O MENTAL COMO REPRESENTAÇÃO

 

Henrique Del Nero (1992)

 

 

 

IV.1. Considerações preliminares

 

É importante ressaltar novamente que o exame das atribuições do mental em termos de consciência, representação, intencionalidade, imaterialidade e subjetividade não pretende nem a completude nem a caracterização perfeita de domínios exclusivos. A noção de representação pode, por exemplo, conter algumas formulações que aludem à consciência, essa à intencionalidade e assim pordiante. Pode-se encontrar um autor que defina, como traços característicos do mental, consciência, causação mental, subjetividade e intencionalidade. (SEARLE, J. 1984) Outros definem a consciência como marca do mental (CHURCHLAND, P. 1988) e assim por diante. Neste capítulo pretendo descrever alguns dos aspectos ligados à noção de representação. Advirto, no entanto, de que há nos textos recentes pelo menos dois sentidos para "representação". Um que denota imagem, cópia, etc. Outro que denota linguagem representacional de cunho intencional. Nesse último sentido o tópico é complementar ao da mente como intencionalidade.

Representação pode ser entendida como imagem de algo, como ‘símile’, como representante remontado a uma tradição que vem desde a filosofia grega. Aristóteles afirma não haver pensamento sem uma imagem ou figura mental. Hume fala no Tratado: "há uma cópia feita pela mente que fica depois que cessa a impressão, e a isto chamamos idéia".

Há portanto um sentido comum para representação, qual seja, o de "imagem do mundo". A pergunta tradicional que se impõe é de que meio temos para aceder ao mundo que está em nós "representado pela representação"? Se o único meio de acesso aos "objetos"for o dos dados sensoriais, como poderei comparar duas classes indistinguíveis, de um lado representações e proposições acerca delas, de outro os "objetos" que as referenciam?

A noção de representação é desde o início problemática porquanto possibilita um solipsismo epistemológico de difícil superação. O real, do qual a representação é supostamente uma cópia, é acessível somente através das representações, tornando portanto a verdade das proposições, e a natureza dos objetos que as referendam, domínios de difícil aferição. A linguagem procura superar esses impasses, rompendo com o solipsismo, mas o estatuto de objetividade e realidade que se esperaria que possuisse, ela a linguagem, em algumas regiões, está longe de existir.

Duas posições podem ser adotadasquanto ao locus de positivação fundamental, i.é., quanto ao primado dos objetos ou das representaçõe: a primeira posição é do realismo ingênuo e a segunda a do mentalismo ingênuo. Importa-me, mais do que examinar as duas posições, mostrar que a noção de mental surge aqui como imagem, instância ontologicamente fundamental que reflete a forma e o conteúdo do mundo.

A questão dos "mundos possíveis" também merece comentário. Representamo-nos também objetos abstratos e imaginários. Qual o estatuto dessas representações em cotejamento com o real? Qual o controle que o SNC, ou que o sujeito mental, tem sobre a natureza dos objetos representados? Sub-repticiamente começamos a perceber interrelações entre a consciência e a representação. Pode-se dizer que ambas são a mesma coisa? Se não, pode haver representação sem consciência? Embora intercomunicantes, parecem-me conjuntos disjuntos, i.é., nem toda representação é consciente, nem toda consciência se esgota no exame da noção de representação. Portanto, à noção de representação ajuntamos a consciência da representação de sua natureza, balizando a partir de então uma gama enorme de comportamentos possíveis.

Para alguns pensadores, paticularmente Descartes, a natureza das representações, seu primado sobre todo outro tipo de coisas, sua imediatidade e sua certeza fundamentam ontologicamente o ser. "Penso, logo existo" é uma inversão de polaridade ontológica, onde o primado da representação e da consciência da representação fundamentam a certeza, fazendo frente aos impasses colocados pela dúvida cética acerca da existência real das coisas. Essa inversão de polaridade, do mundo que constitui a representação para a representação que constitui o mundo, se faz no entanto à custa de uma duplicação substancial. A cisão sujeito-objeto não se faz apenas pela alusão a modos diversos de apresentação da matéria; o corte radical é de que a representação não apenas fundamenta a certeza e o conhecimento acerca do mundo físico, mas é de uma natureza diversa do físico.

O problema da representação é então de importância fundamental para o conhecimento. Através dele avaliamos as teorias da verdade: a) da correspondência, comparando proposições e representações; b) da coerência, comparando esquemas de representação e de sentenças associadas; c) da quase-verdade (pragmática), estabelecendo para que domínios é válida a noção de verdade como correspondência; d) da eliminação da verdade, estabelecendo que se houver representação então é verdadeira.

Avaliamos ainda a noção de significado através do exame da referência. Como não há, na minha opinião, referência sem representação, examinamos a noção de inteligência, através do ordenamento das representações, e a noção de pensamento através das inferências, e da formação de categorias "a priori" e "a posteriori", a partir das representações.

A representação é portanto qualificativo de mental e prescinde da noção de consciência, pelo menos em alguns casos. Vejamos alguns exemplos: aprender a dirigir um automóvel. Inicialmente temos consciência de todos os movimentos, porém, com o tempo, o aprendizado leva à automatização e à extra-consciência da tarefa. Um reflexo instintivo que prescinde de consciência é o da sucção. Há uma representação visual e tátil do objeto, I. é., do peito da mãe.

Há um nível de representação interna no SNC que guia os atos, seleciona os objetos representativos , perfazendo a conduta correta, quer por aprendizado, quer por reflexo quase que imediatamente formado após o nascimento (no caso do reflexo de sucção).

A noção de inteligência envolve necessariamente um sistema interno que represente o mais corretamente a "forma" e o "conteúdo" do mundo, ou pelo menos um recorte útil dele. Insisto na noção de forma e de conteúdo porque o reflexo não pode ser entendido apenas como uma "forma a priori", tendo outrossim de ter uma representação3 prévia do que são os objetos possíveis de sucção. Se tivessemos uma população de mulheres com peitos sem leite, muito provevelmente, teriamos de aguardar uma mutação que reinstaurasse a relação harmônica entre objeto que oferece alimento nos primeiros dias de vida e reflexos a ele ajustados. A representação3 envolve uma interpretação à luz de uma determinada linguagem e de um determinado esquema categorial . Não enxergamos padrões de radiação e sim cores. É, justaposto a esse mundo recortado e interpretado pelas representações, que o mental exerce sua função.

Dois problemas serão abordados na continuação deste capítulo: a natureza da função que interpreta as representações, i.é., o homúnculo, e as representações internas que são intermediárias entre a sensação e a ação.

A noção de homúnculo é problemática como vimos no capítulo 1. Se o homúnculo executa uma interpretação de representações, quem é que interpreta sua interpretação? Há varias maneiras de colocar o problema. Importa que todas elas podem nos levar à indesejável regressão ao infinito. A postulação de um homúnculo "imaterial", ou de outra substância que não a da representação3 no SNC, é um caminho perverso, multiplicando entidades de forma obscura. Mormente se tivermos em mente que deveremos ter que dar conta da interação entre os fenômenos físicos e os "imateriais", o que torna a hipótese ainda mais implausível, i.é., a hipótese de um homúnculo "imaterial" que interpreta representações tipo 1 e 2.

A discussão acerca das representações deverá, no âmbito da Ciência Cognitiva, responder três pontos cruciais:

1) A dupla natureza do que chamamos representação, i.é., imagem ou linguagem intencional (sentidos 1 e 2), é compatível com a noção de representação enquanto recorte interpretado à luz de um esquema categorial e de uma linguagem, no caso a linguagem intencional?

2) A importância da pergunta acima advém da discussão entre duas corretes que trabalham com a representação no cérebro humano e em modelos computacionais. Uma delas crê haver apenas um nível sentencial de representação. O paradigma sentencial afirma que todas as representações são redutíveis ou tradutíveis numa linguagem do tipo do cálculo de predicados, de que a forja de qualquer uma delas, i.é. das representações, segue regras simbólicas de construção e de procedimento de tipo lógico. Outra corrente admite pelos menos dois tipos de representação: além da sentencial, também outra chamada "imagética".

3) A noção de representação3 é absolutamente compatível com a modelização em redes neurais e em arquiteturas conexionistas. Portanto, os três pontos relevantes para a C. Cognitiva são: se há diferença ou não entre rep.1 e rep.2? Isso é funadmental para a solução da querela entre sentencialistas e adeptos da imagética. Se há diferença marcante entre rep.3 e as outras porque a última é fundante de parte do Conexionismo, pelo menos da versão reducionista deste.

 

 

O problema da representação é portanto fundamental para o estudo da função psicológica superior do homem. Sem a acepção de mental enquanto representação não temos como mapear a relação entre "objeto do mundo" e "objeto da mente", não temos como inferir as categorias de ordenação, superordenação e subordinação do SNC, nem temos como entender os princípios de transformação de conjuntos de representações de elementos em representações de categorias.

 

 

 

IV.2. "Representação" sinônimo de "mente"

 

Como no tópico "consciência", a noção de mental enquanto representação, pelo menos no sentido 2, está profundamente impregnada de consciência e de intencionalidade. Preferi separar em tópicos diferentes as três porque há casos em que apenas uma nos é suficiente para caracterizar o processo mental em questão. Podemos, por exemplo, dizer que qualquer sistema que tenha uma arquitetura e uma função esboça alguma forma de representação. Um termostato que controla a temperatura de um ambiente dentro de um determinado intervalo possui uma representação de uma parcela do ambiente e age sobre ela. Dificilmente se adjudicaria a ele uma consciência sobre o ambiente e sobre a ação, porém há quem pense que esboça uma forma de intencionalidade acerca do ambiente do tipo "ter uma crença e uma meta" acerca dos estados possíveis de comportamento face às contingências externas. Essa visão acerca da intencionalidade me parece exagerada, embora a crítica clássica de que somente há intencionalidade onde há consciência concomitante é também excessiva. O caso do inconsciente psicanalítico é o mais poderoso argumento contrário à concepção conjunta de intencionalidade e de consciência.

Qualquer televisão que monitorize um ambiente, alarmes, etc, tem uma representação, no caso 1 e 3, de uma parcela do "real". Essa noção de representação enquanto imagem e estrutura, embora trivial nos dias de hoje, foi em tempos antigo algo de difícil reprodução, endossando parte dos argumentos dualistas de então. O aparecimento de máquinas que executam com perfeição a função de imagem-representante de padrões, particularmente os computadores digitais, tornou o problema da representação algo mais próximo do sentido 2, i.é. de uma questão de linguagem simbólica que retrata e manipula crenças, planos, intenções, metas, etc.

O problema do mental, sua modelização e o tipo de representação de que se utiliza ganharam novos contornos com o advento teórico dos trabalhos de Turing e de Church e com o resultado prático da construção dos computadores. De maneira simplificada o paradigma computacional elege uma forma abstrata de operação - o computo -, e uma linguagem formal que, através de algorítmos, pode processar qualquer problema. Tudo o que pode ser descrito explicitamente poderia ser reduzido a uma linguagem formal e computado. Penso que se pode dizer que "tudo que há" pode ser descrito explicitamente, sendo pseudo- existente aquilo que violar essa regra.

"Alonzo Chuch and Alan Turing, along with many other logicians, were interested in the question of how to minimize what has to be taken for granted in order to be able to carry out any computation. Church proposed the following conjecture: any procedure that can be described explicitly can be computed with recursive functions; Turing offered a similar conjecture framed in terms of a class of automata that have come to be known as ‘Turing machines’. It turned out that the two conjectures were equivalent because anything that can be computed with recursive functions can be computed with a Turing machine, and vice versa. The details of the computational machinery need not detain us: Turing machines are, however, the abstract ancestors of the modern digital computer. Hence, the Chuch-Turing thesis implies than any explicitly described procedure can be implemented in a computer program."

 

A Ciência Cognitiva é um campo multi-disciplinar que surge para dar conta de impasses não resolvidos pelo behaviorismo psicológico e filosófico. A noção de processo interno, intermediário, de representação mental é fundamental então no novo paradigma de explicação e de modelização da função nervosa superior ou psicológica. Cumpre notar que os behavioristas não julgavam importante o que se passava no interior da chamada "caixa-preta", bastando conhecer o que ligasse o estímulo à resposta, através de formas de reforço e condicionamento. Por que então o resgate da noção de representação interna é uma ruptura tão intensa com uma escola que não negava que existissem passos internos e intermediários entre o estímulo e a resposta? Os pontos nodais que constituem a ruptura são, a meu ver, dois: primeiro, a representação interna não é passiva e condicionada pelo estímulo e pelo reforço, desempenhando outrossim manipulação e direcionamento que nada tem que ver com o estímulo ora em curso; segundo, a representação, no sentido 2, se dá ao nível de um plano abstrato e portanto não pode ser reduzida simplesmente a qualquer conexão física, o que a torna um constructo não observável, eminentemente teórico, cuja tradução em sentenças elementares de caráter empírico é bastante complexa. Portanto o anti-behaviorismo da Ciência Cognitiva é duplo: resgata-se a noção de mental que constitui o mundo, ao contrário de ser por ele constituído, e rompe-se com necessidade de redução de todo enunciado a enunciaodos empírico-elementares. Por outro lado, para fugir do solipsismo, creio, mantém-se uma postura diante do homúnculo e do significado de inspiração behaviorista: a solução é pregmático-operatória e não essencialista.

O racionalismo do programa cognitivista é claro. O inatismo e o apriorismo são agora traduzidos em termos de direcionamento, metas, programas, memória declarativa e procedimental, etc. No caso mesmo das redes neurais a representação chamada de sub-simbólica é ainda um espaço matricial, uma transformação em termos de vetores tensoriais, de configurações quântico-informacionais, etc. A noção de representação do conhecimento, quer no modelo de Inteligência Artificial tradicional, quer no modelo Conexionista (redes neurais), assume contornos que requerem algo para além da noção de imagem. São linguagens e recortes abstratos que embasam o racionalismo constituidor da ação e da experiência possíveis.

A noção de representação, lato sensu, é portanto amplificada para que o mental seja por ela discritível. Essa noção amplificada de representação é fundamentalmente aquela que embasa a mentalinguagem que descreve a mentacognição. Dois requisitos são fundamentais para a volta à noção de representação, particularmente à forma 2:

1) As linguagens que descrevem níveis macro-sociais, psicológicos externos, campos fenomenais, sistemas neuronais, etc não parecem adequadas para explicar o comportamento das transformações internas no homem.

2) A noção de inteligência é crucial no tratamento da representação. Não se pode dizer que o termostato age inteligentemente ao seguir simplesmente uma prescrição comportamental. Nada está na sua ação sem que antes não tenha estado em seus sensores, salvo seu rígido e imutável programa de manter a temperatura em certo intervalo. Essa visão é pobre porque nosso comportamento é bem pouco ligado a regras imutáveis, tão diretivas, e bastante construido a partir da manipulação daquilo que esteve antes nos sentidos mas que é transformado pela ação da inteligência do sistema em termos de uma linguagem simbólico - representacional2.

Voltemos, no entanto, ao exemplo do termostato para que compreendamos a relação entre representação2 e função, tese que está na base da argumentação funcionalista, um dos poderosos paradigmas da C.Cognitiva.

Um termostato, embora dificilmente imputável como inteligente, se conduz da seguinte maneira: se t maior que x, então desligue; se t menor que y, então ligue. Esse tipo de condicionalidade pode ser traduzida em termos de eventos causais ao nível do aparato mecânico. Para todos os estados que representam temperatura, quando t for maior que x, então esses estados causam o estado z que corresponde ao desligamento do termostato. Pode haver, lembrando Putnam, múltiplos estados e sequências físicas que levam a z . A descrição funcional da implicações acima podem ser reunidas numa descrição funcional do termostato: sua função ou "meta" é manter a temperatura entre x e y. A relação entre os níveis de representação, i.é. nível simbólico-intencional, e o nível da causalidade mecânica são parcialmente entrecruzados como afirma a classificação ortogonal e o paradigma funcionalista. A imputação de um estado de meta a um aparato físico se faz à custa de dotar esse aparato de um "receptáculo abstrato", i.é., de um nível onde as intenções, as metas e os propósitos descrevem suas ações mecânicas. A linguagem funcional já é um ponto de classificação ortogonal, não se reduzindo por vezes ao físico-mecânico, como vimos no capítulo 2. Por que? Simplesmente porque não há um estrutura que "deseja" manter a temperatura em certos níveis. Há uma abstração nos níveis de representação que faz com que certos estados causem outros no nível mecânico, e a isso corresponda uma leitura funcional-intencional em outro nível. No caso do termostato a noção é algo forçada porque não há reestruturação inteligente de metas e de meios, nem consciência de propósitos. No caso do homem a imputação de desejos e de crenças capta, na abstração do nível representacional2, a regularidade quase-nômica de um comportamento que, se analisado sob a perspectiva da regularidade mecânica, ensejaria generalizações desinteressantes.

"In dismissing the reductive program, functionalists rely not only on the distinction between function and structure but also on a distinction between logical/meaning relations and causal relations. Psychological states, as we have seen it claimed many times, stand to one another in logical and meaningful relationships. Psychological states are representational, and changes of state are explainable in terms of rules followed for the manipulation of representations.This connection between cognitive processes, on the one hand, and symbol manipulation and rule following on the other, explains the mutual admiration of orthodox artificial intelligence research and cognitive psychology.

Beliefs, desires, goals, hopes, thoughts, intentions, expectations and so forth are mental states referred to in the explanation of behavior, and what is alleged to make them indispensable for psychology but unfanthomable by neuroscience is that they form a semantically coherent system, as opposed to a causally interconnected system. In the terminology used earlier, they have content; they are intentional. They are about things, they can be true or false of the world, and they stand to one another in logical relationships such as entailment and contradiction. The objection to a reductionist program runs as follows: psychology explanations of human behavior rely essentially on the ascription of representational states to the person and they exploit the rule-governed relationships between the contents of the states. Because mental states are identified in terms of their logical and semantical relations and because transitions between mental states are determined bey the logical relations between representations, mental states are special. Logical relations cannot be reduced to causal relations; consequently, psychology theory is autonomous and the prospect of reduction is patently hopeless... What makes this version different is that it does not deny that mental states are in causal interaction, but only that what matters for psychology explanation and for the development of a scientific cognitive psychology are the logical relations and semantic representations; in defense of this idea it claims that the categories of the psychological theory will cross-classify those of neurobiology, in the sense that the former will at best map onto and indefinitive number or arbitrarily related neurobiological categories. In this sense, the generalizations of psychology are emergent with respect to neurobiological theory"

Percebe-se nessa citação que há uma certa coincidência entre a tese do mental como representação2 e a tese do mental enquanto emergente. Creio que as coisas não são tão simples quanto pode pensar o iniciante nos textos. A noção de representação também aparece nas estratégias reducionistas do tipo redes neurais. A noção de representação sub-simbólica é aquela que, embora não seja o cálculo lógico puro, com transformações por implicação, etc, também não é simplesmente a pura causalidade mecânica. Explico: sempre que tivermos somente a causalidade mecânica num nível, deveremos ter uma linguagem de meta-nível que possa auxiliar na descrição do comportamento do sistema e outra de terceira ordem que possa falar da função do sistema. Essa tese é defendida pelos teóricos da Teoria do Raciocínio Qualitativo, ou de como "emergem"qualidades de um sistema quantitativo. Interessante notar a semelhança que há em todos esses impasses: do quantitativo ao qualitativo, do extensional ao intensional, do físico ao mental, do neurológico ao psicológico, do sintático ao semântico-pragmático, do mecânico ao intencional, da explicação à compreensão, do "cômputo ao cogito"na expressão feliz de Edgar Morin. Sem uma teoria hierarquizada das representações e das linguagens próprias de cada nível, enriquecidas pela redução de instâncias, não teremos como entender a extensão - ou a intensão - do que é o mental.

 

 

Vê-se claramente que a noção de representação está atada às noções de intencionalidade e de semântica .

A noção de representação de que se utiliza a Ciência Cognitiva, e seu uso nos modelos computacionais, que constituem o paradigma subjacente ao resgate do nívvel mental nos processos comportamentais, pode ser descrita nos três exemplos que se seguem:

1) Suponha-se que Paulo matou seu cavalo e quero entender o porquê. Eu creio que Paulo cria que seu cavalo estava com a pata quebrada. Ambos, eu e Paulo, cremos que cavalos com patas quebradas devem ser sacrificados. Logo, Paulo cria que seu cavalo estava com a pata quebrada e portanto o matou.

2) Suponha-se que um indivíduo ligue para os bombeiros e peça que se dirijam à rua "A" onde está ocorrendo um incêndio. Tentando explicar o porquê do comportamento desse indivíduo posso imaginar uma série de representações mentais em sua mente. Pode ter visto chamas saindo do prédio. Pode ter visto fumaça. Pode ter ouvido um alarme. Pode ter sentido cheiro de queimado. Todas essas percepções são insuficientes para caracterizar um comportamento, salvo se lhes adjudique o fato de que toda a vez que alguém sente ou vê x, y ou z age sob a crença de que aqueles são sinais de incêndio. A ação presume a crença de que as amostras perceptuais endossam inferencialmente o chamado.

3) Um último exemplo diz respeito a um cálculo simples executado por uma máquina de calcular. Suponha-se a operação 3 x 7 = 2l. Diante dessa sequência de estados externos da máquina investigamos seus estados internos. Para entender a relação entre estados internos e estados externos da máquina é preciso que tenhamos um esquema de interpretação de que regras de manipulação de representações estão envolvidas no programa executado. Por exemplo, devemos entender como uma operação multiplicação pode ser transformada em operações de soma. Para isso, além do exame dos estados internos da máquina, precisamos de alguns dados acerca das representações sob a forma do cálculo de predicados. Há diferentes estados internos em diferentes máquinas que subjazem à mesma operação porque a representação é constante. Pelo simples exame dos circuitos internos (no caso de calculadoras eletrônicas) e dos estados externos jamais teremos como entender a regra de transformação de estados internos em estados externos, a menos que tenhamos a intermediação das representações e de suas interpretações.

"We explain why the machine does something by referring to certain interpretations of its symbols in some intended domain. This is of course precisely what we do in describing how (and why) people do what they do."

Percebe-se portanto que explicar comportamento sem alusão a um nível representacional2-intencional intermediário é quase impossível, ou pelo menos anti-econômico. A ordem da causalidade mecânica do behaviorismo que nega a importância e o papel ativo do nível mental-intermediário deve ser substituida pela ordem da causalidade semântico-intencional das representações2 mentais. Esse seguramente é o paradigma da Ciência Cognitiva como reação à falência do behaviorismo. Resumindo: o nível intermediário é para o behaviorismo desimportante e mecânico em sua causalidade. Na Ciência Cognitiva, pelo menos nos modelos de IA tradicional, o nível intermediário reassume seu papel ativo e a causalidade que o descreve é semântico-intencional. Um behaviorista jamais aceitaria representação no sentido 2. No sentido l e 3 sim.

O nível da representação é portanto o operador semântico e a causalidade deve ser transposta para esse nível. Explico: se tivermos acesso aos estados de uma máquina, seja circuito eletrônico, seja cérebro, veremos que todas as etapas são regidas por alguma forma de causalidade mecânica. Porém, como vimos no paradigma funcionalista mesmos estados funcionais podem ser realizados por diferentes estados físicos. Logo, a ordem da causalidade mecânica classifica ortogonalmente a causalidade semântico-funcional. A sequência estímulo-resposta (S-R) dos behavioristas estaria então na ordem da causalidade mecânica e não na representativa2-semântico-funcional.

Nos três exemplos citados acima são os conteúdos das representações que explicam o comportamento, não tendo sentido tentar uma redução via identidade ou via implicação, do tipo x equivalente a y, ou " se um cavalo é morto é porque tem a perna quebrada, ou porque alguém quer evitar sua dor futura". Pode-se sempre imaginar que o cavalo está com a perna quebrada porque caiu, derrubando o filho de Paulo, e este então mata o cavalo simplesmente por raiva.

Para todos os exemplos percebe-se que a busca de qualquer relação necessária e/ou suficiente que explique a relação entre os elementos presentes, e.g.- Paulo, cavalo, raiva, etc, - é insuficiente se nos ativermos apenas aos parâmentros comportamentais externos e aos estados físicos internos. A representação é portanto intermediária entre o estímulo e a resposta. É sob certo aspecto o mental por excelência, prescindindo da consciência, porém jamais prescindindo de alguma intencionalidade.

 

Todas essas considerações acerca do papel das representações, ou do mental como representação, têm as seguintes conseqüencias:

1) Se aceitamos a noção de representação2, sem delimitar algumas de suas peculiaridades e relações com rep.1 e com rep.3, dificilmente temos como negar a defensável hipótese da autonomia da Psicologia em relação às Neurociências.

2) Se há classificação ortogonal entre as categorias de representações2 e as categorias de eventos físicos subjacentes então, ou ambas as categorias recortam tipos naturais, ou uma delas não recorta. Se ambas recortam há ciências genuinamente naturais e com leis que podem ser contraditórias entre si. Se uma não recorta, por exemplo a das representações, então as ciências especiais são não-naturais. Podemos reduzí-las sob a forma de instâncias (token) porém para reduzí-las enquanto tipos (type) precisamos eliminar o mental (materialismo eliminativo).

3) Se a tese do mental como representação2 é correta, então podemos abandonar a pesquisa em SNC, elegendo a chamada arquitetura simbólica da "linguagem do pensamento" como primeira etapa da construção do mental. Mais ainda, a noção de representação3 se tornará então absurda em relação à 2.

4) Finalmente, será que uma estratégia de tipo científico-filosófica poderia amplificar a noção de representação3, tal que a tornasse o paradigma do ser, deixando a representação2 como paradigma do sentir? I.é. a linguagem intencional seria mais um dos recortes não-naturais, econômico-adaptativos da esfera do mental enquanto sensação. 4a) Para uma redução forte (type) devemos usar a esfera do ser, da natureza e para tanto eliminar incorreções predicativas do mental, como por exemplo a noção de agente livre. 4b) Para uma co-evolução produtiva e provocativa entre a Psicologia e as Neurociências devemos usar uma redução fraca (token). 4c) Para uma teoria preditiva do comportamento do ser social e psicológico individual, basta a aferição de regularidades do sentir e das representações2, uma espécie de Psicologia de senso-comum burilada. Isso é condizente com a prática usual dos consultórios e dos enfoques compreensivos das disciplinas humanas: Sociologia, Politologia, Economia, etc.

 

Vale ressaltar portanto que a noção de representação tem, usualmente, dois significados: enquanto cópia (rep.1) e enquanto intencionalidade (rep.2). Nenhuma presume que sempre haja consciência concomitantemente.

a primeira espécie (rep.1) é fundamental em Neurociência, porque encontramos mapas topográficos no SNC que identificam símiles analógicos do mundo perceptual. Não temos a menor idéia se há mapas de seperordenação ou meta-mapas nas áreas de integração sensório-motoras e nas áreas de realização de atividades e complexas. Porém, ainda assim, essa noção de representação se mantém graças ao apelo imediato, e à sua repercussão, principalmente no estudo da imagética, área da C. Cognitiva em que se refuta a idéia de que toda representação seja sentencial.

A segunda espécie de representação, enquanto intencionalidade (rep.2), idioma itencional ou paradigma sentencial é aquela que mais fortemente endossa a explicação de fatos como os exemplificados anteriormente. O preço pago, no entanto, pela adesão a essa feição da representação é, a meu ver, a forçosa aceitação de que a relação entre o mental e o cerebral é de classificação de hierarquias ou classificação ortogonal. Desmantela-se assim o behaviorismo, mas paga-se o pesado tributo de um dualismo sub-reptício: monismo substancial com dualismo de predicados, i.é., a tese funcionalista de que os elementos de construção do mental são símbolos e manipulação lógica de símbolos, tendo relação com o nível físico apenas enquanto sinal ou instância (token).

Creio que um paradigma que privilegie a representação3, elegendo as arquiteturas Conexionistas como modelo, é mais aceitável do ponto de vista ontológico, porém é fato que do ponto de vista prático, o paradigma de representação2 parece melhor retratar o mental enquanto engano do ser e positividade do sentir.

 

 

IV.3. Representação e codificação

 

Um dos pontos mais importantes de qualquer teoria da representação diz respeito ao modo em que essa se dá, i.é., ao código que faz com que uma estrutura, o mundo, seja mapeada através de outra, a representação mental.

As representações, quando estudadas, passam necessariamente a se constituir em novas representações e assim sucessivamente. Essa versão, algo similar ao problema do homúnculo, nos faz indagar se é possível uma teoria da representação. Devemos portanto conhecer o código ou a função que mapeia a estrutura representada na estrutura representante. O conhecimento do código não apenas realoca o problema do homúnculo, pois nos permite conhecer a função que relaciona estruturas como também nos permite dissolver a estratégia dualista que situa a representação numa região ontológica (que em alguns autores até pode ser o SNC), porém sua interpretação e compreensão numa outra região ontológica - no espírito ou no mental assim entendido.

Dentro de uma perspectiva monista e utilizando a estratégia científico-filosófica, examinemos algumas facetas de possíveis instrumentos cerebrais de codificação.

 

IV.3.1. Código neuronal

 

A unidade anatômica e funcional do Sistema Nervoso Central é o neurônio, célula especializada que contém um corpo celular e remificações que os interligam uns aos outros. As ramificações se chamam dendritos e exônios. O ponto de ligação entre um neurônio e outro se chama sinapse. A passagem da informação através da rede de neurônios se faz através de impulso elétrico e, na fendasináptica, a informação elétrica é transmitida pela liberação de substâncias quimicas chamadas neurotransmissores.

Visto isso de forma sucinta, passemos a algumas considerações:

1) Acreditava-se no passado que a passagem de corrente de um neurônio à outro através da junção sináptica era do tipo tudo ou nada. Essa concepção impirou o tratamento do SNC como uma máquina digital, booleana, com apenas dois estados para sinapses: ligada ou desligada, o que propicia sua simbolização através de apenas dois valores funcionais, por exemplo 0 ou 1. (Função discreta com dois valores)

2) Hoje se sabe que a passagem de corrente é contínua (não há estado discreto) e quantitativa. Mas ainda, há inúmeros neurotransmissores no SNC e mais, há um sem-número de substâncias que, a despeito de não serem os neurotransmissores clássicos, modulam a passagem de estímulo pela sinapse (por exemplo alguns hormônios).

A representação anteriormente poderia ser encarada como um mapeamento de estados discretos tipo ou 0 ou 1. Hoje o modelo de representação deve levar em conta o caráter quantitativo da função contínua de passagem de sinal - embora pareça ser não-linear -, a modulação de outras substâncias, o caráter qualitativo do tipo de neurotransmissor, as características estruturais da sinapse em termos de aprendizado, etc.

 

IV.3.2. Neurônios especiais (neurônio da "vovó")

 

De maneira sucinta deve-se entender o que significam agnosias. Neurologicamente existem lesões que redundam em perda de capacidade de reconhecimento de certos padrões. Chamam a atenção as prosopagnosias ou distúrbios de reconhecimento de faces conhecidas. Há casos descritos em que lesões muito pequenas são seguidas de uma deficiência de reconhecimento circunscrito a uma só face. Em um caso célebre um indivíduo com uma lesão muito pequena perdeu apenas a capacidade de reconhecer o rosto de sua avó. Porisso o problema ficou conhecido como hipótese do "neurônio da vovó".

esse tipo de agnosia é fundamental, porque recoloca o problema da localização discreta de funções no SNC. Haveria unidades no cérebro responsáveis pelo reconhecimento numa relação um-para-um? Embora sedutora, por razões que endossam uma redução de tipos, essa hi[ótese padece de sérias dificuldades:

1) Como se explicaria a formação de entidades novas, de criações, de entidades teóricas? Seriam elas apenas constructos de arranjo de módulos empíricos e sensoriais, tipo unidade da "vovó"? Creio que as críticas ao projeto do "Aufbau" de CARNAP são todas pertinentes nesse caso, do ponto de vista filosófico.

2) Essas unidades estariam coagidas "a priori" a responder ao rosto da vovó ou isso dependeria de aprendizado? Como o número de unidades, embora grande, é finito, haveria número finito que descreve os reconhecimentos possíveis do sistema?

3) A noção de alfabeto primitivo sobre a qual toda representação se assenta é tentadora, mas duvido que o rosto da vovó seja um termo primitivo de um alfabeto universal da representação.

Os pontos acima mostram como a noção de representação coloca forçosamente o dilema redução/ emergência e localização/holismo.

A existência de mapas de representação topográfica no SNC e o fenômeno da "dor fantasma" mostram que existe alto grau de localização e de isomorfismo estrutural entre o representante e o representado. O que dizer, no entanto, da capacidade de representar figuras geométricas, conceitos, hipóteses, contra-factualidades, conceitos contra-intuitivos (como certos conceitos físicos - matemáticos de curvatura do espaço)? Nesses casos o localizacionismo da representação dá lugar por bom senso a uma forma de meta-representação. Porém, ainda que nos utilizemos da noção de meta- representação seria lícito perguntar: a) se as áreas que desempenham o papel da meta-representação para objetos complexos são as mesmas que são utilizadas para representações discretas? Se pensarmos no que se propõe hoje em dia, ou seja, de que existe uma combinação de áreas ou de módulos discretos configurando meta-módulos, poderiamos perguntar se o código de cada módulo, quando recrutado para servir a um meta-módulo, persiste sempre o mesmo? E sua estrutura? E o neurotransmissor típico daquele módulo? Creio que, trivialmente, responderemos que todos esses eventos não se modificam. Então a operação de meta-modulação e de meta-representação carece, fatalmente, de uma modificação ao nível da interpretação. Estamos então de volta ao problema do homúnculo, ou melhor, do meta-homúnculo!

pode-se pensar que existe um só codigo no SNC que opera em termos de intensidade de corrente e de variações dessa. O estudo de Teoria da Informação pode ser interessante nesse sentido. Porém, a questão do código deverá responder ainda questões como: se há apenas variações de padrões de corrente, qual o ganho na diferenciação de tipos de neurotransmissores? Ainda que descubramos o código, qual a exata noção de decodificação? Se imaginarmos um sistema que opera dentro de variados níveis de representação e variados modos (sentencial, imagético) a questão da decodificação deverá privilegiar essa constatação fornecendo a explicação da "semântica" de cada nível e de cada modo de representação.

 

IV.3.3. Modelos de representação e de codificação

 

IV.3.3.1. Representação digital

 

Basicamente o esquema desse tipo representação é a chamada arquitetura "von Neumann" que opera dentro de uma lógica binária de 0s e de 1s. A cada um desses valores corresponde no nível físico um estado da conexão, ligado ou desligado, possibilitando que o circuito esteja aberto ou fechado.

"The notion that architectures may be specified at different levels is best seen in digital computers. We speak of a computeras having von Neumann architecture when it has an adressable memory capable of storing both program and data, input and output devices, and symbol processing capabilities that operate serially, including operators for comparing symbol structures and branching. The specification does not say anything at all about the physical devices relaing this scheme, and as we know from the past four decades of computing, they may be of the most varied and disparate kinds."

Alguns problemas podem ser levantados quanto a esse modelo de representação:

1) Esse tipo de modelo carece de um processador central e não há nenhuma estrutura anátomo-funcional conhecida até o momento no SNC que se pareça com um processador central.

2) Além disso, esse modelo carece de que todas as representações sejam transformadas em sentenças para que, sob essa forma, sejam manipuladas. Há no entanto evidências de que nosso SNC opera ainda com pelo menos uma outra representação: a imagética.

3) Os neurônios, como vimos acima, não operam em suas conexões na forma tudo ou nada; o que torna difícil, senão impossível, aplicar-lhes um código de representação binária. O preço de se manter essa posição, I.é. representação com código binário, é a adoção de um funcionalismo tão forte que a representação acaba por se destacar do nível físico, perdendo qualquer compromisso com o "realismo neural" de seus mecanismos. Isso é o que ocorre na Inteligência Artificial tradicional, para quem tanto faz que se implemente um programa num cérebro ou num "super-micro". Intuitivamente, sem cometer os excessos de um "chauvinismo neural", parece pouco plausível que não se deva atentar para o grau de isomorfismo neural de nossos modelos mentais-computacionais.

4) No caso da representação digital, fenômenos tais como aprendizado e realocação de unidades funcionais, quando uma unidade é destruída, são de difícil explicação. Esses dois fatos são no entanto vitais no SNC: aprendizado e plasticidade.

Vemos portanto que o estudo das deficiências neurológicas do tipo afasias, agnosias, etc, nos fornece um padrão múltiplo de esquemas de representação. Desde a forma localizada, no caso de lesões vasculares puntiformes, quanto a holista, no caso de lesões generalizadas do tipo doença degenerativa. Questões atinentes a aprendizado, a re-aprendizado, a plasticidade, etc que têm a maior realidade neurológica dificilmente são reprodutíveis em termos do tipo de coação exercido pelas arquiteturas digitais e seu modo de representação2.

 

IV.3.3.2. Representação vetorial

 

Os chamados computadores processadores em-paralelo (PDP), redes neurais ou arquiteturas conexionistas operam inspirados pela forma do SNC, I.é. neurônios e conexões entre eles.

Historicamente se baseiam na noção de sinapse Hebbiana, constituíndo-se em arquiteturas que têm unidades similares a "neurônios abstratos" e junções entre elas que podem fazer passar corrente com intensidade variada. A Alteração dos valores de correntes em cada junção, bem como o fato de que a representação é sempre uma análise do estado topológico de distribuição de pesos juncionais num determinado instante, torna essas arquiteturas completamente diferentes das tradicionais.

Para redes dessa natureza cada unidade tem um peso mutável de conexão em relação às outras. A caracterização do comportamento da rede é dada por uma matriz tensorial e o vetor resultante da ativação de todas as junções num instante t é resultante de uma transformação matricial. O cálculo do vetor é função dos pesos de cada conexão e de sua localização topológica. O conhecimento não é mais depositado numa memória e a figura do processador central está ausente. Nessas redes o conhecimento é representado com um ponto num espaço vetorial. A representação é distribuída e contínua ao contrário de local e discreta.

"A further consideration differentiates our models from those inspired by the computer metaphor- that is, the constraint that all the knowledge is in the connections. From conventional programmable computers we are used to thinking of knowledge as being stored in the state of certain units of the system. In our systems we assume that only very short-term storage can occur in the states of units; long-term storage takes place in the connections among units. Indeed it is the connections- or perhaps the rules for forming them through experience-that primarily differentiate one model from another. This is a profound difference between our approach and other more conventional approaches, for it means that almost all knowledge is implicit in the structure of the device that carries out the task rather than explicit in the states of units themselves. Knowledge is not directly acessible to interpretation by some separate processor, but it is built into the processor itself and directly determines the course of processing. It is acquired through tuning of connections as these are used in processing, rather than formulated and stored as declarative facts."

A transição das operações lógico-simbólicas das arquiteturas digitais para uma concepção algébrico-topológica de representação do conhecimento nas redes neurais é fundamental. O realismo em termos de modelização do SNC é surpreendente. Pode-se perguntar como representar cada estrutura de fatos, de conceitos, numa rede desse tipo? Qualquer estrutura de relações pode ser "goedelizada", fazendo com que cada elemento tenha um número de Goedel. Isso garante uma caracterização de estrutura a ser representada. Novamente é forçoso que tenhamos, para cada estrutura "goedelizada", a interpretação do que cada conexão significa ou a que se refere. Porém, a generalização e o trabalho estrutural não carecem de representação explícita e transformação em sentenças. Os fatos e as hípóteses são tratadas através de uma álgebra topológica.

"The probability function may in general depend on the history of inputs to the system as well as outpts of the system. In practice most connectionist models involve a much simpler characterization of the environment. Typically the environment is characterized by a stable probability distribution over the set of possible input patterns independent of past inputs and past responses of the system... In this case we conceptualize the connectionist network as a contraint network in which each unit represents a hypotheses of some sort (for example, that a certain semantic feature, visual feature, or acoustic feature is present in the input) and in which each connection represents constraints among the hypotheses...The procedure whereby such a system settles into such a state is caled relaxation. We speak of the system relaxing to a solution. Thus a large class of connectionist models contains constraint satisfaction models that settle on locally optimal solutions through the process of ralaxation...In our connectionist system on the other hand, the content is directly represented in the pattern and similar patterns have similar effects-therefore generalization is an automatic property of connectionist models. It should be noted that the degree of similarity between patterns is roughly given by the inner product of the vectors representing the patterns. Thus the dimensions of generalization are given by the dimensions of the representational space...In such a case we must allow the system to learn its appropriate representation... (finalmente no que tange à resistencia ao dano local) ...Finally connectionist models are interesting candidates for cognitive-science models because of their property of graceful degradation in the face of damage and information overload. The ability of our networks to learn leads to the promise of computers that can literally learn their way around faulty components because every unit participates in the storage of many patterns and because each pattern involves many different units, the loss of a few components will degrade the stored information, but will not lose it. Similarly such memories should not be conceptualized as having a certain fixed capacity."

 

Tendo visto portanto duas arquiteturas que representam conhecimentos e padrões de modo diverso, vejamos duas modalidades de linguagem de representação: a sentencial e a imagética. Grosso modo, pode-se fazer a leitura de que a Inteligência Artificial tradicional trabalha com o oaradigma sentencial, mas isso não será, no limite, exclusivamente verdadeiro. Para efeito deste trabalho considere-se no entanto a forte identificação entre paradigma sentencial e IA tradicional. Para modelos conexionistas não há propriamente uma forma especial de linguagem estabelecida, uma vez que a interpretação do que cada conexão representa é que introduzirá o elemento da linguagem.

 

 

 

 

 

 

 

IV.3.4. Paradigma sentencial e imagética

 

De acordo com Patricia CHURCHLAND uma teoria do processamento de informação é sentencial se:

"1. Like beliefs and desires, the cognitively relevant internal states are states that have content, where the content is identified via a sentence. The identification is presumed to be possible by virtue of an isomorphism holding between the states of the person (his brain) and the relevant sentence of a set.

2. The theoretically important relations between cognitive states are characterized by means of the resource of logic. These obtain in virtue of the aforementioned isomorphism.

3. The transitions between states are a funtion of the logical relations holding between the sentences identifying the states, which in the most straighforward case will consist of inference, abductive and deductive. Again, by virtue of the isomorphism.

4. the evaluation of the cognitive virtue (rationality) of a system is a function of the extent to which is succeeds in doing what the favored theory of state transition (i.e., theory of logic) says it ideally should do."

A discussão de paradigma sentencial foge ao âmbito deste trabalho. Para ser fiel ao espírito da própria autora sigo alguns de seus mais relevantes comentários:

"Any sentencial theory needs a theory of how is that internal states have content, sine it is plainly "ad hoc" to suppose it a lucky accident that the relevant isomorphisms systematically obtain. Fodor’s theory is that sentential attitudes (alias propositional attitudes) are relational states, where onde of the relata is a sentence in the organism’s language of thought. Thus if Smith has the thought that gull’s eggs are delicious, then he stands in a certain relation to a sentence in his language of thought, namely the sentence whose English translation is ‘Gull’s eggs are delicious’. Broadly speaking, the information processing is manipulation of representations, are representations are symbols of the language of thought. Thinking is, to put it crudely, sentence-crunching, and the machine analogy underwrites the intended sense of symbol manipulation.

Within cognitive science there is a considerable loose talk about cognitive representations, where the question of the nature and status of representations is left conveniently vague. Fodor’s theory makes explicit what is an implicit commitment is sentential/representational hypotheses generally. There are, it should be enphasized, many cognitive psychologists who do not adhere to the sentential theory and who investigate cognitive capacities whilw awaiting the development of a non-sentential theory of representations."

Outras formas de representação foram postuladas,chamemos as formas não-sentenciais. A mais importante é a representação de imagens sem uma sentença que seja a descrição dessa imagem. Note-se aqui o exemplo concreto de representação1.

Um experimento clássico, entre outros tantos, que endossa o nível imagético de representações é a rotação mental de um sólido no espaço. Percebeu-se que o tempo de resposta de um indivíduo acerca de alguma pergunta que exigisse inspeccionar outras faces do sólido era dada num tempo dependente do ângulo de rotação necessário da figura. Se tivessemos um algoritmo, ou uma sentençá, que designasse aquele sólido não haveria diferença no tempo de inferência necessário para responder acerca de qualquer de suas propriedades. O tempo seria proporcional ao processamento da sentença e não de seu conteúdo intencional, nesse caso o sólido.

"Other investigations of cognitive psychologists, through not dealing with the nervous system directly, nevertheless provide further valuable insights into the nature of representations in the brain. They have been able to show that some mental processes seem to be analogical, for example that the mental rotation of an object is related to physical rotation. To show this, subjects were presented with a solid object seen from one angle and asked to find which of the two symmetrical solids in a mirror corresponded to it. The time taken to answer was found to be proportional to the angle of rotation needed to make a fit. This suggests that the solution of the problem involved some actual rotation of a process in the brain rather than an algebraic computation, the time for which would presumably not change in this way. Similar results have been obtained by asking subjects to compare the sizes of imagined objects or the lenghts of imagined trajectories. Evidently these calculations involve something that is similar to an actual physical manipulation of the object. The corollary may be that the representation of a visual object is to some extent a model isomorphic with what is represented, though it is difficult to see what this might mean in neural terms. It may be that, rather than rotating the represe4ntation, the brain applies to it some analog of rotation chosen from a kit of transformations that is available for exploring spacial relations. These suggestions of the analogical character of the brain representations may be encouraging for those who favour ‘holistic’ theories of cerebral activity. The rotations could be achieved if the ‘image’ was holografic."

Tendo então visto de maneira sucinta dois paradigmas de modos de representação - sentencial e imagética -, podemos nos perguntar qual o significado de um só modo ou de múltiplos modos de representação. De maneira direta: o preço pago é sempre maior quanto maior for o número de homúnculos intérpretes que se requeira para cada modo. A questão da representação é portanto por excelência uma dupla indagação: de um lado, quanto ao modo e ao código e, de outro lado, quanto à compreensão e à interpretação (problema do homúnculo).

Dois últimos comentários devem nortear a disputa entre três modalidades de representação, seus modelos e seus impasses.

1) A natureza faz por via complexa o que não pode fazer por via simples. Temos à disposição apenas aquilo que a seleção natural nos deu em termos de escolha. Nem sempre, ou quase nunca, é o melhor. Portanto admitir que, a despeito do realismo e da base empírica verossímeis, é melhor procurarmos soluções ontologicamente elegantes é cometer o vício do que chamo de estratégia filosófica. A estratégia científica, no entanto, por vezes comete o erro oposto, multiplicando instâncias sem atentar para a articulação metalinguística entre eles. A estratégia científico-filosófica faz o duplo papel de buscar o realismo, ou melhor, a verossimilhança estrutural e funcional do modelo, associando sofisticação empírica e precisão no tocante aos fundamentos e à metalinguagem. O paradigma sentencial e o destacamento absoluto da "linguagem do pensamento"de uma arquitetura do tipo SNC me parecem especulação excessiva. Melhos a hipótese das múltiplas representações. Melhor ainda, a meu ver, a revisão completa das noções 1 e 2 de representação com substituição pela noção 3. Mas não se iluda aquele que vê resolvido o problema. Ainda que façamos alusão à "goedelização"de estruturas ambientais, devemos dizer qual é a função que relaciona corretamente os pesos num espaço vetorial (nocaso das redes neurais) e os "fatos" a que se refere. Em todos os casos voltamos de maneiras diversas ao problema do homúnculo. Quem interpreta, por exemplo, se a relação entre um estímulo ambiental e sua representação3 no SNC está correta? Está correta simplesmente porque há uma divisão e um mapeamento quantitativos e qualitativos do SNC. Há áreas para dor, para locais de dor, para intensidades dolorosas, etc. Há neurônios que respondem ao acender ou ao apagar de uma luz, enquanto outros respondem às modulações de intensidade dessa luz enquanto acesa. O primeiro localiza qualitativamente um fato discreto: estar acesa ou não. O segundo localiza quantitativamente um fato contínuo no tempo. Deve haver,portanto, para a superação do problema do homúnculo uma forte harmonia e isomorfia a priori entre o ser e o mundo.

 

 

IV.4. Representação e homúnculo

 

No capítulo 1 deste trabalho adotei a postura de escolher a interpretação de DENNET para o problema do homúnculo . O problema do significado que me parece estar fatalmente atado a ele mereceu também a opção pela solução da "teoria em rede do significado". Voltarei brevemente a essa discussão, i.é. da relação homúnculo, significado e representação, visto que no âmbito de uma teoria da representação o problema se torna crucial.

 

1. Se há objetos externos, o acesso a eles é mediado pelos órgão sensoriais. Fazemos uma "imagem" interior deles. O confronto com o mundo externo é virtualmente impossível senão pela via descrita acima. Como podemos interpretar a representação se ela se torna para o intérprete uma nova representação e assim sucessivamente? Como então salvar a verdade de nossas representações enquanto "correspondência"? Talvez fosse melhor adotar teorias da verdade do tipo coerência? Ou uma versão radical do tipo eliminação da verdade? Ou a versão pragmática da quase-verdade? O problema do significado, o problema da verdade e do homúnculo se unem numa mesma encruzilhada. A noção de representação, útil para a Ciência Cognitiva deve fazer alusão a esses três aspectos. Cumpre portanto explicitar de que maneira está situada, a meu ver, a fundamentação epistêmica da escolha pela versão de DENNET de solução para o homúnculo e da solução "holista" para o significado.

Quanto à teoria da verdade adoto a versão pragmática. Qual a articulação dessas quatro instâncias: representação, homúnculo como estrutura de dados, teoria holista do significado e teoria pragmática da verdade? De maneira breve pode-se dizer que todas elas se dirigem para o que chamaria de "realismo científico-filosófico".

A tese do realismo científico-filosófico é mentalista no sentido de que elaboramos, tão somente, recortes do mundo, e de que o confronto com o real é uma quimera, restrita talvez a alguns casos de refutação trivial de teorias. Por outro lado, as teorias podem ser melhores ou piores no sentido de previsão, de coer6encia, de confronto com o dado científico. Podem ser pragmaticamente verdadeiras. Como existe uma instância que é a dos fatos muito simples, sentenças elementares de observação que são verdadeiras no sentido da correspondência, temos: verdade como correspondência nesse nível e verdade pragmática para as teorias que formulamos, constructos mentais acerca do real. Portanto, qualquer teoria do significado deve ser entendida en relação ao arcabouço teórico mais amplo em que ocorre, i.é. em relação a todo um conjunto de posiçõesacerca do problema da verdade, do problema do homúnculo e do problema da representação. A idéia de interpretação e de homúnculo são duas instâncias numa estrutura hierarquizada de solução de todos esses impasses, a meu ver, interrelacionados. Pode-se portanto defender um realismo mitigado, relativo, no nível das teorias, às representações, sem contudo abandonar o confronto e o teste empíricos. Idéias como verificação e falsificação se tornariam, fora desse contexto, i.é. fora da correta compreensão do Realismo pragmático, relativamente desprovidas de significado.

 

2. Voltando ao problema do homúnculo, vejamos uma colocação do problema inspirada em William James:

"Furthermore all Master Homunculos theories, materialists or spiritualists, cause themselves a deadly logical problem (James would have saved himself a lot of trouble, and not in the end been so tempted by the belief in free will if he had been fully aware of thisproblem). The raison d’etre for the Master Homunculos is the concern that the vrry idea of conscious mental life presupposes a ‘comprehender’., what James calls a ‘by-stander’, who exists in addition to the elements of the system. But if we always need a comprehender who must exist in addition to, an outside of, what is being comprehended then we have an infinite regress on our hands.

This is easy to see: suppose I assert that the Master Homunculus is located in area Omega of my left cerebral hemisphere, or alternatively that is located in my soul. I can now be asked how I comprehend or am I conscious of either of these facts. But according to the logic that gave rise to the postulation of a Master Homunculus in the first place I cannot say that I comprehend that area Omega is the seat of conscious mental life with area Omega, or that I comprehend that my conscious mental life is realized im my soul, because the is no comprehend or bystander outside the system. The infinite regress is the generated by the requirement that we need a new bystander for each higher-level act of self comprehend."

a colocação da citação acima é bastante precisa porque, a meu ver, o problema do homúnculo é o que leva a bi-partição de duas regiões ontológicas em cérebro e mente- espírito. O mental enquanto representação ainda é aceitável dentro dos limites de uma teoria materialista da mente, mas a noção de compreensão/interpretação é o que parece reclamar por uma multiplicação substancial.

A noção de homúnculo deve ser entendida como um artifício de interpretação. A função de algo depende não desse algo mas de uma relação. Posso ter tantos homúnculos quantos queira dependendo de onde situo meu homúnculo intérprete. A representação só é se for representante de um objeto representado, porém o acesso ao representado se dá por sua representação e assim até o infinito. A referência, qua objeto que endossa o significado, somente o é enquanto representação do objeto. Portanto a referência ou é uma representação objetualizada (nega-se o mundo, tornando positivo somente o domínio do mental - idealismo) ou é uma representação encarcerada no impasse do recurso ao infinito. Explico: os chamados referentes extensionais são representação e compreender-lhes o significado é impossível na mediada em que a solução realista está fadada à regressão infinita e a idealista ao solipsismo. Referentes são em última análise representações que devem ser interpretadas por algum homúnculo para que se tornam compreensíveis e referências para outros significados. A circularidade é visível. Como diz DENNET "Therefore, psychology without homunculi is impossible. But psychology with homunculi is doomed to circularity or infinite regress, so psychology is impossible."

A Psicologia não é impossível porque devemos tratar o problema do homúnculo de forma tal que atendemos para a estrutura funcional do SNC. O exemplo das estruturas de dados (data-structures) de Dennet, vista no capítulo 1, é compatível com a noção de rep.3, porque nela a noção de compreensão é pragmática e hierarquizada, i.é., compreender é agir corretamente em cada nível. Do ponto de vista filosófico devemos ter uma caracterização da função que cada interpretação, em cada nível funcional, exerce na economia do sistema. Um homúnculo intencional é fundamental para "compreender" a ação psicológica e social. Um homúnculo físico-extensional é fundamental para "explicar" os limites do mental enquanto sensação. A consciência é o ponto de inflexão entre um mundo supra-consciente (Mundo da Cultura) que carece de homúnculos intencionais, e outro infra-consciente (Mundo da Natureza) que carece de homúnculos compatíveis com a noção de representação3. Não há nada no SNC que se assemelhe a um homúnculo. Nem poderia porque os homúnculos sempre são relacionais, i.é. conectam sujeito e objeto, e relativos ao nível da compreensão. O homúnculo, em cada nível, requer um sujeito abstrato que seja a sede da interpretação adequada. O homúnculo é tão constructo quanto uma teoria no âmbito do Realismo pragmático. Variando-se a linguagem, o domínio, o nível, o recorte, varia-se, ato contínuo, a interpretação. O Realismo que defendo permite que a um só tempo vejamos parcelas diminutas do real com pequena variação de significado (nível dos enunciados elementares) e outras parcelas (nível das teorias sobre teorias ou nível da meta-cognição) com variações tão complexas que são acessíveis somente através de recortes, de aproximações, cada qual com seu homúnculo próprio. O homúnculo da Psicologia comum e da vivência consciente é um fato contingente, histórico e adulterado pela linguagem ordinária. É, dentre muitos, um homúnculo adaptativo, apto a desempenhar sua função na vida psico-social do dia-a-dia. É tolice supô-lo único, como também é impróprio procurar-lhe a sede do SNC e não tendo achado supô-lo de outra natureza substancial. Parafraseando um famoso poeta paulista que assim falava da felicidade: "Está somente onde a pomos e nós nunca a pomos onde nós estamos." O homúnculo é, junto do significado, da verdade, da referência e da representação algo relativo a uma teoria, a um recorte instrumentalmente útil para dada tarefa. A tentação essencialista de muitas escolas filosóficas é tomar o recorte por regra, a parte pelo todo, o homúnculo funcional da Cultura por homúnculo explicativo da Natureza. Ao não se atentar pelo contexto teórico dos homúnculos dualistas, incorremos numa falácia de afirmação do conseqüente: se homúnculo intencional então compreensão dualista "do tipo Psicologia de senso-comum". Como a Psicologia de senso comum mostra o dualismo logo há dualismo no nível da intencionalidade e, por conseguinte, do mental.

 

IV.5. Representação e Teoria

 

Qualquer representação apresenta enorme grau de impregnação teórica. Por teoria impregnante entendo todo o tipo de coação prévia que ordene o campo dos possíveis objetos representados ou de suas possíveis interpretações. Percepções externas ou internas, fatos conscientes ou não, todos, sem exceção, estão sob o manto dessa coação.

A noção de impregnação é paralela a outras noções aprioristas: idéias inatas, sintético a priori, categoria transcendental, ser em potência, etc. são todas coações mediatas e válidas para "toda experiência imediata possível".

O termo teoria como usado aqui procura apenas ressaltar o caráter contingente dos fenômenos biológicos com forte componente adaptativo. Nossa estrutura de representação está previamente selecionada e provisoriamente adaptada a determinadas solicitações do meio ambiente. Pode-se chamar a esse fenômeno "apriorismo ecossistêmico".

Autores como TVERSKY e KAHNEMAN mostram que a racionalidade prática pouco tem que ver com os cânones da Lógica tradicional. Pode-se dizer, com uma certa licença, que o ser desinformado é paraconsistente. Já se acusaram autores por tentar estabelecer fundamentos psicológicos para a Lógica. Igual reação advém da tentativa de se fundamentar a Psicologia de acordo com os princípios do Cálculo de Predicados ou de outras vertentes Lógico-Matemáticas. O conhecimento acerca da categorização e do aprendizado tem mostrado que não somos propriamente figuras que se comportam de acordo com a inspiração em modelos ideais, supra-sensíveis, mas ao contrário, a forma como recortamos e conceitualizamos o mundo é relativamente móvel e de contornos mal definidos. Os representantes de categorias não são todos iguais como se fossem definidos por uma só predicação. São elementos que se ordenam em espaços que variam do protótipo às áreas de superposição com outras categorias. Portanto, se a idéia de adaptação não permite um tratamento essencialista, mas relativo e contingente, também nossas representações enquanto teorias e categorizações somente podem ser móveis e contextuais.

 

A. Dois aspectos sobre o problema da visão

 

A visão é um dos processos sensoriais que mais se prestam à análise do problema da representação. O que se passa quando extraimos informação de uma série de impulsos retinianos, construindo finalmente uma imagem na consciência? Mais ainda, por que processo conseguimos corrigir informações distorcidas e novas, tipificando-as em categorias compreensíveis? Esse é o caso, por exemplo, da extração de significado de uma charge de jornal. Não são apenas figuras distorcidas, mas uma carga de significados atados à distorção da cena, que sobressaem. O modelo de extração de informação e de compreensão transcende em muito a simples reprodução icônica de um objeto. No caso da escrita somos capazes de perceber mesmas letras num sem-número de modalidades gráficas, de perceber nomes ainda que se omitam algumas de suas letras, desde que os contextos estejam compatíveis. Todos esses problemas fazem parte de uma teoria cognitiva da visão e dos processos de representação. Tomemos dois exemplos, o de MARR e o de YARBUS.

 

A1) David MARR

 

MARR em seu livro "Vision" procura construir uma teoria computacional do processo visual. Distingue três níveis básicos de qualquer teoria forjada nesses moldes, i.é. nos moldes de um modelo computacional.

a) O nível computacional de análise abstrata do problema, decompondo a tarefa em seus elementos constitutivos.

b) O nível do algoritmo, especificando o procedimento formal para realizar a tarefa através da relação entre a saída correta (output) a partir de uma dada entrada (input).

c) O nível do implemento físico ou a construção de um aparato físico que utilize de uma determinada tecnologia.

A divisão de MARR se tornou uma espécie de regra de construção de modelos, definindo claramente os limites de cada nível. Interessante que o próprio autor, a despeito de pendores iniciais pela idéia da eliminação dos níveis, abandonou-a posteriormente pela desconfiança de que significasse algo jamais realizável.

De maneira resumida aspectos da teoria de MARR e observações minhas podem ser assim descritas, omitidos os detalhes de técnico-computacionais:

i) A visão se processa em múltiplos canais que se comunicam com diversos módulos, cada qual responsável por uma função, por exemplo análise de curvatura de superfície, de limites, de jogos de tonalidade, etc.

ii) O processo se faz atráves de redes em-paralelo, o que possibilita intercâmbios e hierarquização de informação.

iii) A imagem é processada em etapas e cada etapa lança mão de dados prévios do sistema que seriam seus primitivos. Esses primitivos são formas "a priori" utilizadas na reconstrução dos objetos.

iv) Os primitivos podem ser de diferentes modalidades. MARR tentou usar uma série de cilindros como primitivos mas era muito simples. SLOMAN sugere que precisamos de um vocabulário de muitas espécies de fragmentos de cena. "He goes on to list no less than twenty-six possibles, including surface patches, concave and convex curves, corners, furrows, rods, holes, gaps, etc. Also process fragments such as folding, coming apart, entering, flowing, splashing, etc." Essas seriam as unidades constitutivas e primordiais na construção das representações visuais.

v) A noção de primitivos reabre a possibilidade de que temos análogos do real, certas peças invariantes que captam reentrâncias do mundo, permitindo sus reconstrução.

vi) A construção de uma imagem tradimensional não-variável em função da perspectiva ou da coloração ou de outros aspectos secundários envolve, para certas escolas, um contingente enorme de informação e uma memória imensa, sejam eles inatos ou adquiridos. Há coações que dirigem o processo de interpretação dos aportes perceptuais, porém a construção de uma imagem tridimensional é uma ilusão visto se dar numa superfície, salvo a reconstrução obedeça na terceira dimensão o aspecto volumétrico do cérebro (problema da estereoscopia).

vii) A operação de construção de imagem se faz através de múltiplos canai e se utiliza de processos seriais e de processamento paralelo. Podemos ter preservada uma área cerebral primária e uma deficiência em área de integração pode levar a distúrbios como dificuldade de nomear, de contextualizar, etc, o objeto. Nas áreas terciárias de integração temos o aporte de uma comparação intensa com dados prévios, com "teorias" e expectativas prévias. O que emerge no campo da consciência não é a imagem, mas um constructo laborisamente interpretado à luz de fatores mediatos.

viii) A figura do aprendizado desempenha papel importante na formação de uma rede prévia de expectativas, porém há certos componentes inatos e sintéticos, como dados quando à solidez e à superfície de objetos que podem ser demonstrado. A noção de espaço e de vazio parecem ser sintéticos "a priori". No sapo existe um programa sintético "a priori" que responde a qualquer perigo suscitando um pulo para a área de coloração verde mais próxima. Isso representa ganho em termos de dissimulação e portanto de sobrevivência.

O problema crucial da representação, no caso da representação visual, é descobrir a um só tempo a estrutura da representação, seu código e a função interpretação que a liga aos referentes, visto que referentes somente existem enquanto representações. Não é o isomorfismo elegante que se requer, é o funcional, o adaptado.

As reentr6ancias do real, i.é. os contornos daquilo que podemos nomear e categorizar, não são reentrâncias de algo que "conhecemos" a priori. São aspectos úteis de reconstrução de reconstruções. A primeira interpretação se dá na sensorialidade, a segunda na áreas de integração. A representação sofre a dupla coação da interpretação. Codificada nos terminais nervosos periféricos, deve ainda sofrer nova interpretação no SNC. Mostra-se que na seleção de estímulos já no nível periférico, por exemplo na retina, há interferência de fatores diretivos mediatos, de "teorias" prévias.

 

 

A2) YARBUS, A. L.

 

Um exemplo interessante de impregnação "teorica" ou de apriorismo nas representações é o trabalho de YARBUS. Quando olhamos para um objeto movemos os olhos com uma rapidez incrível, não consciente ou proposital, através do que se chamam "sacades" visuais. Através delas centramos pontos diversos na região foveal e para-foveal da retina, ponto de visão mais nítida, de tal sorte que há um cotejamento de informação constante entre diversos pontos do espaço visual. Por exemplo, na leitura as "sacades" orientam no sentido das palavras subseqüentes, criando expectativas semanticamente relevantes para o curso da leitura e da compreensão do texto. Nos experimentos de Yarbus há uma descrição belíssima: pede-se a um indivíduo que avalie a condição social de um indivíduo que acaba de entrar numa sala de visitas. O sujeito questionado executa então uma série de "sacades" involuntárias, por definição, antes de emitir o juízo. A consciência do demandado é de estar olhando apenas para o indivíduo objeto da questão. As "sacades" visuais centram sucessivamente na região foveal (região da retina de máxima acuidade) os objetos da sala, o indivíduo, um quadro na parede, as outras pessoas presentes. O processo nada tem de casual, sendo dirigido por um testar e comparar sucessivas hipóteses. Nas palavras de Young:

"Information or Knowledge is essential for the formation of programs for decision and action... The eye is indeed like a camera, with its lens and diaphragm. The retina is a plate of light-sensitive points, but the brain does not record an image like a photograph...little if anything is known as to how the eyes, or rather the perceiver, pieces together from successive oculomotor isomorphs (in cortical area 17), each radically different from its predecessor and sucessor, a map of immobile egocentric objects. Since that was written it has become possible to begin to see that the ‘isomorphs’ are ‘put together’ because they were not received at random but as part of a program of search for meaning, probably monitored by corollary discharge from the motor systems that are conducting the search."

Sobre o método de investigação do direcionamento das sacades, desenvolvido por YARBUS diz YOUNG:

"The saccades are found to be of very unequal lenght. They do not occur in random directions but follow the outlines of the object scanned, say a face. There must be some plan in the brain that is instructing the eyes where to go... These observations of Yarbus provide specific evidence that what is perceived is in fact determined by what is already there in the brain. It is interesting that Yarbus explains his results in subjective terms: ‘Eye movements reflect the human thought processes; so the observer`s thought may be followed to some extent from recoeds of eye movements.`... A person is of course quite unconscious of these continued small scanning movements of the eyes. This gives another important cue to the significance and limitation of consciousness... The evidence collected at each saccade is presumably somehow stored, probably not in isolation but as part of an accumulating pattern moving towards confirmation of some hypothesis... Evidence from studies of reading shows that the amplitude of saccades varies with the linguistic properties of the elements of the next part of the text, parently detected by periphereal vision. This implies that some top-down unconscious cognitive process is at work."

Os exemplos acima sugerem que deve haver uma gama enorme de informação que é extraída ativamente do ambiente por um sistema perceptual que, antes de ser passivo, testa ativamente hipóteses, consciente e inconscientemente. A resposta de algumas áreas perceptuais a padrões fixo de representação, como, por exemplo, os neurônios que respondem especificamente a linhas e a ângulos, sugere que deve haver primitivos perceptuais no SNC. Seriam "sintéticos a priori"? Difícil responder nesses termos dentro do estilo de reflexão científico-filosófica, porém é certo que a representação prévia, seja declarativa ou procedimental para a Inteligência Artificial tradicional, seja advinda da estrutura e de isomorfismo com o real para o Conexionismo/Redes Neurais, é fato bastante provável no nosso aparato cognitivo.

No próximo item procarei discutir o importante processo da extração categorial ou conceitual dos objetos da representação.

 

 

B. Categorização e representação

 

Este tópico será visto sem preocupação de varrer todas as idéias centrais à categorização. Interessa-me apenas mostrar que o problema da representação desemboca fatalmente na mais complexa de suas formas qual seja representar conceitos ou categorias, entidades abstratas que nomeiam o conjunto de representantes daquela classe.

Importante ressaltar que a visão acerca da categorização se divide hoje em dia em duas vertentes: a clássica e a natural. Na visão clássica existem critérios precisos de definibilidade, todos os indivíduos de um conjunto são igualmente representativos e a classe admite contornos precisos. Na visão naturalizada o critério de definibilidade é parco, há representantes mais legítimos do que outros (protótipos) e os contornos são imprecisos, possibilitando a existência de quase-conjuntos. Complementarmente pode-se dizer que o melhor modo para operar com a noção de conceito tradicional é a Inteligência Artificial tradicional porque temos a definição precisa. Para a visão naturalista o melhor modelo são as redes neurais, uma vez que a noção de protótipo está melhor adequada a espaços de estabilidade, onde a questão do contorno e da delimitação é mais topológica do que definicional.

Cumpre falar algo sobre as idéias de EDELMAN sobre o chamado "darwinismo". Para ele a formação de categorias, ou pelo menos de alguns grupos primitivos delas, se faria através da seleção de "grupos neuronais" que refletem a escolha entre "possíveis grupamentos". Essa visão da teoria das dinâmicas populacionais, levada ao limite dos neurônios como indivíduos numa população, presume que esses grupamentos endossam não uma definição necessária e suficiente para uma determinada classe, mas ao contrário um ponto de estabilidade para protótipos de uma classe que reconhece outros elementos através de princípios de contigüidade e de semelhança. As categorias não seriam então entidades ideais que pairam num mundo supra-sensível, mas o arranjo estável de determinadas reentrâncias dos tipos mais representativos de uma classe.

Inspirado em Wittgenstein, o autor declara que sua teoria trabalha com a noção de conjuntos polimorfos definidos disjuntivamente. Um exemplo de definição disjuntiva advém da figura abaixo. A posse de pelo menos duas das propriedades, preto ou circular, define a condição de membro do conjunto abaixo.

 

FIGURA???

 

 

A respeito dessa figura diz EDELMAN:

"The idea of polimorohous sets may be clarified by considering the contruction of Denniset al. The rule for membership in the category labeled Y is not at all transparent or evident. But it is obvious when it is stated: ‘The possession of at least two of the properties black or circular or symmetric defines membership in y’. Notice that this kind of definition disjunctively permits any m out of n possible properties (just as wittgenstein did in his discussion of games) ...From a less abstract point of view, we may briefly consider here some cognate inter4pretations derived from psychological experiments on the formation of concepts and categories. These studies lead to general conclusions that are more or less consistent with the notion of polymorfhous sets: humans do not categorize by closed lists of singly necessary and jointly sufficient conditions with fixed subordinate and superordinate relations among class members. Instead, they employ statistical or disjunctive combinations of attributes or scaled variables, or they use exemplars; in some cases, it is possible that they employ both strategies."

A teoria da Seleção de Grupos neuronais aponta na direção de um polimorfismo das definições categoriais. Não se têm mais categorias imirtáveis, mas ao contrário uma classe de possíveis neuronais que se há de selecionar pela experiência. A ordem prévia nos dá a classe dos possíveis e a experiência os escolhe e desvela. A teoria mostra claramente a relação entre representação, estrutura, a priori e aprendizado, cada um em seu topos na ordem da cognição.

propositalmente usei o termo cognição e não conhecimento porque os experimentos mostram que essa capacidade de operar categorização sob a forma de protótipos não é privilégio do homem. Outros animais também o fazem:

"An impressive body of evidence can thus be adduced to support the relative and context-driven nature of perceptual organization. Even more impressive is the evidence showing that creatures without language can also carry out perceptual generalization. Although it is a pride of human beings that their capacity to generalize is vast (largely as a result of language), Cerella (1979), Herrnstein (1982), and others have clearly shown that pigeons are capable of generalization. In figure 2.4 are patterns of oak leaves (the modal one from the white oak) that Cerella used

as stimuli in an operant conditioning experiment with pigeons.

 

 

FIGURA???

 

 

After receiving three or four rewards when faced with an image of a leaf from Quercus alba, the pigeon could generalize and distinguish patterns of oak leaves of every genus presented from patterns of all other kinds of leaves. If one is inclined to think that this finding was perhaps the result of some evolutionarily or ethologically determined ability or a hidden cue not obvious to the experimenter, the one must confront Herrnstein’s results demonstrating similar generalizing capacities of pigeons thet were presented with images of water, of female figures, of trees, and even of fish. If these data are correct, we may conclude with Herrnstein (1982) that animals lacking language can generalize on the basis of the recognition of a few visual patterns."

O autor completa fazendo um ataque à noção de representação baseada numa estrutura simbólica, típica da IA tradicional, e da noção de processador de informação, típica de uma feição de interpretação das redes neurais como representação sub-simbólica. O modo como faz o ataque parece aludir mais uma doutrina da correspondência de estruturas nervosas em relação às reentrâncias do real. O isomorfismo ou afinidade (affordance) seria compatível com a postura de GIBSON

"In some cases (Staddon 1983), associative learning may necessary for the processes that lead to generalization, but it is clearly not sufficient. Some other capability must be invoked to account for the ability to recognize novelty as well as class membership. The content-driven character of perceptual categorization and the capacity to generalize from a few learned examples together strongly challenge any logic-based or ‘information-driven’ explanation of the data. The very same object can be classified differently at different times, and an animal may use different means to classify that object at different times."

O que impressiona na visão de EDELMAN é de que a capacidade de generalizar é uma propriedade prévia do sistema nervoso embora os conteúdos submetidos à generalização não o sejam. A lógica que ordena o processo de categorização não é aquela obediente a padrões de simplicidade e de elegância mas aquela condizente com a adaptação do SNC ao meio.

"When we consider the world, there is no given semantic order: an animal must not only identify and classify things but also decide what to do in the absence of prior detailed descriptive programs, with the exception, of course, of certain fixed programs handed down by evolution. This point deserves enphasis, because it is central to all other considerations: is some sense the problem of perception is initially a problem of taxonomy in which the individual animal must ‘classify’ the things of its world. Whatever solutions to this problem are adapted by an individual organism, they must be framed within that organism’s ecological niche and for its own adaptative advantage. In other words, the internal taxonomy of perception is adaptative, but not necessarily veridical in the sense that it is concordant with the descriptions of physics.

From the standpoint of the adapting organism, the categorization of things is relative and depends upon cues, context and salience. Categories are not immutable but depend upon the present state of the organism, which in turns is a function of memory and behavioral ‘set’. At the macroscopic level, such categories are not general in the sense that a quantum description of particles is general. Animal can nonetheless generalize, that is, an individual organism can encounter a few instances of a category under learning conditions and then recognize a very great number of related but novel instances. This ability of individuals in a species to categorize novel objects in classes is a stunning reflection of what might be called the idiosyncratic (i.e., self adaptative) generalizing power of neural networks."

A idéia de que a taxonomia da percepção é adaptativa, mas não necessariamente verídica, nos remete a duas classes de considerações: primeiro, não será essa a razão da classificação ortogonal entre muitas das categorias do mental e aquelas da física? Porém, em segundo plano podemos nos perguntar se diante desses fatos cabe manter uma noção de verdade enquanto correspondência ou se devemos substituí-la por uma noção de verdade pragmática intensamente impregnadas pelos fatores ambientais que forjaram a nossa cosmovisão biologicamente adaptada? Se a linguagem pode passar ao largo de muitos processos de categorização, e se muitos deles provêm da adaptação e da circunstância, teria sentido ainda falar de realismo? Ao nível da percepção pura e da categorização superviniente temos recortes úteis. Por que seriam as teorias diferentes?

EDELMAN dá exemplos belíssimos de como a linguagem age de outro modo guiando nessa interpretação de certas imagens. Foge dos limites desse trabalho mencionar toda a riqueza do livro. registre-se no entanto que sua obra alcançou, merecidamente, o prêmio Nobel de Medicina.

Para o autor, parece-me, poder-se dizer que não há a realidade, mas um recorte dessa entre os possíveis ofertados que melhor adapta o indivíduo ao meio. Há empirismo na medida em que é o meio que age sobre as populações neuronais selecionado aquelas mais aptas para a "representação" e para a extração categorial. Há racionalismo ou apriorismo na medida em que os sistema já contém uma classe de possíveis prévios selecionados para a tarefa de sofrer a segunda seleção ambiental. Poder-se-ia dizer que há seleção filogenética (a primeira do tipo de SNC da espécie) e seleção ontogenética ( a segunda das populações neuronais do indivíduo). Teorias nesse sentido poderiam ser entendidas como recortes adaptativos, pelo menos no que tange à idéia de realidade e de verdade das próprias.

 

 

C. Imagens e causação mental

 

Pretendo de forma sucinta sugerir algumas idéias sobre a relação entre representação2 mental e ação. Há uma gama enorme de dados psicológicos e psicopatológicos que chamam à atenção para a relação entre representação e comportamento. Chamo de causação mental pois há autores que diferenciam a causa mental da causa física, pelo menos em sua forma mecânica.

"A third feature to notice about such states is that sometimes they cause things to happen. For example, if I want to go to the movies, and I do go to the movies, normally my desire will cause the very event that it represents, my going to the movies. In such cases there is an internal connection betwwen the cause and the effect, because the cause is a representation of the very state of affairs that it causes. The cause both represents and brings about the effect. I call such kinds of cause and effect relations, cases of ‘intentional causation’ Intentional causation as we will see, will prove crucial both to the structure and to the explanation of human action. It is in various ways quite different from standard textbook accounts of causation, where for example one billiard ball hits another billiard ball, and causes it to move. For our purposes the essential thing about intentional causation is that in the cases we will be considering the mind brings about the very state of affairs that it has being thinking about."

O sistema nervoso central opera recortando previamente o real quer como fruto de sua história filogenética, quer como fruto de sua história ontogenética. As representações estão fortemente impregnadas de conteúdos expectacionais que obedecem à lógica da adaptação e não à lógica da verdade escrita. A idéia de uma plasticidade adaptativa e contingente fere profundamente os preceitos de universalidade e de necessidade. A universalidade deve ser substituida pela classe das regularidades contingentes.

1. Um indivíduo sob certas condições - comissurotomia, projeção de imagens no hemisfério direito, etc -, ao se deparar com fatos desconexos tenta agrupá-los seguindo uma certa ordem. A noção de ordem é fundamental e estabilizadora na espécie. Esse é possivelmente o fato que subjaz à dificuldade de mudanças de paradigmas de que fala Thomas KUHN. Poderíamos no entanto nos perguntar se há uma forma ou um conteúdo prévios nas nossas expectativas e intuições ou se todos são mediados pelo aprendizado e pela experiência? As teorias de senso-comum, como a teoria aristotélica do movimento ou a teoria do ímpeto, tendem a ser melhor aceitas e mais facilmente intuíveis por pessoas que não tiveram contacto com as explicações posteriores da mecânica newtoniana e galileana. A intuição, seja inata ou adquirida através da experiência, representa uma gama de informação não totalmente descritível pelo sujeito da ação. Tome-se, por exemplo, o conhecimento de um pescador acerca das mudanças climáticas. Sem qualquer noção de meteorologia, organiza seu campo intuitivo de acordo com a experiência passada e com o saber transmitido pela tradição oral. Opera com pouca ou nenhuma consciência das sentenças relevantes que organizam seu conhecimento de senso-comum, acertando previsões com uma regularidade condizente com suas expectativas. Essa noção de intuição nos sugere o campo extra-consciente em que representações delimitam com sensível precisão o campo das ações eficazes. O mental enquanto representação versa sobre imagens, sentenças, estruturas, funções e contextos mas também sofre uma intensa influência das informações ordenadas e latentes que dirigem a Psicologia e o conhecimento de senso-comum. Eis um interessante paradoxo: a intuição opera com categorias não-naturais e com concatenações bizarras ao nível do senso-comum porém faz obter um grau de eficácia local compatível com as expectativas. Poderíamos dizer que a noção de verdade pragmática torna essas representações quase-verdadeiras no domínio em que se aplicam. No limite, qual seria o domínio em que as verdades deixariam de ser pragmaticamente verdadeiras? Creio que, no limite, em nenhum.

 

 

 

2. Uma segunda ordem de considerações diz respeito à relação entre a representação onírica e o real. Ao contrário de Descartes, que admite a hipótese de que o sonho pode enganar quanto ao real, em Freud é justamente o sonho que traz, de forma cifrada, a realidade reprimida pela coação sultural. Os sonhos então não seriam apenas imagens-cópia do real-individual, mas sim imagens semanticamente qualificadas a desnudar contextos reprimidos. A imagem não é aqui apenas representante do objeto, mas de conotações amplas e contingentes do mesmo.Novamente aqui devemos indagar acerca de propriedades de certas doutrinas que defendem a realidade das teorias. O real, aqui, é selecionado e recortado três vezes: filogeneticamente, ontogeneticamente no sentido objetivo e inconscientemente no sentido subjetivo. Será que nosso aparato teórico quando se debruça sobre a própria cognição não deve considerar esses três recortes. Haveria então representação fiel do real? Creio que não.

 

 

 

3. O campo das patologias da representação é vasto. Citaria pacientes psicóticos que por alteração direta do SNC apresentam delírios (falsas representações de relação entre fatos, o pensamento aqui incluso como forma de representação), alucinações sensoriais, etc.

O estudo da patologia nos dá uma evidência indireta quanto ao problema da primazia da representação sobre o objeto. Mesmo quando ausente na realidade podemos concebê-lo pela imaginação, tomando-o por real no limite do solipsismo patológico. Para certas escolas de pensamento o psicótico seria apenas alguém que levou ao limite a noção de idealismo. Porém, como fugir dos efeitos colaterais da tese que vê teorias como instrumentos úteis: ausência de critérios de decidibilidade acerca do bom e do mau conhecimento, sem cair num realismo que pretende aquilo que negamos, i.é. a objetividade do mundo?

 

 

 

 

4. No teste de Rorschach apresenta-se um borrão para uma pessoa e pede-se que descreva o que vê. Surpreendem-se enormes regularidades entre os tipos de representação e tipos de caráter, humor, etc. Um mesmo objeto pode ser interpretado de várias formas e isso nos dá conta das estrutura interna dos afetos, humores, propensões que são afinal grandes direcionadores de nossa atenção, motivação e compreensão do mundo. Há quem pudesse tentar descontextualizar, desafetizar, retirar expectativas, etc, dos objetos do conhecimento. Se isso é factível para uma série de domínios, e.g. Física, Química, parece ser erro grosseiro para a cognição. Erro que norteia a pesquisa em Ciência Cognitiva atualmente e que acabará por perverter toda a gama de achados. Nossa organização cognitiva se faz preferencialmente do alto para baixo, do semântico-pragmático para o sintático, do contingente para o necessário. Não é isso afinal que diz a teoria da evolução: o acaso opera a variedade e a seleção opera a adaptação? Também na teoria de EDELMAN vemos que o meio opera sobre os possíveis e, tendo selecionado alguns entre eles, fundamenta a regularidade e a categorização. Ou em Jacques MONOD, leitor do materialismo antigo: o acaso precede a necessidade. Ou nas redes neurais: a forma a priori e os pesos a posteriori determinam os atratores da rede.

 

 

5. Tendo passado rapidamente pelos tópicos acima deixaria apenas uma questão sugerida: será que ao contrário das ciências normais não há armadilhas no estudo científico da cognição que a tornam quase inatingível quer do ponto de vista filosófico, quer do ponto de vista neuropsicológico? A noção de representação enquanto recorte triplamente mediado e selecionado é compatível com uma visão legiforme dos processos cognitivos? Creio que sim, mas há que se rever a noção de representação e a natureza do conhecimento quando seu objeto é o próprio órgão do conhecimento - o mental.

 

CONCLUSÃO

 

 

 

 

 

 

 

Va, pensiero, sull’ali dorate;

Va ti posa sui clivi, sui colli,

Ove olezzano libere e molli

L’aure dolci del suolo natal!

 

Del Giordano le rive saluta,

De Sionne le torre atterrate...

Oh mia patria si bella e perduta!

O membranza si cara e fatal!

 

Arpa d’or dei fatidici vati,

Perche muta dal salice pendi?

Le memorie nel petto raccendi,

Ci favella del tempo che fu!

 

O simile di Solima ai fati

Traggi um suono di crudo lamento

O t’ispiri il Signore un concento

Che ne infonda al partire virtu!

 

 

Esse trabalho se completa com o exame de três outras propriedades do mental: intencionalidade, imaterialidade e subjetividade. Lanç ainda uma revisão do paradigma de pesquisa em Ciência Cognitiva de Howard Gardner.

Gardner propõe que as cinco características essenciais da Ciência Cognitiva são: l) ênfase do nível das representações mentais; 2) modelização em computadores, 3) desconhecimento provisório de aspectos ligados a afetos, contexto, cultura e história; 4) crença nos estudos interdisciplinares e 5) ênfase nos problemas filosóficos clássicos.

 

Creio que uma série de evidências nos têm mostrado que há alguns enganos nesse enfoque. Primeiramente, o direcionamento de nossos comportamentos parece ser muito mais governado por fatores pragmático-semânticos que pela manipulação sintática descontextualizada da informação.Segundo, para que sejamos coerentes, o mental significa, à luz desse trabalho, um engano adaptativo e uma complexa manipulação de sentir e de ser. Portanto devemos considerá-lo adaptativo, não porque representação sentencial, mas porque estrutura moldada isomorficamente a uma realidade circundante. Se o Sistema Nervoso Central é isomórfico em relação ao mundo físico o mental é isomórfico em relação ao mundo da linguagem, da cultura, do contexto e da história. Esquecer disso significa modelizar funções particulares que jamais se integrarão num todo compatível com a pretensão do nome "Ciência Cognitiva".

 

Proponho então que os critérios diretivos de um cognitivismo profícuo se assentem sobre as seguintes bases:

 

l. Uso de uma estratégia científico-filosófica (Realismo pragmático e epistemologia naturalizada à Quine).

 

2. Multidisplinaridade com inclusão inquestionável das Neurociências.

 

3. Busca de modelos formais (matemáticos, informacionais, físicos, etc.)

 

4. Exame e clarificação contínua no seio do programa cognitivista das seguintes dicotomias: Informação/processamento de informação; sintaxe/semântica; explicação/compreensão; redução/emergência; Psicologia do indivíduo/Psicologia da espécie; a priori/a posteriori; inato/adquirido; imanente/transcendente; ser em potência/ser em ato; analítico/sintético; referência/tradução; forma/conteúdo; estrutura/função; subjetivo/objetivo; cultural/natural; intensional/extensional; intencional/físico e finalmente mente/corpo ou mente/cérebro ou Psicologia/Neurociência.

 

5. E como ponto essencial, exame da filogênese, ontogênese, funções e invariâncias da consciência, ponto de inflexão de todas as dicotomias e sustentáculo de diferentes formulações no dualismo. Deve-se procurar, portanto, uma solução monista-reducionista para a consciência e, em não se obtendo sucesso, apontar a exata razão da irredutibilidade, caracterizando ambos os paradigmas, redução e emergência, com termos claros e correta explicitação de que uso se está fazendo deles.

 

 

A situação é portanto paradoxal. De um lado as ciências que lidam com a interação mente/corpo necessitam de um paradigma claro para poderem avançar. Por outro lado, se estou certo em minha tese, há um "desinteresse natural e adaptativo"em explicar deterministicamente o comportamento humano. O dualismo perpetua a ignorância científica mas sustenta a "unicidade do espírito humano".

Seria então interessante eliminar o mental ou desmascará-lo como engano das sensações? Certamente não.

 

No enterro de Giuseppe Verdi o povo cantava o coro "Va pensiero" da ópera Nabuco. Nessa obra é contada a história do povo judeu que, escravizado pela dominação de Nabucodonosor, rei da Babilônia, sonha com a terra prometida, chorando sua saudade de Sião.

Na Itália ainda dividida e dominada pela Áustria, Verdi significava um heroi e um chamado de identificação libertária. O povo gritava seu nome mas havia uma alusão à figura do rei que instauraria a monarquia una: Vittorio Emanuele Re d’Italia. O canto do coro e o grito do nome do compositor eram um clamor por liberdade. Abandonar a positividade prática dessa "liberdade" seria aprisionar no domínio do objetivo aquilo que existe como engano das sensações, mas que é a força motriz da grandeza e da dignidade humana.

 

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