo a um estado mental normal . Do ponto de vista diagnóstico a maioria dos trabalhos a partir de 1980 se utiliza dos critérios para ansiedade da DSM III.

Cabe ressaltar que nenhum modelo animal poderá ser tomado como totalmente adequado às síndromes ansiosas, já que todos eles dão, virtualmente, um modelo do medo e do aprendizado.

Os modelos animais de ansiedade, mesmo que sujeitos às críticas já citadas, são mais adequados que aqueles desenvolvidos para depressão e esquizofrenia, uma vez que os sintomas autonômicos e somáticos que acompanham os estados de ansiedade nos humanos são extremamente semelhantes aos que observamos quando se desencadeia uma reação de medo nos animais, como salienta DAVIS (1988). Além desses dados, os estudos em pacientes de neurocirurgia também corroboram a validade de uma correlação entre os modelos animais e as reações ansiosas do homem.

De uma maneira geral os modelos animais se baseiam no chamado condicionamento operante, em que um comportamento é produzido por meio de determinados estímulos, sendo em seguida suprimido por uma punição. A associação de um condicionamento por meio de um reforço e de uma punição que tem como objetivo suprimir o comportamento dá a base dos modelos de medo e de conflito.

GRAEFF (1988) sugere um modelo para a ansiedade baseado em um modelo de aversão. Nesse o principal responsável seria o Sistema Cerebral Aversivo, isto é, um conjunto de áreas cerebrais responsável pelos comportamentos afetivo-defensivos, como as respostas de luta e fuga nos animais , e pelos comportamentos adquiridos que podiam ser mantidos, em situação experimental, pela evitação de um estímulo elétrico em área cerebral aversiva. Fariam parte desse sistema a substância cinzenta dorso central, o hipotálamo médio e partes do complexo amigdalóide. São os principais substratos neurais responsáveis pela expressão dos comportamentos defensivos, incluindo tanto o suporte neurovegetativo quanto as alterações neuroendócrinas que os acompanham. São também responsáveis pela elaboração de estados motivacionais ou afetivos que acompanham esses comportamentos.

Parece bem estabelecido que os ansiolíticos benzodiazepínicos (BDZ) e os barbitúricos exercem seus efeitos antiaversivos via sistema GABA envolvido na modulação do Sistema Cerebral Aversivo. O sistema GABA-BDZ teria um papel tônico inibitório no Sistema Cerebral Aversivo.

Por outro lado, esse modelo proposto por GRAEFF (1988) é uma importante alternativa aos modelos noradrenérgicos da ansiedade, mas levanta a questão do papel da modulação serotoninérgica do Sistema Cerebral Aversivo. Esse parece ser menos claro que o papel do GABA. Sabe-se que de uma maneira geral as diminuições de 5HT induzidas por droga têm um efeito aversivo, enquanto os aumentos de 5HT provocam uma diminuição dos efeitos aversivos. A serotonina exerceria uma inibição fásica no substrato neural da aversão, ou seja, na substância cinzenta dorsal e no hipotálamo medial. RYDIN e col. (1982, apud GRAEFF 1988) acharam uma correlação positiva entre o ácido 5-hidróxi-indol-acético (5HIAA), o principal metabólico da serotonina, e tolerância à ansiedade. Seria no entanto uma ansiedade de tipo "não condicionada" ou "somática".

Os experimentos de KANDEL e SCHWARTZ (1982) com o molusco Aplysia californica mostraram a importância da serotonina na mediação de situações de sensibilização nesse invertebrado. Os autores defendem que a Aplysia condiciona um comportamento de retirada que serve como modelo de ansiedade antecipatória e que a memória de longo prazo "adquirida" por esse animal após uma determinada série de estímulos produziria uma sensibilização comparável à ansiedade crônica.

Como já foi visto em itens anteriores, as múltiplas conexões entre os sistemas noradrenérgico e serotoninérgico dificultam a opção por um único modelo, sendo provável que diversas das vias citadas até aqui estejam envolvidas na gênese de estados ansiosos, qualquer que seja sua classificação.

III . 3 .CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS DE TRATAMENTOS COM DROGAS "ANTI-PÂNICO"AOS "MODELOS BIOLÓGICOS":

O modelo até hoje mais aceito para Depressões Endógenas, o das monoaminas cerebrais, deve muito do seu desenvolvimento aos estudos de mecanismo de ação das drogas antidepressivas. Desde os trabalhos clássicos de KLEIN (1962, 1964, 1967) sabe-se que os antidepressivos são eficazes também em quadros da então chamada Neurose de Angústia, em especial naqueles com ataques de pânico. Nas últimas décadas ESCOBAR e LANDBLOOM (1976) demonstraram a eficácia da clomipramina em pacientes com Neurose Fóbica (DSM II); SHEEHAN e col. (1980) sugeriram que a Ansiedade Endógena deveria ter um distúrbio no metabolismo de neurotransmissores inibitórios ou uma disfunção a nível de sensibilidade de receptores, a partir de estudos duplo-cego controlados com imipramina e fenelzina. GRUNHAUS e col.( 1981) revisaram os trabalhos sobre efeitos dos antidepressivos tricíclicos nos ataques de pânico e na Agorafobia, ressaltando o papel central dos ataques de pânico tanto nos quadros de Transtorno do Pânico quanto nos de Agorafobia. GLOGER e col. (1981) obtiveram 75% de remissão total em pacientes com ataques de pânico espontâneos, tratados em estudo aberto com clomipramina em doses de 75 a 100mg por 8 semanas. CASSANO e col. (1988) em estudo aberto com clomipramina e imipramina encontraram eficiência no bloqueio dos ataques de pânico, melhora da evitação fóbica e diminuição da ansiedade concomitante com as duas drogas, mesmo em pacientes com comorbidade para distúrbio afetivo e de personalidade, e diferenças apenas quanto ao menor tempo de latência da clomipramina não determinou qualquer diferença significativa.

As evidências de uma boa eficácia com os antidepressivos sugere que o estudo do seu mecanismo de ação pode fornecer dados valiosos à formulação de modelos para o Transtorno do Pânico. Além destes, drogas como os inibidores da monoaminaoxidase (IMAO), a clonidina, a carbamazepina, a zimelidina, fluoxetina, mianserina e trazodona são importantes alvos de estudo.

Os experimentos de ação aguda se relacionam à presença ou ausência de inibição da recaptura de neurotransmissores, ou a maior ou menor seletividade sobre determinado neurotransmissor . Os efeitos da administração crônica são mais relevantes, uma vez que os resultados terapêuticos levam alguns dias e até semanas para se manifestarem, e são semelhantes aos propostos para as drogas "antidepressivas". De uma maneira geral essas drogas agem por aumento de transmissão serotoninérgica. As diferenças do efeito antipânico com relação ao efeito antidepressivo se dão, de acordo com GENTIL (1986), na dose média, que é menor, na menor latência de resposta, e na maior taxa de resposta positiva.

ELIAS (1987) sugere que o pânico e a depressão compartilham mecanismos comuns no que diz respeito a resposta aos antidepressivos - a facilitação da transmissão serotoninérgica - e que a melhora do Transtorno do Pânico se dá por um aumento na resposta dos receptores pós-sinápticos de serotonina ou uma diminuição da sensibilidade dos auto-receptores serotoninérgicos (pré-sinápticos). O papel da influência dessas drogas na noradrenalina é mais complexo já que substâncias como a buspirona, a carbamazepina, a mianserina e a nicotina aumentam a atividade noradrenérgica no locus coeruleus e não provocam ansiedade. Por outro lado, os ataques de pânico induzidos por lactato não aumenta a atividade noradrenérgica medida pelo MHPG plasmático. Os ataques de pânico seriam então resultado de uma disfunção noradrenérgica e não de uma mera ativação.

ROY-BYRNE e col.(1989) estudaram o efeito de doses únicas de 15mg de diazepam em pacientes com Transtorno do Pânico pela DSM III-R e em controles normais. Encontraram uma diminuição mais acentuada dos níveis de noradrenalina nos controles e alterações nos pacientes apenas com relação à sedação e á diminuição de função cognitiva. Esses achados sugerem que pacientes com Transtorno do Pânico tenham uma diminuição da sensibilidade à supressão do sistema nervoso simpático pelos benzodiazepínicos.

 

CAPÍTULO IV: CASOS CLÍNICOS

 

Os pacientes descritos a seguir foram diagnosticados como tendo Transtorno do Pânico de acordo com os critérios do DSM III - R. Os casos 1, 3 e 5 tiveram diagnóstico de Transtorno do Pânico com Agorafobia leve; o caso 2 de Transtorno do Pânico com Agorafobia moderada e os casos 4 e 6 de Transtorno do Pânico sem Agorafobia.

CASO 1. M.C.C.M., sexo feminino, teve seu primeiro ataque de pânico aos 23 anos no cinema, com taquicardia, tremor sudorese, desconforto pré-cordial, falta de ar e medo intenso de morrer. Os sintomas começaram de forma súbita, atingiram o máximo de intensidade em poucos minutos e antes de 10 minutos a crise já tinha passado, deixando uma sensação de cansaço. Desde então passou a ter crises pelo menos semanais. E a filha mais nova de uma prole de seis, com 10 anos de diferença para a irmã imediatamente mais velha. Foi muito mimada, especialmente no que diz respeito aos hábitos alimentares - durante dias, na infância, só se alimentava com bombons - apesar de ter recebido uma educação tradicional e algo rigorosa. Foi para a escola com 2 anos, levando 6 meses para se habituar, período em que diariamente chorava, demorando para se acalmar. Sempre foi gorda e no momento da primeira consulta em fevereiro de l989 estava cerca de 20 a 25 quilos acima do peso ideal. Namorando há 3 anos um rapaz que foi seu primeiro namorado mais sério e sua primeira paixão. Esse período de namoro foi interrompido por diversas brigas por "mau gênio dos dois".

Em termos familiares sempre teve bom relacionamento com os irmãos apesar da grande diferença de idade. A mãe é descrita como uma pessoa muito calma, totalmente dedicada ao marido e aos filhos. Acha que ela é um pouco desorganizada e dependente , mas que o pai sempre supriu essa deficiência. O pai era banqueiro até ter que se aposentar 3 anos antes por problemas de saúde. A paciente havia sido sempre muito ligada a ele e acha que sem dúvida foi a mais mimada e a única que o conseguia "dobrar" na seriedade com que tratava os filhos. A doença e subseqüente invalidez do pai abalou toda a família e a paciente em especial.

A paciente estava sendo medicada por um colega com clomipramina 40mg ao dia , com boa resposta terapêutica. No entanto persistiam apreensões e questionamentos a respeito de todas as suas atividades e de toda a sua vida futura. Estava nesse momento trabalhando como orientadora pedagógica de uma escola e com o casamento marcado para o final do ano em curso. Iniciamos uma psicoterapia de base psicanalítica com freqüência de 2 vezes por semana. Ao longo da terapia foi ficando cada vez mais clara a necessidade de se casar logo, apesar das dúvidas que tinha, na tentativa de ter a presença do pai na cerimônia. O pai veio a falecer 2 meses antes do casamento. Sem ataques de pânico e sem medicação a paciente passou a paciente passou o primeiro ano do casamento com inúmeros conflitos consigo mesma , com a nova situação, incorfomada com a morte do pai e incapaz de assumir seu novo papel. Teve então uma recidiva do quadro de pânico e voltou a ser medicada, novamente com bons resultados terapêuticos. No ano e meio que se seguiu de terapia foi conseguindo aos poucos assumir o seu papel de esposa, principalmente depois que foi capaz de discutir seriamente com o marido suas frustrações com relação ao ideal de segurança absoluta que tinha depositado nele, principalmente com a morte do pai. Continua trabalhando na mesma escola, agora em cargo de mais responsabilidade e começa a pensar em voltar a estudar e talvez fazer uma pós-graduação. No entanto, persistem indagações as vezes excessivas sobre o significado da vida e do futuro; sente-se muito amedrontada com a idéia de engravidar. Não foi até hoje capaz de emagrecer o suficiente.

COMENTÁRIOS: Em termos gerais a dinâmica da paciente mostrava uma identificação de modelo histérico com o pai. O fato deste ter, nos últimos anos, se tornado uma figura fragilizada, doente e impotente para muitas coisas - e disto ter coincidido com o movimento que a paciente fazia de busca da saída do núcleo da família (exogamia) com um namoro mais sério e planos de casamento - veio sobrepor uma identificação melancólica pela culpa de planejar abandonar o pai. Nas descrições que fazia dos ataques de pânico era clara a preocupação maior com os sintomas de parestesia, que lembravam o derrame do pai. No relacionamento com os irmãos adotava uma postura agressiva, arrogante, de extrema independência, como se substituísse o pai no papel de patriarca que sempre tivera até a doença. Após a morte do pai passou por um período em que também se considerava morta, incapaz de se sentir agente dos seus atos, vivenciando tudo como espectadora. Nesse período não teve ataques de pânico, mas sim sintomas depressivos que no entanto não caracterizavam uma Depressão Maior. Em termos inconscientes os ataques de pânico pareciam simbolizar a quebra da relação onipotente entre ela e o pai e o medo que nela gerava o desejo de crescer, se individualizar, casar e ter filhos.

Em termos clínicos a investigação endócrina feita não revelou qualquer alteração que justificasse a obesidade, afastando também um componente hormonal para o desencadeamento do quadro psicopatológico.

CASO 2. T. O M.P., sexo feminino, 51 anos, casada, procura tratamento em janeiro de 1988. Conta na ocasião que aos 18 anos teve uma crise de tremor acompanhado de mal estar e medo intenso durante uma viagem a Santos em que ficou longe dos pais. Depois disso fez análise durante 4 anos. Não teve qualquer sintoma semelhante, exceto um certo mal estar quando viajava, até julho de 1987 quando teve de forma súbita uma crise com tremor, sudorese principalmente nas mãos, sensação de nó na garganta como uma dificuldade de respirar, dor nas costas e medo de estar tendo alguma doença grave. Teve mais quatro crises em cinco meses mas passou todo esse tempo temendo uma nova crise. Ela que sempre fora muito preocupada com saúde ficou mais ainda, passando a pedir exames para o seu clínico na esperança de detectar a causa do seu mal estar. Dois anos antes das crises atuais o marido começou a ter problemas financeiros e hoje a situação é bem delicada. Isso a deixa extremamente insegura com relação ao seu futuro e dos filhos e marido.

Casada em segundas núpcias, tem dois filhos do atual casamento e um do primeiro. Teve três abortamentos espontâneos. Tem um irmão mais novo que ela considera ter sido sempre protegido pelos pais, em especial pela mãe, e a quem atribui em parte sua má situação financeira, já que ele teria transferido para seu nome quase tudo que era dos pais e das tias solteiras, apesar de vivos. Seu relacionamento com o pai foi extremamente conflitivo, pois ela era muito ansiosa, preocupada em excesso com a saúde dos filhos e impunha limitações desmedidas.

A paciente tinha sido medicada com clomipramina 10mg ao dia por um colega, mas havia apresentado uma intensa piora, descrita por vários autores no início do tratamento de alguns pacientes, recusando-se a tomar novamente qualquer medicação. Iniciamos então uma psicoterapia de base psicanalítica com freqüência de duas vezes por semana.

COMENTÁRIOS: A paciente havia se mostrado muito insegura, dependente das figuras adultas internalizadas, especialmente da figura da mãe e propensa a usar o corpo como meio de manifestação de desamparo e busca de atenção, talvez apoiado na sua experiência com a mãe muito preocupada com problemas de saúde e que talvez só nesses momentos desse uma atenção espacial à filha, já que tinha no filho seu predileto. Este mecanismo era usado especialmente quando os problemas financeiros não permitiam que o marido lhe dispensasse muito tempo. Após três anos de psicoterapia está bem melhor, sem crises de pânico apesar de persistirem sintomas isolados e esporádicos de ansiedade autonômica, enfrentando uma situação financeira ainda mais complicada. Parece ter conseguido internalizar figuras adultas mais equilibradas, que não se desesperam frente a doenças e com elas se identificar, fortalecendo sua autoconfiança. Diminuiu suas consultas ao clínico e pode agora se preocupar mais com o marido, que tem diabetes, está obeso e não faz qualquer tipo de dieta. A preocupação tem sido não só justificada, como se manifestado de forma adequada.

As diversas avaliações clínicas realizadas durante o período em que faz terapia foram sempre normais, mesmo após a menopausa que ocorreu nesse período. Se bem que a menopausa costume ser um momento de crise para as mulheres, os outros problemas que a paciente teve que enfrentar durante esses três anos parecem ter ocupado o primeiro plano.

CASO 3 . F.F.D.L., sexo feminino, 24 anos, solteira inicia psicoterapia de base psicanalítica em março de 1989. Queixa-se que há dois anos tenta ter relações sexuais com o namorado sem no entanto permitir a penetração por ter uma intensa representação de que o ato sexual é doloroso. Não há qualquer impedimento orgânico. É a filha mais nova de duas. Relata um relacionamento difícil com o pai que é muito rigoroso, ciumento e que não gostou de nenhum de seus namorados. A mãe é considerada mais flexível, até um pouco superprotetora. A irmã é muito complicada. Teve alguns distúrbios de conduta na adolescência, foi obesa e hoje é obcecada por emagrecimento, provavelmente usuária de anfetamínicos. Teve os ensinamentos sexuais em casa, na escola e com amigas. Nunca se masturbou com medo de sentir dor. As carícias com os namorados são inicialmente vividas com culpa e vergonha e posteriormente com prazer mas não permite a penetração, ficando tensa e com medo de ser machucada e sentir dor. Não permitiu até hoje ser examinada por ginecologista. Aos 17 anos a irmã um ano mais velha teve que ser operada de cistos múltiplos nos ovários. Ela começou então a ter os mesmos sintomas, fez então ultrassonografia que constatou os mesmo problema mas de menor gravidade.

Alguns meses depois de iniciada a psicoterapia queixou-se de ter sentido, no centro da cidade onde trabalhava, uma crise repentina, de pequena intensidade com tontura, falta de ar, taquicardia, vista turva e medo indefinido. Esta se repetia sempre que ia a lugares muito cheios, que passou a evitar. Encaminhada a um colega para ser medicada começou a tomar Rivotril 0,5mg ao dia. Foi apresentando melhora gradual dos sintomas. No entanto sua dificuldade sexual parece estar muito relacionada a um grau de ansiedade ligada às situações de crescimento, como responsabilidades profissionais, assumir a sexualidade adulta etc. As melhoras alcançadas no primeiro ano de tratamento sofreram uma regressão determinada primeiro uma regressão determinada primeiro pelo falecimento da mãe que era a figura de suporte da paciente, e depois por uma gravidez seguida de abortamento, resultado de uma relação sexual com penetração incompleta. Um ano e meio após se fechar novamente nas suas defesas de características fóbicas volta a tentar enfrentar o mundo. Continua medicada com Rivotril 0,5mg ao dia, sem sintomas de ansiedade autonômica.

COMENTÁRIOS: o que mais chamou a atenção nesse caso foi a imaturidade generalizada da paciente. Apesar de ter se formado em Administração de Empresas nunca pensou em trabalhar, a não ser por um curto período no escritório dos pais onde acabou fazendo serviços pouco qualificados. No entanto se sente segura pois não tem que enfrentar nenhuma nova situação. A recusa de se desenvolver se manifesta no campo da sexualidade por uma defesa fóbica em que se representa a relação sexual como um ato agressivo e potencialmente mutilador. Além disso o relacionamento com o namorado era tumultuado e se submetia sempre a cenas exageradas de ciúmes e a padrões de comportamentos impostos por ele.

A morte da mãe a deixou num primeiro momento ainda mais insegura, no entanto no plano sexual foi capaz de ir permitindo uma maior aproximação no decorrer do relacionamento com outro rapaz. Com a gravidez inesperada e o abortamento houve um grande retrocesso. Curiosamente a maior dificuldade de lidar com a sexualidade e a feminilidade foi acompanhada de avanços no que diz respeito a outros posicionamentos. Está mais organizada com os cuidados da casa, começou a se inteirar dos problemas com a herança que recebeu da mãe, tentando dividir as responsabilidades com o pai. Mais recentemente voltou a se preocupar com as dificuldades sexuais, falando delas com maior freqüência.

 

CASO 4 O.C.P., sexo feminino, 51 anos, casada, teve em novembro de 1987 uma crise de Pânico com tontura, taquicardia, dor no peito, sudorese, ondas de calor, náusea parestesias de mãos e medo de morrer, que durou 30 minutos até passar completamente. Dois dias depois teve mais duas crises mais fracas e mais curtas. Procurou um cardiologista que encontrou um prolapso de válvula mitral sem repercussões clínicas. Foi medicada por um neurologista com clomipramina 30 mg ao dia, com remissão total dos sintomas. Suspendeu a medicação por conta própria 3 meses depois. Permaneceu desde então sem ataques de pânico espontâneos mas com muitas preocupações hipocondríacas e esquiva leve durante seis a sete meses. Persistia uma tontura leve do tipo "balanço de navio". Em outubro de 1988 voltou a ter crises com vários sintomas, de fraca intensidade, mas acompanhadas de insônia inicial, sintomas depressivos leves e piora pré-menstrual. Reintroduzi clomipramina até uma dose de 30 mg ao dia e orientei quanto ao tempo médio de tratamento necessário para reduzir risco de recaída. Permanece até hoje tomando clomipramina 20 mg ao dia após ter suspendido por conta própria a medicação uma vez e ter tido nova recidiva.

COMENTÁRIOS: A paciente começou a apresentar as primeiras crises aos 51 anos, fora do período de maior incidência do quadro. Na ocasião ainda estava mestruando regularmente, sem alterações hormonais. Em que pese o significado habitual para a mulher da fase do climatério, não se encontrava aparentemente, em período especialmente difícil da vida. Os filhos continuavam em casa e o relacionamento conjugal era estável e considerado bastante satisfatório pela paciente. Não tem antecedentes psiquiátricos na família. O único achado clínico foi o prolapso de válvula mitral, que costuma ter uma ocorrência maior nos pacientes com Transtorno do Pânico que na população geral. Mesmo o desenvolvimento da esquiva foi limitado e tanto ela quanto as preocupações hipocondríacas não chegavam a interferir com sua rotina de vida. A resposta à medicação foi muito boa, com remissão inclusive da esquiva e das preocupações hipocondríacas.

 

CASO 5 W.F.J., sexo masculino, 27 anos, casado, foi atendido no Ambulatótio de Ansiedade - AMBAN do Instituto de Psiquiatria da FMUSP em novembro de 1987, no projeto AMBAN I de estudo do Transtorno do Pânico. Teve a primeira crise de pânico aos 24 anos, espontânea, em casa. Passou então a ter crises com uma freqüência de 2 a 3 vezes por semana, na sua maioria situacionais - no carro indo para o trabalho, atravessando viadutos. Desenvolveu esquiva limitada, com ansiedade antecipatória moderada. A mãe do paciente tem um quadro delirante alucinatório crônico. Foi medicado inicialmente com Imipramina 150 mg ao dia com remissão completa dos sintomas. Apresentou recidiva do quadro 5 meses após ter parado de tomar a medicação. Passou a ser medicado com Clomipramina 50 mg ao dia, com toda resposta terapêutica.

COMENTÁRIOS: Em linhas gerais o paciente apresentou um quadro típico de Transtorno do Pânico com esquiva leve. Teve boa resposta terapêutica às duas medicações utilizadas. Nos contatos que tivemos, porém foi observada uma certa insegurança, principalmente ligada à figura da mãe. Teve dificuldades com ela após seu casamento, especialmente no que diz respeito a impor certos limites à sua participação na vida do casal. Apesar de desconfiar há muitos do quadro psicopatológico apresentado pela mãe não conseguia falar sobre ele com ela para que fosse tentado um tratamento. Foi sugerido que procurasse uma psicoterapia já que essa dificuldade era fonte de apreensão e tristeza.

A investigação de outros aspectos que poderiam interferir com a evolução do quadro, como os aspectos da vida sexual, foram negativos, se bem que o fato da médica ser mulher e não se ter tido um trabalho psicoterápico que pudesse com o tempo minimizar alguma resistência, pode ter influenciado na não obtenção de maiores detalhes.

 

CASO 6 M.M.J.N., sexo feminino, 43 anos, casada teve em junho de 1987 uma crise intensa de mal estar com enjôo, tontura, escurecimento da visão, sensação de falha do coração, sudorese, calafrio e sensação de morte eminente. Seis meses depois voltou a ter essas mesmas crises diariamente, às vezes noturnas. Procura tratamento em junho de 1988 após investigação cardiológica (prolapso de válvula mitral discreto), encaminhada pela psicoterapeuta. Em 1984 teve hipertireoidismo controlado até hoje com tapazol, hormônios dentro da normalidade.

Teve uma convulsão aos 16 anos, medicada com Comital parou por conta própria pouco depois. Dos 12 aos 16 anos enxaqueca semanal. Tensão pré-menstrual com intenso nervosismo e mal humor. Foi uma criança e uma adolescente entrosada e alegre. Trabalhou até adotar uma filha em 1984.

Medicada com clomipramina teve períodos de melhora e piora ocasionados por variações de dosagem que fazia por causa dos efeitos colaterais e com problemas que teve com a filha. Remitiu do quadro com 125 mg ao dia 6 meses após o início do tratamento. Há 6 meses teve duas crises fracas, tomando 25 mg ao dia de clomipramina. Acha que foi motivada pela necessidade de se submeter a cirurgia de extração da vesícula. Orientada para aumentar a clomipramina para 50 mg ao dia teve nova remissão. Suspensa a medicação em início de dezembro de 1991 para cirurgia.

COMENTÁRIOS: a paciente apresentou quadro de Transtorno do Pânico sem agorafobia mas com um grau moderado de depressão secundária, três anos após uma crise de hipertireoidismo. A resposta terapêutica foi variável, seja em função dos efeitos colaterais que ocasionaram interrupções feitas pela paciente, seja por alguma possível influência dos hormônios tireoidianos, que no entanto se mantiveram em níveis normais nas dosagens realizadas durante o tratamento. A remissão só foi obtida 6 meses depois. Voltou a ter crises de fraca intensidade que atribuiu à proximidade da cirurgia e a problemas com a filha adotiva.

Dentro das limitações de uma abordagem puramente clínica, a paciente não manifestou nenhum outro problema relevante, seja de ordem familiar, médica ou pessoal.

CAPÍTULO V. DISCUSSÃO

 

A atenção que os pesquisadores têm devotado ao estudo do Transtorno do Pânico levou a discordâncias quanto à correta maneira de abordar o problema. Seria o Transtorno do Pânico realmente uma entidade nosológica discriminada? Não seria ele na verdade a velha Neurose de Angústia descrita por Freud e, portanto, o esforço da DSM III em identificá-la inútil? Não seria, em última análise, esse diagnóstico uma mera ficção? Ou na melhor das hipóteses um diagnóstico de moda - como sugere GARRABE (1987)? Acreditamos ter fornecido dados para que algumas dessas perguntas sejam respondidas.

Gostaríamos agora de analisar brevemente a relação existente entre o que chamaremos de tipo de patologia (ou diagnóstico psicopatológico), i.e., sua caractéristica a nível de conteúdos psíquicos e manifestações secundárias (p.ex. as fobias) e, (a) o que chamaremos de estrutura (compreendida como base cerebral e (b) a experiência (no sentido vivido).

1. O tipo é dependente da estrutura: teríamos que admitir que uma dada vivência, ou seqüência de vivências, seria suficiente para provocar uma série de alterações somáticas. Dessa forma teríamos a moldagem de um circuito semântico, detentor das situações e significados envolvidos no desencadeamento de manifestações somáticas, e que seria capaz de, frente a uma experiência compatível com os conteúdos nele armazenados, disparar o mecanismo patogênico. Dessa forma os componentes hereditários e orgânicos teriam quando muito, um papel facilitador, sendo que o essencial na patogênese se encontraria na forma como o sujeito decodificaria as experiências que, de alguma forma, se ligassem a uma noção de perigo, interno ou externo. A deflagração da patologia estaria na dependência da intensidade e da freqüência do vivido. O problema é identificar a formação desse circuito semântico de tal forma a excluir o que realmente não lhe pertence, garantindo um circuito gerador de patologia e não apenas um circuito que apenas dá significado psíquico a vivências físicas desencadeadas em nível diferente do semântico. Em outras palavras, o problema gira em torno da dicotomia entre cérebro e mente, neurobiologia e psiquiatria, neurociência e psicanálise. Para que pudéssemos admitir que uma dada vivência seja capaz de provocar uma patologia com manifestações somáticas e mais, com prováveis alterações bioquímicas que podem ser induzidas por meios experimentais provocando um quadro indistinguive, teríamos que admitir que de alguma forma esses dois níveis - cerebral e vivencial - se comunicam e agem um sobre o outro provocando modificações.

O problema também se coloca no campo da prática clínica. Frente a um paciente com um quadro sintomatológico sugestivo de Transtorno do Pânico ou de Neurose de Angústia qual a melhor conduta? É lícito optar por uma postura exclusivamente "biológica" ou psicanalítica? Em que evidências essa contraposição se sustentaria? Da revisão feita nos capítulos anteriores surgem alguns pontos frágeis nas duas formas de encarar o problema.

Começando pelas evidências biológicas, o pânico induzido por infusão de lactato, por algum tempo considerado como o modelo específico para o Transtorno do Pânico, mostrou ter resposta positiva em pacientes com outras patologias (GORMAN e col. 1985), enfraquecendo o modelo como evidência forte de uma possível via etiopatogênica. As evidências experimentais que favorecem um modelo noradrenérgico para o pânico são postas em dúvida pelas evidências que favorecem o modelo serotoninérgico e pelas inúmeras conexões neurais entre os dois sistemas , tornando difícil sua individualização para localizar processos etiopatogênicos. Os modelos desenvolvidos com animais padecem da inacessibilidade às vivências durante os experimentos , tendo os argumentos que se basear em sinais somáticos e fisiológicos que indiquem semelhança de estado com a ansiedade humana. Seu realismo quanto a modelizar uma situação afetiva humana é no mínimo discutível. Os estudos realizados com drogas eficazes no tratamento desses quadros poderiam fornecer dados preciosos ao desenvolvimento de um modelo de bases biológicas. No entanto, existe uma controvérsia quanto aos mecanismos de ação e no plano clínico , podemos observar as mais variadas respostas terapêuticas, desde a remissão completa do quadro até uma falha absoluta em produzir qualquer melhora. O índice de resposta terapêutica não é de 100% em nenhuma patologia, mas gostaríamos de , mais adiante, discutir outros possíveis fatores de má resposta terapêutica.

O modelo psicanalítico também apresenta difíceis problemas. O primeiro deles diz respeito a impossibilidade de refutar muitos dos aspectos teóricos que embasam o modelo, por estarem calcados em construções teóricas desenvolvidas a partir de observações clínicas, feitas sem a preocupação de se referirem a entidades observáveis de forma direta ou indireta. A hermenêutica psicanalítica pode ser por um lado a vantagem de dar conta da individualidade do sujeito em questão, das suas experiências não compartilhadas, mas por outro não consegue garantir a veracidade da interpretação escolhida - a não ser uma alegada mudança na estrutura de funcionamento psíquico, difícil de avaliar de forma objetiva - além de muitas vezes servir de abrigo a ignorância de outros conhecimentos já comprovados. Os autores, de uma maneira geral, não tem a preocupação de utilizar qualquer rigor científico, limitando-se a discutir os aspectos apreensíveis ou interpretáveis no discurso do paciente, lidos à luz de uma teoria pré-existente. As diversas teorias, ou mesmo momentos do desenvolvimento teórico, são muitas vezes conflitantes, sem que se tenha como escolher uma das visões, pois não atendem ao princípio da refutabilidade, induzindo por vezes a opções de fé.

Do ponto de vista clínico, no entanto, as duas visões podem, e devem, ser utilizadas. As evidências de um substrato biológico para o Transtorno do Pânico são fortes e a eficácia de algumas drogas comprovada. Mesmo não se obtendo uma remissão completa do quadro qualquer melhora clínica determinada pela droga facilitará o acesso aos possíveis conflitos subjacentes. A situação clínica mais comum talvez seja a de um sujeito de alguma forma mais susceptível biologicamente a reações ansiosas que chegou a desenvolver um quadro específico no contexto de conflitos psíquicos sejam atuais , relacionados mais comumente a perdas ou aumento de responsabilidades sejam remotos, na forma de dificuldades estruturadas de relacionamento com determinados aspectos da vida como o amoroso, de relações de dependência ou de situações de abandono.

Existem modelos alternativos e mesmo integrativos com relação aos dois aparentemente antagônicos apresentados nos capítulos anteriores.

O modelo que mais se diferencia dos demais modelos de orientação biológica é o sugerido por SIFNEOS (1988) de Alexitimia, em que sugere que uma série de manifestações autonômicas seriam secundárias a estados de desconexão entre o sistema límbico e neocórtex, de origem anatômica ou psicológica, que determinam uma impossibilidade de significar e nomear as emoções.

BALLENGER (1989) sugere um modelo integrativo em que existiria uma hiperatividade noradrenergíaca congênita no SNC que interagiria posteriormente com os aspectos cognitivos, comportamentais e psicodinâmicos dando origem ao quadro patológico. O autor ressalta a dificuldade de se estabelecer um modelo etiológico integrado e sugere que sua proposta deva ser encarada como um modelo integrativo de terapêutica. O problema da etiopatologia continua, portanto sem resposta.

RAMADAN (1988) sugere uma abordagem do ponto de vista da teoria da informação. O homem é como todo o ser vivo, um sistema aberto que depende de troca de informação. Nesse contexto a angústia seria conseqüência dos ruídos existentes na comunicação humana, ou seja, pela quantidade de informação não relevante e indesejada, determinadas pela profusão de símbolos que constituem nosso universo lingüístico e comunicacional. A terapêutica se voltaria para aumentar a redundância e diminuir o ruído da informação - efeito dos psicofármacos - ou para a estruturação de uma nova forma de troca de informação com o meio - efeito da psicoterapia.

A abordagem cognitivo-comportamental dos quadros de ansiedade nos fornece um outro modelo etiopatogênico interessante na tentativa de revolver o debate em curso. Os autores dessa orientação teórica adotam uma abordagem empírica dos fenômenos psicológicos e psicopatológicos, com ênfase na metodologia experimental. Partem do pressuposto que os processos de pensamento - cognições - filtram e organizam as percepções e sua interação com os comportamentos motor e verbal.

Como ponto de partida tomemos a opinião de MARGRAF e col. (1986 apud COTTRAUX 1988) de que é discutível que exista uma doença que se manifeste com Ataques de Pânico, espontâneos e sem qualquer desencadeante ambiental reconhecível. Admite que por trás da espontaneidade de tais ataques se encontre a incapacidade do paciente de detectar o fator ambiental desencadeante. Sugere um modelo integrativo em que as alterações fisiológicas periféricas entrariam em interação com experiências passadas através de fenômenos cognitivos, que engendrariam uma interpretação das reações fisiológicas como estímulos ameaçadores. SHEEHAN (1982 apud COTTRAUX 1988) admite um núcleo de vulnerabilidade que é biológico e que seria responsável por Ataques de Pânico espontâneos, que só a partir de uma segunda etapa se desenvolveria nos moldes dos condicionamentos clássico e operante, explicando o desenvolvimento do comportamento de evitação. Em resumo, o modelo cognitivo sugere um papel mediador dos pensamentos, das crenças e das imagens mentais (das cognições), que seriam os responsáveis pelo desenvolvimento, pelo indivíduo, de mecanismos de adaptação aos estímulos internos e externos. Não são as condições que causam a ansiedade - pode ser o resultado da interação de uma vulnerabilidade biológica, de história individual ou da ação de estímulos do presente. A ansiedade se constitui, então, num viés na maneira de interpretar as informações relativas a possíveis ameaças. Essas pesquisas, entre outras, permitiram que os comportamentalistas abandonassem a postura radical de só valorizar o observável, num modelo de caixa preta, para se voltarem à noção de processos e, portanto, de perigo interno.

Numa tentativa de criar um esboço de teoria neuropsicológica da ansiedade GRAY (1982) compara o chamado Sistema de Inibição Comportamental (SIC) com o Sistema Septo-Hipocampal (SSH). O modelo é atraente pois os dois sistemas seriam responsivos aos mesmos estímulos, aproximando um conceito de Psicologia comportamental a um conceito neuroanatômico. Responderiam a estímulos novos ou aos que estejam associados à punição ou à falta de recompensa. Como resposta o SIC promove um estado de alerta e um aumento da atenção direcionada ao meio. Essas manifestações são consideradas pelo autor como expressão de ansiedade. Além disso drogas ansiolíticas agiriam diminuindo a atuação de SIC, tendo como efeitos os mesmos advindos de lesões do SSH. Isto se explicaria pelo papel do SSH no mapeamento cognitivo, no teste de hipóteses, no fornecimento de ligações contextuais a experiências armazenadas em outras regiões cerebrais, na inibição motora e na memória operante. O modelo não opta por nehuma das correntes monoamonérgicas. Ao contrário, admite que a ansiedade é resultado de uma hiperatividade noradrenérgica, que sinaliza ao SSH que o estímulo apresentado é importante e, de uma hiperatividade serotoninérgica, que informa que o estímulo é aversivo.

De acordo com a teoria de GRAY a farmacoterapia teria sua eficácia atingida por uma diminuição dos estímulos nor e serotoninérgicos que chegam ao SSH, que como conseqüência diminuiria a tendência do indivíduo de examinar o ambiente em busca de fatos ameaçadores. A terapia comportamental, por outro lado, agiria modificando os esquemas de apresentação dos estímulos tidos como ansiogênicos pelo indivíduo, maximizando o processo de habituação e conseqüentemente diminuindo a ativação do SSH que não mais interpreta o estímulo como importante ou aversivo.

Os modelos rapidamente apresentados, sejam eles alternativos à contraposição biológico/psicológico, ou integrativos, demonstram a complexidade do problema e a incapacidade, no presente momento, de se fazer uma opção radical sem parecer ingênuo.

Autores como COOPER (1985) e KANDEL (1979 e 1983) tentam delimitar as fronteiras das relações entre neurobiologia e psicanálise e sua possível cooperação. A Psicanálise não pode ficar de olhos fechados aos avanços das neurociências no campo das doenças mentais, sob pena de perder o passo na história do desenvolvimento científico da área. Por outro lado, até que ponto essas descobertas irão impor modificações em suas teorias é uma outra questão. Não nos parece ser preocupação da Psicanálise a descrição realística dos processos etiopatogênicos dos Transtornos Mentais, mas sim sua descrição quanto aos aspectos simbólicos e, portanto, culturais e individuais. E nesse sentido a descoberta do papel das vias noradrenérgicas no desencadeamento das crises de angústia da Neurose de Angústia não será capaz de apagar o significado simbólico de ameaça de perda da identidade ou de fusão com as figuras parentais tão bem expostas no trabalho de DOS SANTOS(1985).

Reforça uma visão mais abrangente o trabalho de GOODMAN(1991) em que sugere uma teoria orgânica unitária para os impasses relativos ao problema mente e corpo. Apoiado nas visões filosóficas de identidade psico-física considera que as diferenças entre o "biológico" e o "psicológico" se dão no campo conceitual, mas as duas linguagens compartihariam os mesmos referentes. Seriam, portanto, equivalentes tanto do ponto de vista lógico quanto epistemológico.

Terminamos por perguntar o que em termos de Transtorno do Pânico ou Neurose de Angústia se encontra fixo e imutável. É a estrutura o invariável, de tal forma que o meio e a forma como é vivido (ou seja, o psíquico) determinam a doença; ou é o meio ( e o psíquico) que pode ser considerado fixo em termos etiológicos, ficando as alterações das estruturas totalmente responsáveis pela gênese do quadro? Parece ser prudente não se entregar de imediato a qualquer dos radicalismos. Sem dúvida há a necessidade da estrutura - em outras palavras, do cérebro - seja para a gênese direta das alterações seja para a codificação das vivências referidas do psíquico. Talvez seja o psíquico entendido como o conjunto das funções cerebrais que possibilita a análise e a valorização de cada experiência vivida pelo indivíduo e que determina o curso que seguirá uma primeira vivência das alterações somáticas do quadro de pânico.

 

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ABSTRACT

Clinical observation alone is not sufficient to formulate a theory of Panic Disorder. The author makes a review of the concepts of anxiety and anguish. She describes the historic evolution of Panic Disorder’s concept, it’s natural history and epidemiology. It is evident that Panic Disorders were confused with clinical conditions and with affective disorders. Although Freud first identified Anxiety Neuroses in 1985, it was only in 1980 that the DSM III finally described Panic Disorder as an isolated entity. A review of the main biological models is done, specially of the noradrenergic hypotesis. Data from neuroanatomical and animal models give support to some evidences that arised from the hypotesis above. The review suggests that a more complex model will be necessary to correlate all positive data on the neurobiology of Panic Disorder. The psychoanalytical review takes into account the Freudian Anxiety Neuroses model. It is the dynamics of unconscious mental functioning that determines the appearance of mental disorders, including Anxiety Disorders. Specially when Ego’s deffence mechanisms fails in handling with instictive forces. The six cases presented try to show the ways biological and psychological aspects may present and influence clinical practice. At last, the author shows the apparent opposition between experience and structure. Both models, biological and psychological are criticised. Alternative and integrative models are presented in order to solve the problems. Clinically, it is important to take into account both aspects when dealing with the very patient