Ciência Cognitiva e o novo ensino

Henrique Schützer Del Nero (IEA-USP)

Há aproximadamente 50 anos lançavam-se em seminário nos Estados Unidos as bases de uma nova ciência da mente - a Ciência Cognitiva. Constituída da congregação de outras disciplinas - Psicologia, Neurociências, Lingüística, Filosofia e Inteligência Artificial - a nova ciência nascia dos primeiros programas de computador capazes de exibir raciocínio e inteligência.

Neste Brasil sempre atento ao que há de mais moderno em matéria de carros importados e roupa de griffe, a Ciência Cognitiva demorou até 1990 para começar a inserir-se em nosso meio. Em documento da década de 80 a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos aponta a nova ciência como um dos meios para fazer o país readquirir a liderança mundial em matéria de n D¡veis de educação, dado o fato de os escores educacionais americanos sofrerem já há muito tempo pesadas perdas para outros países.

Estudar a mente humana significa visitar a ciência cerebral, base de todo o processamento psíquico, e também a dinâmica de formação dos símbolos, linguagem, aprendizado, pensamento, memória, concentração, inteligência, inventividade e disfunção.

Embora ligeiramente simplificada, a tese central da primeira grande corrente cognitivista é de que o cérebro está para o hardware do computador assim como a mente está para o software. A linguagem seria nessa situação o resultado de disposições inatas específicas do cérebro humano e de disposições arbitrárias calcadas na história cultural da raça humana. Essa linguagem funcionaria como o modem de um computador, conectando-o a outros computadores e carregando consigo um misto de mecanismo físico e de convenção entre os interlocutores (o modem precisa ser programado com uma série de protocolos arbitrários para que possa funcionar).

O reflexo da Ciência Cognitiva na educação é clarísssimo: uma vez que se está estudando o mecanismo de como cérebros produzem pensamento, aprendem, memorizam, executam funções de pesquisa em bases de dados, etc. há uma inequívoca conjunção de afinidades entre esse tipo de pesquisa e uma nova Pedagogia de base empírica e naturalista, fortemente calcada no processo de desenvolvimento do sistema nervoso central.

Dentre os avanços imediatos que se podem esperar da reunião da nova visão da mente estão:

a) primeiramente, a solidificação da idéia de uma base cerebral para a forja da mente, purgando a Pedagogia de qualquer ranço voluntarista não-científico que pretende ver na criatividade humana, bastante grande, algo ilimitado e parente de concepções ilusórias;

b) em segundo lugar, decorrendo estritamente da primeira, a percepção clara de que há um potencial enorme de desvio na mente humana e que os remédios não podem ser apenas repreensão ou apoio humanista, carecendo de formação e treinamento de professores e orientadores habilitados a detectar inúmeros distúrbios que variam de problemas de atenção a quadros ansiosos;

c) o correto encaminhamento do papel das drogas na geração atual, alertando os alunos e os pais para o risco absoluto de ruptura do bom funcionamento cerebral, sepultando de vez visões ignorantes acerca do pouco mal que possam fazer as chamadas drogas leves;

d) o encaminhamento de novas técnicas de aprendizado calcadas no uso de novas mídias (computadores, CD-ROM, Internet, intranets, sistemas especialistas e linguagem de programação), sem que se perca de vista a necessidade de formação de uma teia conceitual rica, condição sine qua non para o bom uso de tanta informação que, sem direção e orientação sistemática, torna-se apenas uma vitrine histérica de pseudomodernidade;

e) a alocação social e política da escola como base do processo de construção da cidadania, da responsabilidade e do ethos social.

A escola de amanhã deve resgatar a condição de alavanca primeira da formação do cidadão, não havendo possibilidade de soerguê-la com o status atual dos professores, particularmente nos níveis mais básicos.

Qualquer ciência da mente é sempre um misto de Biologia e Sociologia, afinal as mente surgiram para a reunião solidária e fraterna em sociedades fortes e não como apanágio de sucesso pessoal desenfreado. Cumpre portanto, à luz da Biologia evolucionista, alertar, não com ares de pregação, mas com o estrito rigor científico, que o individualismo e o lucro fácil que se pregam hoje em dia são absolutamente incompatíveis com a construção de uma sociedade justa e prF3¢spera.

Antes de qualquer alegoria ou força de expressão é preciso devolver ao estudo e à cultura a função sagrada de descoberta e alegria. Sem o espírito de curiosidade infantil, de êxtase perante o conhecimento e de responsabilidade social que quem estuda tem com o semelhante pobre que mingua nas ruas, não haverá escola do amanhã, porque a própria sociedade de hoje se desgarçará na sua teimosia de busca de otimização de processos, não importando quantos "inempregáveis" sobrem como esqueletos a adornar a estrada do "progresso".

Henrique Schützer Del Nero é coordenador do grupo de Ciência Cognitiva do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo desde sua criação em 1990. Médico psiquiatra (USP), bacharel e mestre em Filosofia (USP), conclui no momento sua tese de doutorado em Engenharia Eletrônica pela Escola Politécnica da USP onde desenvolve trabalho sobre circuitos cerebrais. É colaborador do Anglo Vestibulares para a área psicopedagógica, auxiliando os alunos na detecção precoce de distúrbios ansiosos. Autor de diversos trabalhos científicos no Brasil e no exterior e do livro O Sítio da Mente: pensamento, emoção e vontade no cérebro humano. Ed. Collegium Cognitio (tel: 011-211.4005).