O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO

Dr. Henrique Schützer Del Nero

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Você consome tudo que é bom. Não aceita modelo ultrapassado de caneta, camisinha e computador. Micro-ondas, nem pensar, já que os atuais douram a comida. Escola...ah! essa tem de ser daquelas informatizadas, com pouca gente na sala. O carro, aquele de friso envolvente, opaco, retrátil, cor de burro quando foge. É a última tendência.

Brincadeira a parte, claro que se alguém lhe disser que você está doente e que há dois remédios, um antigo e já meio ultrapassado e outro novo e que corrigiu os erros do anterior, você certamente haverá de preferir o segundo.

Este livro se dirige a todas as pessoa que escolhem o melhor e o mais moderno para suas vidas, mas que ainda não têm a menor idéia do que se passa em termos de atividade mental e de sua relação com o cérebro neste final de século. Essas pessoas deverão estar preparadas para uma rápida peregrinação informativa. Ao final, espero, deixarão de se comportar tal estivessem na Idade Média. Isso é fundamental se se quiser atingir um equilíbrio fundamental para enfrentar toda a sorte de desafios da vida.

Este livro divide-se em três grandes blocos. A lógica dessa divisão advém de uma figura que me ocorreu há alguns anos atrás durante minhas inúmeras tentativas de explicar a relação entre o cérebro e a mente para pacientes e alunos.

Imagine que se está olhando uma pessoa. O que se vê é um conjunto de elementos e de atos. Vêem-se um corpo, uma roupa e uma atitude que pode ser verbal ou não.

O indivíduo em questão pode estar fazendo mímica, gesticulando, falando alto, dizendo coisas absurdas, vestido de preto. Pode ainda estar vestindo branco, em posição de oração, falando baixo em tom de lamúria.

Esse corpo, essa roupa e essa atitude que você vê diante dos seus olhos é uma pessoa. Lá dentro de sua cabeça, você supõe, há uma mente, um palco privado de representação onde se passam pensamentos, vontades, sonhos, memórias e sentimentos.

Você não vê a mente do outro, bem como o outro não vê a sua. O que há é um raciocínio do tipo: se eu e ele somos mais ou menos iguais, humanos, deve haver uma palco interno por trás desse corpo, dessa roupa e desse gesto. No outro suponho que a mente está por trás desses elementos. Em mim sei que há um palco anterior a todo corpo, toda roupa e todo gesto.

Tente agora fazer um raciocínio simples: quem melhor conhece seu rosto? Sua mãe ou você? Claro que sua mãe, que fica todo dia olhando para você. Você, ao contrário, conhece melhor os segredos do seu palco mental, suas estratégias para conseguir, dentro de dois meses, um aumento de mesada ou de salário.

A pessoa humana é, assim, constituída de uma reunião desse corpo, dessa roupa, desse gesto e desse palco interno que se chama mente. Cada um de nós olha para o outro com uma ligeira vantagem do ponto de vista mental (sabe o que está pensando) e com uma ligeira desvantagem do ponto de vista corporal (não sabe se há um furo na calça numa posição pouco visível).

Se quisermos, então, pensar numa figura que descreva intuitivamente os elementos que constituem a pessoa poderemos usar o seguinte exemplo:

Imagine um carro. Temos um motor e uma suspensão. Temos uma carroceria que recobre isso tudo, bem como todos os detalhes de acabamento. Finalmente temos um motorista que conduz esse carro.

Olhando de fora há um conjunto de motor + suspensão + carroceria + motorista.

O motor e a suspensão são o cérebro. O motorista é a mente. A carroceria é a personalidade.

Cada um dos três se relaciona de maneira fantasticamente interessante. Do lado de fora não há muito como distinguir certos fatos de motor e de condução. Do lado de dentro, desde que suficientemente explicado, é perfeitamente possível distinguir um do outro.

Se o motor começa a ferver não cabe mudar de motorista nem mandar lavar a carroceria. A água que lava a carcaça precisa ir para o radiador. Nem se o motorista dirige com imprudência cabe trocar a cor da capota. Nem se há um barulho na roda cabe mandar os gordos sairem do banco de trás.

Se os exemplos parecem ridículos, acreditem, é exatamente o que se faz com a mente humana quando desregula. Em lugar de atentar para o fato de que problemas de motor merecem certos tipos de solução, problemas de motorista, outros, etc. confundem-se grotescamente as soluções.

O motorista não precisa saber nada de mecânica para saber que há desregulagem. A natureza sabiamente colocou uma série de luzes no painel que advertem quando há problema de suspensão ou de motor.

Acende-se uma delas: insônia. Outra, choro fácil. Outra, perda de concentração. Outra, perda de interesse e apetite aumentado. Imediatamente o que faz a maioria dos motoristas ( e também seus chefes de equipe, professores, pais, amigos, conselheiros)? "Dê uma porrada no painel", diz o mais truculento. "Lave o carro com shampoo de centeio" retruca o naturalista. "Que tal uma benção nesse carro, vai fazer uma viagem longa" diz o crédulo. "Frescura" retruca o prático "antigamente não tinha tanta luz no painel e não se prestava atenção nessas besteiras". "Também, meu filho, eu disse que você não devia guiar sem casaco. Faz frio na rua e por isso está falhando o motor" diz a mãe zelosa.

Os exemplos parecem bizarros, grotescos. Pode ter certeza de que há inúmeros deles que são dados todos os dias diante de qualquer mínima desregulagem mental, do tipo de uma ansiedade ou depressão, e que levam muita gente a perder tempo, dinheiro e, às vezes, o que é triste, até a felicidade, para não dizer a vida.

Claro que de vez em quando o problema é com o motorista que, bêbado e com um olho de vidro, insiste em sua perfeita condição para seguir viagem. Nesse caso cabe uma substituição de motorista e não uma solução do tipo: tire os pneus que ele não poderá andar muito rápido.

Outras vezes é a moda que atrapalha. A última tendência é carro baixo, a 2 cm do chão, cores cintilantes, estofamento de veludo branco, rodas cromadas. Detalhe: esse carro precisa enfrentar diariamente uma estrada de terra para transportar frangos de uma granja até o ponto de venda.

Parece ridículo: pois é o que se está fazendo em muitos lugares quando se adota um estilo de vida incompatível com as necessidades de cada momento. O jovem que sai toda noite indo para os bares e depois quer se sair bem nos estudos; o executivo que vive fazendo contatos e esquece de se atualizar; a mulher que vive na butique e no cabelereiro e esquece de dar uma olhadinha nas manchetes do jornal; o marido que se queixa da falta de empenho do filho nos estudos, embora não abra um livro há 20 anos ("já passou minha fase" diz com orgulho); o professor que enérgico cobra tudo sem ter a suficiente ponderação de se perguntar se seria capaz de fazer o que exige dos outros e se tem certeza de que é pedagogia o que usa ou simples recalque.

Nesse sentido, discutir o tão desejado equilíbrio, necessário para enfrentar uma vida difícil e cheia de armadilhas, significa visitar três grandes pólos: o motor/suspensão, o motorista e a carroceria. Ou então, voltando ao ser humano, cumpre discutir o cérebro, a mente e a personalidade.

CÉREBRO

Neurônios e sinapses

Toda separação é um pouco arbitrária e didática. Motores variam bastante, bem como suspensões. O cérebro humano é um motor, selecionado durante milhares de anos, que equipa nossa espécie.

Embora muitos animais tenham cérebro e alguns insistam em afirmar que seus cachorros têm sentimentos (o que é verdade), a complexidade que nos interessa aqui é a de um tipo peculiar de motor chamado cérebro humano.

Esse motor/suspensão é constituído de partes que formam uma estrutura. A mais fundamental das partes é o neurônio ou célula nervosa.

O neurônio é uma célula especial que recebe, integra e transmite informação dentro do cérebro de cada um de nós.

Recebe informação através de seus braços chamados dendritos, integra no corpo celular e manda a informação para frente através do axônio. (fig.1)

(fig.1: o neurônio, constituído por dendritos, corpo celular e axônio)

Essa informação que transita pelo neurônio não é constituída de imagens, palavras ou sensações. Quem pensa que o que está alí andando pelo neurônio é uma imagem ou uma palavra, pode ir mudando de idéia. Da mesma forma que somente em desenho animado uma pessoa corre pela linha telefônica até o outro ponto, às vezes saíndo de dentro do aparelho para enforcar o outro, também o neurônio funciona como a linha telefônica. Por ele transitam apenas correntes elétricas.

Imagine que de um lado do neurônio tenho uma pessoa e de outro lado, outra. O neurônio seria, assim, como uma conexão telefônica entre as duas. (fig.2)

(fig.2 Comunicação entre duas pessoas através de um neurônio que funciona como codificador/transmissor/decodificador)

Como nenhum de vocês supõe que são palavras que transitam pela linha telefônica, o neurônio é a um só tempo um conjunto de aparelhos que codifica a mensagem, transmite e decodifica do outro lado da linha.

O que trafega pelo neurônio é informação codificada sob a forma de corrente elétrica.

O processo se dá da seguinte forma: Pedro cutuca cada um dos dendritos provocando em cada um deles uma corrente elétrica. Essas correntes caminham até o corpo celular. Alí se fundem gerando uma corrente chamada potencial de ação que acaba de levar a mensagem através do axônio até Maria.

Quer dizer, a mecânica de funcionamento de cada parte do cérebro é a passagem de informação codificada sob a forma de corrente elétrica pelo neurônio.

Porém, não há apenas um neurônio que faz a intermediação entre a mensagem gerada por Pedro e a mensagem recebida por Maria. Há muitos neurônios.

Pois bem, como é que se dá a comunicação entre um neurônio e outro? Através de uma junção chamada sinapse é que a informação é transferida de um neurônio para outro (fig.3).

(fig.3 SINAPSE: junção entre um neurônio e outro. Mais freqüentemente entre axônio do primeiro e dendrito do segundo)

Essa conexão (sinapse) é um ponto crítico em que a corrente elétrica que trafegava pelo neurônio 1 deve ser corretamente transmitida para o neurônio 2.

O aspecto crítico se deve ao fato de que, como a sinapse é um buraco, a corrente elétrica do neurônio 1 deverá conseguir um transportador, uma ponte, que a leve até o neurônio 2.

Isso se faz à custa de substâncias chamadas neurotransmissores que estão no final do axônio de cada neurônio.

Quando a corrente chega ao final do neurônio 1 estimula a liberação de neurotransmissores que são substâncias químicas, indo se ligar a receptores no neurônio 2 que são como que fechaduras (receptores) onde as chaves (neurotransmissores) se encaixam.(fig.4)

(Fig.4 Mecanismo de passagem de informação de um neurônio para outro através da fenda sináptica com auxílio de neurotransmissores)

A sinapse é, assim, a junção entre dois neurônios no cérebro. Há 10 bilhões de neurônios no cérebro humano. Há 100 trilhões de conexões sinápticas entre esses neurônios. Imagine o tamanho da comunicação que está se operando neste instante em tantas linhas de codificação/ comunicação /decodificação entre Pedros e Marias!

Entender o cérebro humano não requer muito mais que o que foi dito. De maneira geral é um sistema que codifica informação, transformando-a em corrente elétrica e a transmite para os diversos departamentos onde deverá ser calculada, "pensada", etc para que no final a decodificação preserve a comunicação e mais, para que insira nessa comunicação os elementos chamados de pensamento, raciocínio, vontade, memória, sentimento, etc.

Se você entendeu o exemplo acima está apto para entender uma coisa um pouco mais complicada. O que foi dito acima é que os neurônios seriam apenas um meio de passagem de informação. Assim, saíndo uma frase da boca de Pedro de um lado da linha, chegaria a mesma frase do outro lado. Entender isso é vital para que não se pense que há palavras, imagens, sonhos, etc. dentro do cérebro. Somente há correntes elétricas que codificam, transmitem e, no momento certo, decodificam as informações.

Porém, se o cérebro fizesse apenas isso seria um meio passivo. Na verdade ele é o grande protagonista da inteligência, da criatividade, do raciocínio, do armazenamento do conhecimento e de tudo quanto se passa no seu palco mental.

Imagine que dou um problema num lado da linha telefônica e esta está engatada em um computador. O que se tem então é uma codificação do problema, seguida de uma transmissão, solução (através de computação) e decodificação do problema já resolvido do outro lado da linha.

Na verdade é isso que os cérebros fazem.(fig.5)

(Fig.5 Separação didática entre mente e cérebro, onde se dão a codificação/transmissão/solução-computação/decodificação dos problemas)

Cérebros são, então, constituídos de células chamadas neurônios que se comunicam através de sinapses. O neurônio carrega e transforma a informação sob a forma de correntes elétricas. Quando tem de passar essa informação para um outro neurônio, libera neurotransmissores que viajam pela junção sináptica (ou sinapse) e vão se ligar a receptores do outro lado no neurônio seguinte. Essa ligação abre certas portas na parede do neurônio promovendo troca de cargas entre o meio interno e o meio externo. Essa troca é o que é responsável pela recriação no neurônio 2 da corrente elétrica que vinha no neurônio 1.

Se você voltar agora para o nosso exemplo do carro verá que o que se passa é que o motorista deve executar uma série de comandos no painel para que o motor reaja. Assim, aperta o acelerador no assoalho. Através de um cabo esse acelerador aciona a carburação e outros pontos do motor, tal que se aumenta a velocidade nas rodas. O motorista vê então o resultado de sua ação sobre o acelerador sendo expresso no painel sob a forma de uma mudança no velocímetro. Exatamente como vimos atrás na figura 5.

Entendidos esses passos podemos então dizer algumas coisas de importância fundamental:

a) o cérebro humano, com 10 bilhões de neurônios e trilhões de pontos de conexão sináptica entre eles, é um motor fantástico. Porém, desregula com uma facilidade enorme.

b) essas desregulagens são facilmente detectáveis através de luzes de advertência no painel. Porém, a correção é no motor e não no painel ou no motorista. Muito menos na carcaça do carro.

Desregulagem

Um dos principais problemas que enfrentamos nos dias de hoje é dotar as pessoas de uma compreensão exata do que se passa em suas mentes e do que se passa em seus cérebros.

De um lado a velocidade dos fatos culturais é tal que sobra muito pouco tempo para ter mente no sentido pleno. De outro lado, à par do avanço tecnológico fantástico, as pessoas continuam acreditando que são apenas motoristas ao volante de um carro mágico, onde no lugar do motor há um espírito ou coisa que tal e que basta dar porrada no painel ou mudar o uniforme do motorista para consertar qualquer coisa.

O item desregulagem dirá respeito a cérebros (motores). Posteriormente falaremos sobre mente e personalidade.

Quando falamos que a informação trafega pelos neurônios mostramos que há um intenso mecanismo em jogo: há codificação/computação e decodificação de informação. Cada um desses processos é feito por um motor. Isto é, tudo se passa como se o cérebro não fosse apenas um, mas vários motores diferentes, cada um responsável por um tipo de operação.

Motores podem ser movidos a gasolina, a alcool, a diesel.

O cérebro também tem, de uma certa maneira, três grandes tipos de motor. São conjuntos de neurônios que utilizam um certo neurotransmissor como combustível.

Um desses motores usa o neurotransmissor nor-adrenalina. Outro, usa a serotonina. Outro usa a dopamina (Fig.6).

 

(Fig.6: Três tipos de circuitos ou "motores" utilizando diferentes neurotransmissores (ou "combustível")

 

Cada um desses circuitos que utilizam ou a noradrenalina, ou a serotonina ou a dopamina se encarrega de determinadas funções. Pois bem, há certos casos em que ocorre desregulagem em algum ponto da função cerebral. O mais comum é que essa desregulagem se dê na passagem de informação de uma célula a outra através da sinapse.

Essa desregulagem advém da insufieciência ou excesso de neurotransmissor (chaves) e também de uma certa incompatibilidade destes com os receptores (fechaduras).

Essa desregulagem, dependendo do circuito (se de adrenalina, dopamina, serotonina), tenderá a produzir diferentes defeitos no motor. Assim, se em alguns casos tenho aquecimento, em outros tenho perda de potência, engasgo, parada, etc.

Também no cérebro há uma série de diferentes defeitos que podem fazer com que o motorista, ao acionar uma direção, um pedal, um comando no painel, não obtenha o desejado.

Pois bem, vamos agora pensar o que ocorre do ponto de vista de uma pessoa que olha de fora o conjunto motorista + motor + carroceria.

Vê que há algo diferente. Um carro que engasga, que perde posições na corrida, que anda mais rápido que os outros, rápido até demais, que solta fumaça, etc.

Às vezes o observador nem repara que há muita diferença, mas o motorista relata que os comandos não obedecem corretamente. Está difícil engatar a 5a marcha, o pedal não acelera direito, o breque tem uma folga louca, etc.

Essas são as duas situações por execêlencia que nos devem interessar: o relato do motorista e o relato do observador externo. São diferentes porque, às vezes, do lado de fora não dá para saber se o motorista está bêbado ou tirando o pé do acelerador. Do lado de dentro, na maioria das vezes, o motorista pode dizer se fez tudo certinho e se o motor não respondeu.

As desregulagens de motor são assim facilmente notáveis por qualquer motorista que olhe para o painel e veja se estão acendendo luzes específicas. Do lado de fora, podem ser vistas também essas luzes (como se fosse num painel acessório um pouco diferente).

Como o motor cérebro tem partes mais ou menos específicas (com diferentes neurotransmissores) temos uma certa classe de desregulagens mais ou menos típicas:

As desregulagens afetivas, as desregulagens do pensamento/percepção, as desregulagens secundárias a outros fatores.

Nas desregulagens afetivas estão as chamadas depressões, manias, ansiedades, pânico, obsessões e fobias.

Nas desregulagens do pensamento/percepção costumam estar as chamadas psicoses.

Nas desregulagens secundárias a outros fatores estão problemas diversos que não são o objetivo principal deste livro, mas que serão citadas mais adiante. Podem ser devidas a remédios, uso de drogas, álcool, doenças várias, envelhecimento, etc.

Todas essas três classes de desregulagens acabam por se superpor. Assim, um problema de pistão costuma vir junto com um problema de bobina; um de carburação, junto com um problema de bateria e assim por diante.

O leitor não deve se preocupar com essa classe de desregulagens, nem com sua tipificação e diagnóstico. Isso é tarefa para psiquiatras e não seria possível explicar em detalhe todas as nuanças do processo.

Porém, ainda que a natureza não tenha exigido que saibamos mecânica para conduzir carros, nem que saibamos neurologia e psiquiatria para termos uma mente, ainda assim devemos aprender a interpretar as luzes no painel que atestam que algo vai mal, ou está desregulado, no motor.

 

Sinais e sintomas de advertência (Luzes no Painel):

Como disse na Introdução, é preciso entender que a mente é uma capacidade fantástica do ser humano. Reúne virtudes incríveis mas não pode fazer muita coisa se não contar com um cérebro que codifica/computa e decodifica a informação. Em nossa figura esse papel é do motor e por vezes algo não vai bem. Olhando de fora, ou mesmo de dentro, não se sabe se o motor está ou não bom. Porém uma série de luzes no painel indicam quando é que o cérebro-motor está desregulado.

Digo desregulado e não quebrado, ou disfuncional em lugar de doente, porque grande parte dos problemas de motor que resultam nos chamados quadros psíquicos advém de problemas de regulagem. O motor está fora de ponto e portanto não cumpre trocar nenhuma peça, nem o motor todo, mas apenas restaurar o correto equilíbrio.

Com o que vimos acerca de neurotransmissores, esses problemas normalmente ocorrem na sinapse. A falta ou excesso de neurotransmissor em alguns pontos do sistema fará com que haja uma desregulagem generalizada. Também a insuficiência de receptores (fechaduras), ou seu mau encaixe, pode gerar estas desregulagens.

Vejamos então que luzes se acendem no painel e devem ser um alerta para o motorista:

1) Sono:

O sono é uma das funções que melhor avalia o estado do sistema, porque desregula com certa facilidade como conseqüência de alterações de outras funções. Normalmente mantemos uma certa constância no nosso dormir. O número de horas, sem interupção, deve ser mais ou menos o mesmo ao longo da vida adulta.

Cuidado: não estamos falando de um número específico de horas, porque sabe-se que isso varia de pessoa para pessoa. Em geral, para um adulto, a média tende a ser de 6 a 9 horas. Claro que algumas pessoas dormem, normalmente, menos e outros dormem, normalmente, mais. Temos também que excluir duas condições excepcionais: a de ter que acordar numa hora determinada, dormindo poucas hora por exigências de trabalho e estudo concomitantes e os fins de semana e feriados em que se costuma dormir algumas horas a mais que o habitual.

A luz de alerta no painel corresponde a uma alteração no padrão médio de sono, avaliado ao longo de cerca de 2 semanas.

As mudanças mais significativas são: diminuição ou aumento do número de horas de sono, grande dificuldade de pegar no sono e, sobretudo, começar a acordar antes da hora habitual sem que se tenha programado o despertador para tal.

 

2) Motivação

Um sintoma subjetivo é sempre mais difícil de quantificar. Quer dizer, está mais sujeito a uma série de circunstâncias transitórias que nem sempre significam uma desregulagem do motor. De modo geral, espera-se que uma pessoa esteja de moderadamente a muito motivada em relação ao futuro, à escolha profissional, à carreira, às possibilidades de empreendimento.

Isto não significa otimismo ou bom humor excessivos, mas um 'pique' bom de trabalho, estudo e lazer são esperados. Se você nunca conseguiu estar nesse estado ou se tem oscilado muito ultimamente, alternando fases de intensa motivação com fases de desconfiança exagerada e persistente acerca do futuro, da escolha profissional, de seu valor, de sua capacidade, provavelmente trata-se uma importante luz acesa no seu painel, que deve ser levada em conta.

 

3).Concentração.Memória.Atenção

 

Esse item também é relativamente carregado de subjetividade. Em princípio cada um sabe o seu estado de base (normal, habitual), sua capacidade de concentração e atenção.

Se você estiver dispersivo, sem capacidade de prestar atenção no trabalho, no estudo e nos afazeres em geral, sem capacidade de memorização mais ou menos adequada depois de uma leitura, uma reunião, uma sessão de estudo ou de uma aula, há uma boa probabilidade de que alguma desregulagem esteja em curso.

Quando estamos falando de perda de concentração (atenção e retenção de informação) não podemos perder de vista o seguinte:

- Deve ser generalizada- não existe estado patológico que faça com que uma pessoa consiga prestar atenção em alguns assuntos e não em outros, que consiga reter informação de certos tipos e não de outros. Atenção não é gosto ou prazer, é capacidade de inibir outras vontades e tendências e cumprir o que está sendo exigido.

- Deve durar pelo menos 2 a 3 semanas

- Não deve melhorar com providências simples como- descanso, reordenação de rotinas, reflexão consigo (de preferência escrita) e com os outros acerca do tema.

- Deve ter descontinuidade mercante no tempo.

Sobre a 'descontinuidade marcante no tempo' cabe salientar o que já foi dito sobre o sono: de modo geral existem problemas agudos e crônicos. O fato de algo ser antigo não exclui a possibilidade de ser anormal, porém aí deve-se fazer um exame em relação à média das pessoas.

Imagine que uma pessoa diz que tem uma incapacidade crônica de prestar atenção. Até aí é preciso verificar o grau, o que normalmente se faz comparando com a média da atenção que as pessoas da mesma idade e com formação semelhante são capazes de prestar numa determinada tarefa. Se você estiver abaixo, ainda que seja uma característica antiga, pode considerar uma luz de alerta.

No entanto, como estamos usando, no mais das vezes, um critério de exame de condições agudas, procure ver se você está perdendo uma capacidade de atenção, de memorização ou de concentração que você tinha, ou julgava ter, até há bem pouco tempo. Neste caso, a luz no painel deve estar se referindo a uma desregulagem importante.

4).Apetite - Descanso - Libido - Fadiga

Se você estiver perdendo o apetite com muita facilidade ou exagerando muito na comida, ganhando ou perdendo peso além de 5% de seu peso anterior, sem que tenha intenção de fazê-lo, considere como um sinal de desregulagem, desde que você não consiga reverter a situação em cerca de 2 a 4 semanas.

Se você estiver sentindo perda de energia, cansaço crescente, incapacidade de relaxar, desligar, ver um filme, dar umas boas gargalhadas, falar um pouco de besteira, sentir desejo e interesse pelo namoro e pela "paquera', procure ver se não está exagerando além da conta na importância que está dando às suas obrigações. Se é um erro ser omisso e desleixado em qualquer momento da vida, também não é nada bom ficar obcecado pelo dever. Isso tende a desgastar precoce e desnecessariamente o indivíduo. E pode significar que você está sendo compelido, por uma modificação no funcionamento do motor (seu cérebro) a se preocupar exageradamente com coisas triviais.

Se persistirem por mais de 2 a 3 semanas os sinais de fadiga, falta ou excesso de apetite, perda de interesse pela amizade e pela paquera e perda de capacidade de descansar e relaxar, considere que a luz acesa no seu painel não é apenas um curto-circuito.

5).Sintomas Físicos

Se você de repente começar a sentir batedeira no peito ou na garganta, suor nas mãos e nos pés, dor de estômago, enjôo ou náusea, pressão no peito, tonturas e sensação de cabeça oca, procure:

- se for intenso, consultar seu médico

- se for leve ou vier mais diluído no tempo e estiver associado com outros sintomas descritos nos ítens acima, tentar relaxar um pouco e pensar sobre a possibilidade de estar mais nervoso do que imagina. Depois de tomar algumas providências simples e, se em tendo consultado um médico, não tiver sido diagnosticado nenhum distúrbio clínico específico (por exemplo, gastrite, enxaqueca, etc) considere um sintoma importante se durar além de 2 a 3 semanas.

6). Idéias-Pensamentos-Sonhos

A mais nobre das funções de nossa cabeça, o pensamento, é talvez a mais difícil de transmitir e esquematizar.

Tenha em mente que idéias excessivas acerca de um assunto, seja qual for, não são bom indicativo. Pesadelos e sonhos agitados constantes também não refletem um bom descanso e uma boa capacidade de colocar as coisas nos seus devidos lugares.

Mais que considerar variações do nosso pensamento como sintomas, queremos ressaltar que é no campo das idéias que devemos buscar a chave dos problemas. É na idéia, no pensamento e na expectativa de cada um de nós que vão se manifestar os problemas que tentamos evitar.

Não se trata de evitar as dificuldades, nem de afirmar que o caminho para se conhecer enquanto ser mental seja fácil. Chamamos apenas a atenção para o fato de que podem aparecer os sintomas e sinais acima descritos. Se aparecem, você deve se lembrar que as luzes do painel têm uma função importante, a de alertá-lo para possíveis desregulagens do seu motor-cérebro que, se não forem cuidadas, poderão prejudicar seu desempenho na vida.

Regulando seu cérebro quando necessário

Vimos então quais luzes indicam que há problema no motor. Isto é, de que há alguma desregulagem cerebral que deve ser corrigida. Não corrigir essas desregulagens normalmente leva ao agravamento e à cronicidade.

Uma série de problemas poderão ser corrigidos através de uma simples inspecção nas luzes do painel. Cuidado antes de fazer o papel daquele que diz que são frescura ou do que espera indefinidamente ver se apagam. Como nós mesmos advertimos, deve-se esperar algumas semanas para ver se apagam; se, no entanto, passar este período e não tiverem apagado é bom procurar um psiquiatra.

Curioso que talvez agora comece a ceder a impressão que algumas pessoas têm com psiquiatras. Antes os distúrbios eram os mesmos mas não havia a clara quantificação da perda material que estava envolvida. Agora já se sabe que ocorre uma perda de 44 bilhões de dólares por ano, nos EUA, somente com depressão. Calcula-se que 2/3 desse valor sejam perdas indiretas por baixa produtividade. Também a distimia, ou depressão leve e crônica, tem sido diagnosticada entre os males que afetam a produtividade das pessoas. Quando a coisa começa a mexer no bolso, particularmente de gente que ganha muito dinheiro, aí a exortação antiga de nós psiquiatras impressiona e tem recursos para campanhas públicas como a que vem ocorrendo já há um tempo nos EUA. Nessa campanha, que está bem descrita num artigo do jornalista Gilberto Dimenstein "A ignorância faz mal para a cabeça" do jornal Folha de S.Paulo de 19 de maio de 1996, conta-se com diversas personalidades de destaque que têm ido aos meios de comunicação relatar problemas por que passaram e que foram resolvidos consultando um psiquiatra e, no mais das vezes, tomando algum medicamento. Engraçado, pense sempre duas coisas acerca de motores desregulados:

1. Se fosse fácil tratar a mente não haveria necessidade de 8 anos de curso médico e residência para fazê-lo. Seria esquisito que se até para trocar o courinho de uma torneira é preciso aprendizado e treino, para tratar da mente bastasse a opinião da vizinha.

2. Se o cérebro humano é uma máquina fantástica parece que está mais para um carro de corrida que para um robusto carrinho urbano. Carros de corrida costumam voar mas param toda hora para manutenção. Seria estranho que também aí houvesse uma conjunção difícil: o motor cérebro ir muito longe mas não precisar jamais de regulagem; e o que é pior, há um preconceito quando o piloto relata um barulho na suspensão. É melhor correr o risco dele se estourar num muro dentro de algumas voltas em lugar de dar uma olhada no aperto das rodas?

De modo geral o princípio de regulagem de que se utiliza o psiquiatra está baseado num elenco de medicamentos que agem na sinapse.

Até os dias de hoje não há uma explicação única para o aparecimento de desregulagens mentais. Fatores genéticos, contextuais, biográficos (a história da sua vida) desempenham papéis importantes. Também os pontos desregulados são matéria de controvérsia. Porém, parece haver uma razoável evidência de que muitas sinapses estão desreguladas nas chamadas disfunções mentais. O tratamento, então, é quase todo dirigido a três mecanismos que ocorrem na sinapse:

 

O primeiro ponto crítico é a quantidade de chaves que estão disponíveis. Em muitos casos, se conseguirmos aumentar a oferta de neurotransmissor (chaves) as ligações com os receptores (fechaduras) serão mais eficientes.

Esse caso lembra uma figura: imagine que suas sinapses são feitas para funcionar como uma lâmpada entre 90 e 110 volts. Se a voltagem cai para 70 ou sobre para 140 haverá problema. Se cai a luz ficará amarelada, pálida. Se aumentar a lâmpada queimará.

Pois bem, grande parte dos problemas parece ser devido a uma baixa de voltagem. Se deviam estar passando 110 volts e somente estão passando 70 volts, então devo incrementar a voltagem. Como fazer isso? Simplesmente, posso conseguir isso aumentando o tempo de permanência do neurotransmissor na sinapse. Normalmente ele é usado como chave na fechadura, sendo então parte dele destruído e parte reaproveitado para uso posterior. Há uma série de remédios que agem num desses dois mecanismos. Ou bloqueiam a destruição do neurotransmissor ou bloqueiam sua recaptura para reaproveitamento posterior. O efeito é, então, o de aumentar sua permanência na sinapse, fazendo com que a "voltagem tenda a passar dos 70 pra os 110 desejados". (Fig.7)

(Fig.7: Cinco eventos críticos na sinapse que possibilitam a regulagem através de remédios)

Na figura 7 vêem-se os mecanismos possíveis: O mecanismo 1 é ligação da chave (neurotransmissor) na fechadura (receptor). Podemos incrementar essa ligação quer bloqueando a etapa de destruição da chave pela enzima (mecanismo 2) ou então bloqueando o mecanismo 3 de recaptura do neurotransmissor.

Outro modo de tratar as desregulagens é através do uso de drogas que competem com o neurotransmissor. Essas drogas (mecanismo 5) agem com chaves falsas. Ligam-se à fechadura e não deixam o verdadeiro neurotransmissor agir. Num caso em que a voltagem estivesse em 140 volts seria interessante impedir a ação do neurotransmissor normal.

O último passo é o mecanismo 4. Pelo uso mais prolongado de certos medicamentos (em torno de três semanas) começam a se alterar a quantidade e o formato das fechaduras. Isso se dá porque todo o tempo o cérebro está produzindo fechaduras de diversos formatos e em quantidade variada. Ora, alterando a forma e a quantidade posso obter melhor encaixe da chave nas fechaduras, obtendo com isso melhor passagem da informação para o neurônio 2.

Com isso, temos os mecanismos possíveis de ação externa do psiquiatra no intuito de regular o cérebro do indivíduo que está fora do ponto.

Algumas classes de remédios que atuam nos mecanismos da figura 7

A ferramenta de que se utiliza o psiquiatra para regular um motor é a droga.

Ao contrário do que muita gente desinformada diz, remédio e droga (tóxico) não têm nenhuma relação. Por quê? Porque de maneira geral, salvo raras exceções, a droga-remédio tem por objetivo restaurar um estado normal e conhecido do indivíduo. A droga-tóxico tende, no mais das vezes, a produzir um estado falso e não habitual do indivíduo.

De modo geral a droga-remédio tende a atuar como um antitérmico que, quando há febre, abaixa-a, quando não há não faz nada. A droga-tóxico tende a produzir febre alta, baixa, e tudo o mais, alterando o funcionamento dos limites de função do motor (por exemplo o funcionamento entre 90 e 110 volts).

A medicina basicamente dispõe dos seguintes tipos de drogas que atuam na sinapse e com isso ajudam a regular a grande maioria dos quadros de desregulagem mental:

1) Drogas que aumentam a passagem de corrente (quer bloqueando a destruição ou a recaptura) pela sinapse e alteram as fechaduras. (Muito usadas nas depressões, ansiedades, pânico, fobias, obsessões).

2) Drogas que inibem a ação do neurotransmissor real, deixando a fechadura ocupada e inoperante. (Muito usadas nos distúrbios de pensamento, crítica, juízo, humor eufórico e também em quadros de agressividade, impulsividade, irritabilidade).

3) Drogas que se ligam ao receptor e produzem alí um efeito estabilizador (como se fosse um pequeno transformador que estabiliza a corrente que vem da tomada e poderia danificar o aparelho tão oscilante que é. Muito usadas em quadros ansiosos leves e também em quadros de oscilação entre o 70 e o 140 volts, sem parar quieto no intervalo normal de 90 a 110).

Lembre-se de que falamos que há basicamente três tipos de combustíveis fundamentais no motor-cérebro. Há inúmeros outros mas os neurotransmissores que nos interessam, no que diz respeito às desregulagens que afetam a mente, são basicamente a noradrenalina, a serotonina e a dopamina.

Assim as drogas que são utilizadas se dirigem basicamente a:

a) bloquear a recaptura da noradrenalina, obtendo com isso maior tempo de ação desta nas fechaduras (receptores).

b) bloquear a recaptura da serotonina, obtendo a mesma ação incrementada na fechadura.

c) bloquear tanto a recaptura da serotonina quanto da noradrenalina.

d) bloquear a enzima que destrói a noradrenalina e a serotonina, obtendo, também com isso, maior tempo de permanência das chaves nas fechaduras.

e) competir com a dopamina ligando-se às fechaduras de dopamina e impedindo que a dopamina aja nessas fechaduras: esse mecanismo, em lugar de incrementar a ação na fechadura, diminui a atividade na fechadura (como se fosse o caso de, em lugar de querer elevar a voltagem, quisesse diminuí-la).

f) atuar em fechaduras específicas que disparam circuitos que têm efeito ansiolítico (diminuição da ansiedade). Essas drogas normalmente são paliativas, calmantes, e se dirigem a fechaduras específicas que há no cérebro que promovem uma diminuição da ansiedade (como também há receptores-fechaduras que disparam analgesia, isto é, que diminuem a dor, e que estão na base do uso de qualquer remédio contra dor).

g) finalmente todas essas drogas agem indiretamente nos mecanismos de formação de receptores e fechaduras; com o tempo a forma e a quantidade dos mesmos podem se alterar, o que é um efeito que costuma acontecer em 3 a 5 semanas de tratamento. Esse mecanismo parece ser fundamental para equilibrar-regular o sistema. Há algumas substâncias usadas em certos casos que agem somente nesses mecanismos de médio prazo de formação de receptores-fechaduras.

Para o tipo deste livro e para o público, não me parece importante, nem educativo, falar de cada droga, nem de nomes comerciais, uma vez que seu uso e dosagem nunca deverão ser prescritos por pessoa que não um especialista. Creio que o que interessa ao leigo para informar-se acerca de cada mecanismo de ação reguladora e de como a lógica do cérebro permite essa intervenção no motor está explicado.

O exposto visa apenas a orientar quanto ao estilo de ação do psiquiatra que não precisa entrar com uma chave de fenda dentro do cérebro para promover a regulagem do motor. Mais ainda, visa a mostrar de quantas ferramentas, individuais ou usadas em conjunto, a medicina já dispõe para agir nas desregulagens.

 

Avaliação rápida de sinais e sintomas que podem indicar desregulagem :

Todo e qualquer critério de avaliação é um recorte mais ou menos arbitrário.

O presente teste não pretende varrer todos os problemas de desregulagem mental, nem atingir uma precisão que somente um especialista pode ter.

Por outro lado, pode servir como uma pista de como se devem organizar os sinais e sintomas relatados no capítulo ... para que rapidamente se saiba se é o caso ou não de consultar um psiquiatra.

A idéia de consulta é bastante universal. Toda vez que temos uma dúvida costumamos responder que a melhor forma de encaminhá-la é ouvindo um especialista. A psiquiatria não foge a essa regra. Porém, como já dissemos em outras partes desse livro, pelo fato das pessoa acharem que sabem como funciona a mente, cabe salientar em que condições é mais recomendável que se procure o psiquiatra.

O teste a seguir é bastante simples. Responda cada pergunta dando nota 0 se não estiver acontecendo o que está apontado. Dê nota 1 se estiver mais ou menos. Dê nota 2 se estiver acontecendo.

Todos os sinais e sintomas que serão motivo de pergunta deverão estar alterados por pelo menos 2 a 4 semanas. Aquele que considerar que se encaixa na pergunta, mas que apresenta o problema apenas há 2 ou 3 dias, volte a fazer o teste dentro de algumas semanas.

TESTE:

Dê 0 se não for o caso da pergunta. Dê 1 se for mais ou menos. Dê 2 se for o caso apontado. ATENÇÃO: esse teste considera que um sintoma ou sinal deve estar presente por pelo menos 2 a 4 semanas, todos os dias ou quase todos os dias. Uma pessoa que tenha o sintoma ou o sinal há muito mais tempo não o torna, por isso, normais. Pelo contrário, pode apresentar um quadro crônico, o que também deverá ser tratado. Portanto, considere no mínimo 2 a 4 semans para consolidar um sintoma. Se for há muito mais tempo, mais razão ainda. Afinal, porque uma coisa é freqüente não quer dizer que por isso seja normal.

1. Sono

Seu sono tem aumentado ou diminuído espontaneamente de 2 a 4 semanas para cá, ou apresentado interrupções? Se não tiver apresentado alteração, dê nota 0. Se estiver apresentando dificuldade de pegar no sono e depois dormindo bem, dê nota 1. Se estiver acordando várias vezes, perdendo então o sono, ou dormindo muito mais horas que seu normal, dê nota 2. Também dê nota 2 se você não estiver praticamente dormindo de 2 semanas para cá. (...........)

 

2. Apetite/Libido (interesse sexual)

Seu apetite tem aumentado ou diminuído consideravelmente de 2 a 4 semanas para cá? Você ganhou ou perdeu mais ou menos 3 Kg de 1 mês para cá sem que tenha feito regime para engordar ou emagrecer? Seu interesse sexual está muito aumentado ou diminuído de 2 a 4 semanas para cá? Se não se encaixar em nenhuma pergunta dê nota 0. Se mais ou menos dê nota1. Se se encaixar em cheio em alguma delas dê nota 2. (..........)

3. Concentração/Interesse/memória/agilidade mental Você sente que sua concentração para toda e qualquer tarefa diminuiu de 2 a 4 semanas para cá? Você sente que seu interesse pelas coisas diminuiu nesse período? Você sente que sua memória piorou de 2 a 4 semanas para cá? Você sente que sua agilidade mental, seu raciocínio, pioraram de 2 a 4 semanas para cá? Se não for o caso de nenhuma pergunta dê nota 0. Se for mais ou menos dê nota 1. Se for algumas delas em cheio dê nota 2.

4. Humor/ansiedade/pique

Você sente que de 2 a 4 semanas para cá você está mais triste que o habitual? Ou que sua disposição piorou, sentindo muito mais fadiga que o habitual? Ou que sua cabeça parece estar pensando mais em acidentes, desfechos ruins? Ou que os pensamentos parecem excessivos, sem que se consiga desligar e relaxar? Ou que sua crença no futuro diminuiu ou parece estar cheia de dúvidas, temores e incertezas? Se não for o caso de nenhuma das perguntas, dê 0. Se for parcialmente o caso de alguma delas, dê nota 1. Se for alguma delas dê nota 2.

5. Sintomas físicos/ irritabilidade/impulsividade/agitação

Você sente que de 2 a 4 semanas você está com sintomas vagos, do tipo sensação estranha na cabeça, má digestão, dores, diarréia, formigamento nas mãos, etc que não foram explicados por um clínico como sendo provenientes de alguma causa corporal? (ATENÇÃO: este item somente deve ser considerado depois que se visitou um clínico e se descartou qualquer problema específico. Normalmente é o caso de muita gente que há muito tempo visita diferentes especialistas e nunca encontra explicação para a queixa somática).

Você está mais irritado que o habitual, com o pavio mais curto? Você está mais impulsivo, explodindo a toa? Você se sente mais agitado que o normal de 2 a 4 semanas para cá, com uma sensação de bolo no peito ou no estômago, com um aperto na garganta ou um friozinho na barriga? Se não se encaixar em nenhuma pergunta dê nota 0. Se parcialmente dê 1. Se totalmente dê 2.

Outros sintomas

6. Você sente que sua auto-estima baixou ou aumentou muito de 2 a 4 semanas para cá? Que sua confiança em si e no futuro está muito abaixo ou muito acima do que sempre foram? Você está mais quieto ou mais falante que o habitual nesse período?

Dê nota 0 se não for o caso. Dê 1 se for parcialmente. Dê 2 se for o caso em cheio de alguma delas.

7. Você ou os outros acham que seu pensamento, suas idéias e sua crítica estão um pouco diferentes de 2 a 4 semanas para cá? Você percebe, ou os outros relatam com relação a você, idéias estranhas, pensamentos um pouco esquisitos, etc? Você ou os outros relatam agressividade ou isolamento exagerados nesse período? Se for o caso dê nota 2. Se mais ou menos dê nota 1. Se não dê 0. ATENÇÃO: este item procura identificar alguns quadros mais raros de psicose. Normalmente são mais evidentes e devem merecer consulta psiquiátrica imediata, mesmo se não vierem acompanhados de outros sintomas descritos acima, ao contrário dos outros sinais e sintomas.

RESULTADO

Se você obteve de 0 a 4 pontos muito provavelmente não há necessidade de preocupação com seu cérebro no que tange às desregulagens mentais. (lembre-se, isso pode mudar dentro de um tempo).

Se você obteve de 5 a 7 pontos, diria que está numa faixa de sinal amarelo. Procure identificar problemas, descansar um pouco, fazer uma consulta com um clínico, etc. Repita o teste dentro de 1 a 2 semanas. Se tiver caído para números menores, muito provavelmente não havia problema maior. Se estiver igual ou tiver aumentado procure a opinião de um psiquiatra.

Se você obteve mais de 8 pontos procure um psiquiatra para consulta. Isso não garante que você está com um problema de desregulagem, nem que deverá ser medicado. Mas é suficiente critério para aconselhá-lo a ouvir o especialista.

 

Sobre psiquiatras:

Encerrando o tópico Cérebro, gostaria de voltar a enfatizar: na dúvida é melhor consultar o psiquiatra. O questionário acima visa apenas a organizar um pouco sinais e sintomas. Não substitui a opinião e o diagnóstico do especialista. Nem dirige e define o tratamento.

Qualquer psiquiatra minimamente atualizado tem condições de diagnosticar e tratar o que foi pesquisado acima. Tanto na rede pública quanto nas clínicas privadas. O tratamento é igual no Brasil e em qualquer parte do mundo civilizado.

Desconfie sempre se alguém lhe disser que fulano ou beltrano tem um método infalível e exclusivo. A medicina se auxilia de várias ciências para dizer, nos dias de hoje, o que melhor diagnostica e trata cada quadro. Como a ciência não é questão de opinião, é igual no mundo todo, e também é igual no hospital público, centro de saúde e consultório particular.

Se seu hospital público ou centro de saúde não tem psiquiatra, ou se seu convênio não quer pagar psiquiatra, lute e pressione. Muita gente se utiliza do preconceito que se tem a respeito de desregulagem mental para excluir aquele especialista da lista de vantagens oferecidas. Seja esse alguém um convênio privado, seja um prefeito que sabe que dá mais efeito colocar ambulância na praça da matriz (às vezes só de enfeite) que fornecer especialista em saúde mental para a cidade.

A psiquiatria costuma se utilizar de terapia com remédios e também de algumas técnicas de psicoterapia. Essas psicoterapias podem ser de vários tipos, algumas às vezes muito demoradas ( também chamadas de análise ), costumam ser privadas e geralmente caras. Para problemas de desregulagem cerebral costumam ser pouco efetivas. Isto é, se usar o remédio o problema tenderá a se resolver tão bem quanto se se associar a psicoterapia. Claro, em podendo sempre fará bem acrescentar um acompanhamento psicoterápico, mas isso não quer dizer que esteja na psicoterapia o alicerce do tratamento.

Portanto, é hora de aprender o que é desregulagem cerebral, quais os sinais e sintomas que são luzes de advertência no painel e mais, que os remédios fazem o principal no tratamento dessas desregulagens, tal fosse um pequeno mecânico que acerta o ponto do motor.

A idéia de que a psiquiatria é coisa de loucos ou somente para ricos são duas bobagens que já deveriam ter sido varridas do dicionário de uma pessoa civilizada no final do século XX.

MENTE

Discutir acerca da mente, no nosso caso, significa falar do motorista que conduz o carro.

Pergunte-se acerca de duas situações: se o motorista quer virar à esquerda é possível ou não? É, desde que a suspensão esteja funcionando, de que haja uma rua, etc. Mas de modo geral é possível. Se, no entanto, esse mesmo motorista quiser andar a 200 Km/h, ou executar uma série de manobras, ou voar a 20 cm do chão, etc. não será possível porque as limitações de estrutura do carro falarão mais alto que sua "vontade", desejo ou intenção.

Falar sobre a mente é, de uma certa maneira, falar acerca do que é possível e do que não é possível fazer em se tratando de um motorista que conduz o cérebro humano.

Está certo que o cérebro é uma máquina fantástica, mas como qualquer máquina está sujeito a limitações de desenho e de estrutura. Não vai a 200 Km/h nem consegue voar a 20 cm do chão.

O leitor, como sempre, deve estar indignado com os exemplos. "Claro que não se pode pensar que uma máquina faça aquilo para o que não foi projetada, etc". Pois bem, é exatamente isso que se faz quando se inicia uma série de tentativas de fazer o cérebro fazer algo que provavelmente não está apto a fazer. Por exemplo, as pessoas gostam de fantasiar acerca de capacidades que a máquina não parece ter. " Usamos apenas 10% da capacidade de nosso cérebro" diz um. "Com a força do pensamento pode-se conseguir quase tudo" replica outro. "Por quê você não tenta leitura dinâmica e submersão inconsciente para aprender línguas?" indaga um terceiro. "Programe seu cérebro tal que responda às suas ordens e à sua direção" diz outro.

O que há de comum em todas essas proposições? Basicamente o seguinte:

1) Costumam ser um método revolucionário de um determinado indivíduo. Não costumam ser coisas que qualquer um que vá às boas faculdades, aqui e em qualquer parte do mundo, aprenda.

2) Costumam apelar para poderes questionáveis do motor-cérebro fazer algo que não parece ter muito fundamento científico até os dias de hoje.

De modo geral, o alerta quanto ao motorista diz respeito ao seguinte. A mente é vasta e complexa. Não quero fazer grandes considerações acerca de seus mecanismos. Porém, é triste ver que muita gente crédula compra, nos dias de hoje, pseudo-ciência cerebral vendida com boa estrtégia de maketing. Isso dá pena por duas razões:

a) porque se nos negócios vale a tentativa de ganhar o mercado, de vender o produto, isso não deveria ocorrer quando o que está em jogo é a saúde e o equilíbrio das pessoas.

b) em segundo, dá pena porque cria nas pessoas a ilusão de que problemas são resolvidos com tacadas, com personalismo, com a técnica do Dr. Fulano ou Beltrano.

Quando se começa a crer que há uma solução mágica, que o método tal é a solução, cria-se uma cultura de grife, de marca, em que, ao contrário de se privilegiar o bom produto, privilegia-se um rótulo.

Vamos explicar um pouco a questão da grife ou do rótulo.

Existe um princípio geral de condução de automóveis. Isso permite que cada pessoa seja capaz de dirigir diferentes carros. Com alavanca no chão ou no painel. Hidramático ou mecânico. Grande ou pequeno, etc. Ora, isso quer dizer que há um princípio geral que organiza a relação do motorista com o carro. Toda vez que se pretende inventar uma maneira especial de dirigir um carro, normalmente fora dos chamados princípios gerais, corre-se o risco de alterar o próprio funcionamento do motor.

Imagine o que acontece quando temos um motorista que acelera demais, dá freadas bruscas, etc? Com o tempo aumenta o desgaste do motor e sua tendência de quebra ou desregulagem.

O modismo também é assim. A mente deve, na sua relação com o cérebro, seguir certos princípios gerais de direção e condução. Essa é a melhor maneira de dirigir com segurança e com o melhor aproveitamento do motor.

A lista desses pricípios não pretende ser um manual de regras estanques. Nem pretende estar absolutamente certo. Visa apenas a reinstaurar na mente e na sua relação com o cérebro e com o meio social um equilíbrio clássico, ao contrário de modismos do último semestre quanto ao último modo de tratar a mente, o cérebro, a empresa, o casamento, etc.

Princípios para a condução mental

Há mais ou menos 370 anos o filósofo Descartes escrevia um pequenino livro intitulado: "Regras para a Direção do Espírito". Nele há 21 regras fundamentais para a condução da razão. Alí está o embrião do pensamento científico moderno que com outros nomes como Galileu e Newton, entre outros, mudaram a feição dos séculos seguintes.

Não pretendo repetir as regras de Descartes. Meu objetivo é mais simples. Gostaria apenas de colocar algumas regras de condução que me parecem fundamentais como norma geral para motoristas que conduzam um carro equipado com o cérebro humano.

1. Saiba distinguir três planos: problemas que dizem respeito à fé, problemas que dizem respeito à opinião e problemas que dizem respeito ao conhecimento.

2. Problemas de mente e de personalidade são problemas de opinião e de fé. Problemas cerebrais são matéria de conhecimento.

3. Desconfie de soluções muito inusitadas e que não passem pelo crivo de diversos setores especializados para julgá-las.

4. Procure olhar para os fatos do passado: no passado, seu e de outros, há importantes exemplos para a melhor condução futura.

5. Jamais use tóxicos. Mesmo a maconha pode causar danos imensos no seu cérebro.

6. Desconfie dos modismos: trabalho, estudo, honestidade, caráter, família e filhos são valores tradicionais que não se devem deixar abater por algumas fases de questionamento explícito ou implícito.

7. A mente é um meio de realização pessoal mas também um meio de comunicação com o semelhante. A solidariedade, a justiça, a igualdade entre as pessoa são valores que devem estar todo tempo em jogo, e não apenas o sucesso pessoal. A mente somente conduzirá bem o cérebro quando entender que deve se dirigir para o engrandecimento próprio e também da espécie humana.

Quem usar a mente para dissimular, obter vantagem ilícita e outras técnicas tão apregoadas, me parece estará conduzindo o carro fora de sua especificação adequada.

8. Saiba ouvir e rever suas posições, sem para isso se tornar um inseguro. Sobretudo, quando se tratar de conhecimento procure ouvir e acatar o que a média dos especilaistas tem a lhe dizer sobre algo.

Comentários:

Se eu lhe perguntar se você acredita em Deus ou não, creio estarmos diante de uma questão de fé. Se lhe perguntar que candidato é o melhor preparado para o cargo tal, teremos uma matéria de opinião. Por outro lado se eu lhe perguntar se a viga tal é capaz de segurar um edifício de 20 andares estaremos diante de uma matéria de conhecimento.

Certamente um dos maiores problemas deste final de século é a confusão entre estes três tipos de questão. Ninguém pretende direcionar a fé e a opinião das pessoas. Julgo que como regra geral devem ser absolutamente respeitadas. Porém, conhecimento não é fé nem opinião. É o estágio de organização de cada área nos fóruns adequados.

Portanto, para bem dirigir seu carro, equipado com o motor cérebro, lembre-se: em princípio quando se estiver certo de que as luzes no painel estão apagadas, isto é, de que não há desregulagem mental em jogo, qualquer atitude pode, em princípio, ser defensável. Será matéria de fé e opinião.

Se uma pessoa disser que se sente bem fazendo posição de flor de lótus, comendo semente de gergelim e tomando vitaminas, não haverá porque retrucar e questionar. É uma forma possível de dirigir.

Se por outro lado disser que crê que esta alimentação pode levá-la a um estado de grandeza pessoal ou de emancipação, também não haverá o que questionar. Se por outro lado supuser que com essa alimentação pode curar uma depressão, estará entrando na área proibida do conhecimento.

Em matéria de conhecimento há especialistas que devem opinar. O conhecimento não é patrimônio de um ou de outro indivíduo. É um patrimônio da humanidade. Portanto, desconfie toda vez que alguém vier com soluções muito inovadoras e pessoais. Todas as explicações contidas nesse livro a respeito de cérebro são patrimônio da ciência no final do século XX. Podem, dentro de 50 anos, estar ultrapassadas. Mas não são suplantadas pelo "achismo" de nenhuma vizinha ou de um vendedor de métodos revolucionários.

De maneira geral as regras para a condução da mente são genéricas. De modo geral somente não pretenda consertar problemas de motor com atitudes mentais. Se o motor está em ordem a questão do encaminhamento deste ou daquele corpo de opiniões é problema de cada um.

Cuidado apenas para não confundir os planos. Atitudes do motorista podem até auxiliar na correção de alguns defeitos. Não poderão, no entanto, ser soluções eternas, nem acredito serão capazes de reverter o problema.

Como aconteceu certa vez com uma pessoa da minha família. O motorista vira-se para a passageira e pergunta:

-Que barulho é esse?

- Não deve ser nada. Daqui a pouco pára. Responde ela.

Dali a alguns metros parou. O carro.

PERSONALIDADE

O último tópico diz respeito a um conjunto de traços que nos constituem. São bastante importantes e podemos dizer que pessoas também teriam seus modelos, tais como automóveis.

A minha idéia neste final de capítulo e livro é apenas ressaltar alguns valores no que diz respeito ao conjunto.

Cuidado porque a personalidade não é tão ampla quanto se pensa e muitas veszes por trás de certos comportamentos estão quadros patológicos.

Cuidado para não confundir personalidade com quadro crônico.

O sentido que estou emprestando aqui ao termo personalidade é um pouco mais amplo que o que se usa como tal.

É uma atitude que envelopa o motorista e o motor. É um cartão de visita que apresenta a primeira impressão.

Portanto a carcaça do carro somente pode ornar quando o motorista se conduzir bem e de acordo com uma série de valores e preceitos. E mais, quando tiver uma atitude de conhecimento para com os defeitos, que tem de estar preparado para reconhecer.

Feito isso é preciso se perguntar pelos valores que as pessoas desenvolveram. Creio que como nos bons carros de corrida a carcaça é quase indispensável. Responde pela aerodinâmica e pela proteção do piloto.

Pois bem, é preciso que pensemos neste final de século qual deve ser a boa relação entre as partes: motor+motorista+carroceria. Creio que o excessivo apego e importância que se tem dado a aspectos de lataria têm feito por diminuir a formação de bons motoristas e sobretudo sua formação tal que saibam diagnosticar e encaminhar rapidamente os problemas mecânicos.

O motorista zeloso manterá o carro limpo. Porém, não creio que se preocupe em demasia com a cor do carro ou com o desenho do farol.

Cuidado porque juntamente com as regras para a condução devemos estar atentos para o fato de que é na carcaça que estão centradas as baterias da moda e da propaganda. Através dessas baterias pode-se fazer com que motor e motorista valham menos que qualquer outra coisa. Ou que a sua importância seja descrescente.

O bom motorista não descuida da beleza do carro mas não hesita em sacrificá-la pela segurança. Nem hesita em sacrificá-la pela manutenção do bom estado do motor. Será que é isso que se tem feito nesse nosso tempo?

É hora de pensar, olhar para o painel, afastar sempre a hipótese da desregulagem, entender o cérebro, a mente, a posição diante da sociedade e de si próprio.

Sem esses elementos não haverá bom prognóstico para o futuro. Com microonda e teoria da mente ultrapassada.

Conhecer o cérebro, entender a mente naquilo que pode e naquilo que não pode fazer e, sobretudo, aceitar e tratar a desregulagem mental são elementos para o cidadão de amanhã. Sem eles não se alcançará jamais o equilíbrio necessário para enfrentar um milênio de muito avanço mas que ainda assistirá à exclusão de 2/3 da humanidade e ao distanciamento cada vez maior entre nós, seres da mesma espécie, dotados do mesmo motor, que porque maus motoristas, temos latarias tão diferentes. Umas pobres e efarrapadas. Outras tão lustrosas, pensa, mas faltando peça na supensão e com motorista embriagado que não sabe que o desastre está logo alí.

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

 

Recomendo em português o livro Panico Fobia e Obsessões

Em inglês Carying for Mental Health.

Textos Complementares:

Seguem-se três artigos escritos originalmente para a revista do Anglo Vestibulares.

Embora dirigidos a público específico e com finalidade específica podem auxiliar na medida em que enfocam três problemas básicos:

a) a manutenção do ritmo de trabalho em qualque fase da vida

b) as escolhas profissionais, o que de uma certa forma é apenas uma entre muitas escolhas

c) a capacidade de diminuir a tensão quando se aproxima alguma situação de teste ou de decisão, desde que se tenha cumprido com tudo aquilo que se podia fazer de objetivo na preparação.

Os problemas, ao contrásrio de específicos, são tão gerais quanto se possa imaginar, desde que se façam apenas as adaptações para cada situação e época de vida.

 

 

 

 

O primeiro ano do resto de suas vidas

Toca o sinal. Entra o professor. Algazarra. Brincadeiras rápidas, piadas e então...matéria. Lousa cheia. Matéria dada. Tarefa complementar. Simulado. "Ranking". Escolha profissional. Inscrição e desfecho. Aprovação ou desastre?

Nesse hiato de tempo, fração mínima de suas vidas, oito meses condensados, você experimenta alguns dos pontos extremos da vida. Aprender um pouco sobre o que está em jogo e que lições há nas entrelinhas destes 2 semestres significa ultrapassar o vestibular e o cursinho. Estudar é preciso mas, mais que isso, crescer é preciso.

Este é o primeiro ano do resto de suas vidas. Nada nele se esgota por aqui. Ao contrário, renova-se em cada semestre das próximas décadas: no trabalho de final de curso, na escolha do emprego, no desemprego, no salário minguado, na perda de uma vaga para um medíocre "puxa-saco". Definitivamente, o cursinho é escola e escola das boas. Ensina bem, faz brincadeira, enche a lousa com esmero e, mais ainda, dá de bandeja a oportunidade de entender o que é ser adulto e cidadão. Passar na prova é conseqüência desse aprendizado. É meio e não fim. Ansiedade e desânimo são efeitos colaterais do processo. Surgem à toda hora quando se está sendo apertado.

Você está sendo apertado, porque a vida aperta, porque a profissão aperta, porque o dinheiro aperta, porque o casamento aperta, porque a ignorância e a malandragem apertam. Você está se sentindo apertado porque, vindo para cá, viu um menino de rua. Pés no chão. Carinha suja. Ele é você e eu. É retrato de um país que nos aperta para resolver as coisas mais básicas. É retrato de uma terra que está perguntando que indivíduo você vai ser amanhã.

E você, ressentido de ser jovem, pensou que era só o "ranking", o simulado e a Fuvest. Definitivamente, você precisa ouvir um pouco sobre você.

Em março você chegou cheio de boas intenções. Começaram as aulas. "É agora", pensou. Comprou caneta e borracha novas. Arrumou a escrivaninha. Deixou o sapato e a roupa prontos para, no dia seguinte, pular cedo. Parecia até começo de namoro. Primeiras semanas, tudo bem, até que no primeiro simulado as coisas começam a mudar de figura. As perguntas são esquisitas. O clima gostoso da sala de aula, a brincadeira alegre com aquele professor meio palhaço, dão lugar a um atmosfera estranha. É hora de prova, de acerto e de erro. É hora de colocação e de avaliação. Pior ainda: é hora de colocar as pessoas umas em cima das outras. "Ranking", medida de aproveitamento que em vez de elucidar e orientar, afoba, humilha, desencoraja, para não dizer daquele que, tendo ido muito bem, faz daquilo armadilha e arrogância.

Em primeiro lugar, você deveria perceber que o cursinho é uma prévia do que vai acontecer daqui para frente na sua vida. Todo o tempo você estará senso cobrado para dar o melhor e para render mais. Se não for, desconfie. Ou a escola em que você estiver estudando é fraca ou a empresa em que você está trabalhando está prestes a fechar ou a perder mercado para o concorrente.

O mundo andou mudando bastante nestes últimos anos. Alguns sistemas de produção se mostraram ineficientes e agora estamos numa época em que dois conceitos são chave: concorrência e inventividade.

Concorrência para que os preços fiquem cada vez mais baixos e os produtos cada vez melhores. Inventividade para que cada vez mais se entendam as oportunidades e os desafios, colocando no ser humano a responsabilidade de enfrentá-los, uma vez que as máquinas já fazem o que é mecânico. O robô respondendor de questões em vestibular está com os dias contados. Pode passar na prova mas vai se ferrar nos anos seguintes. A concorrência é brutal e vai piorar. A inventividade tem de vencer. Inventividade significa responsabilidade, amadurecimento e caráter.

A lógica, às vezes perversa, da concorrência pode levar o ingênuo a achar que o menino de pés no chão é filho de um sistema iníqüo que privilegia os mais fortes. Isso é meia verdade e eu não preciso apelar dizendo que você não terá dinheiro para comprar presunto para seu filho se não estudar. Não vai ter. A não ser que você descubra um atalho brasileiro, esse jeitinho canalha que se instalou entre nós e invente uma malandragem para ganhar sem produzir, roubando ou só enganando. Ótimo, você compra presunto por um tempo. Não estuda e compra carro importado. Engana no simulado e na aula. Depois, é morto no sinal. O menino de pés no chão cresceu e se irritou. Assalta no sinal. Você não estudava e pretendia produzir sem conhecimento. Ótimo, a sociedade que te põe presunto na mesa e carro importado na garagem é a mesma que vai te matar no sinal. Se você não entende isso, se não percebe a dimensão do que está em jogo no refrão "aula dada, aula estudada" então volte sempre no mês de março para poder, de roupa nova, ter um mês ou dois para brincar de ser gente grande e séria.

Ah! agora você está bravo. " Qual é a desse cara?". "Sou zeloso... do meu jeito, vou no meu ritmo, não gosto de neura ou ´stress`...Se não for agora, será algum dia".

Certíssimo na segunda parte e totalmente fora na primeira.

Você não está aqui para ser aprovado na USP em primeiro lugar. Para isso só tem um lugar. O país não precisa só desse primeiro colocado. Precisa de cada um de vocês. Sentados aí, pés no sapato, casaco no pescoço, vocês são o retrato de uma parte que ainda respira de uma terra de contrastes. São jovens que podem salvar o menino do sinal antes que seja tarde. Para isso não se mede seu desempenho pelo primeiro lugar da USP. Mede-se pela consciência de ir ao limite todos os dias em todas as coisas que se faz.

Você gosta de esporte. Vê um jogo de futebol e fica encantado com aquele jogador que não se entrega, que, perdendo de 2 a 0, 40 minutos do segundo tempo, não dá sossego para o goleiro adversário. Eu sei que você fica louco quando seu time compra um jogador caro, daqueles que chegam de salto alto, não querendo treinar, ganhando peso e dando uma de mascarado no jogo. Faz uma jogada genial de vez em quando. "Não resolve", pensa você. Precisamos de um cara que se empenhe nos treinos, que vá ao limite de sua forma física e que, na hora do jogo, vá ao limite de sua força moral, de sua garra , de seu amor pela camisa.

Pois bem, o que se está falando acima é justamente o que se espera de você. Não é ser gênio, nem primeiro lugar em coisa alguma. É treinar todo dia indo ao limite de sua forma física. É jogar todo o tempo como se fosse decisão. É respeitar o juiz e o torcedor que pagou ingresso. É brigar pelo gol até o último minuto, mesmo que esteja perdendo. É sair de cabeça erguida e não ser chamado jamais de amarelão, covarde ou vendido.

Definitivamente, cada dia desse ano é dia de treino ou de jogo. Para o resto de suas vidas também. Que jogador você pretende ser?

Um dos grandes enganos que se comete é justamente ficar nessa mania espasmódica de estudar muito uma época e depois parar com tudo. É como gente que faz regime drástico e depois engorda tudo de novo. Efeito sanfona. Isso, estudo tipo efeito sanfona. Os mais entendidos dirão rapidamente: o problema do efeito sanfona é que deixa o corpo cheio de estrias. Pois é, estudo efeito sanfona deixa estrias também. Por isso se estuda todo o tempo. Por isso se joga cada partida como se fosse decisão.

Preste atenção no que costuma acontecer quando se faz isso todo o tempo. Normalmente não precisa ficar no sufoco no último jogo, não precisa culpar o juiz, não precisa fazer reza brava para não tomar gol no último minuto. Quando a campanha foi toda pautada pela garra contínua nem decisão costuma ter. O campeonato foi ganho partidas antes.

Vestibular não é muito diferente. Indo ao limite todos os dias o desfecho passa a ser quase previsível. A prova é só um item a mais que costuma ter tão pouca surpresa que nem atemoriza demais. O segredo não está no fim do ano, no dia da prova. Está a cada dia e hora em que você vem para cá. Também não vai estar na vida quando o chefe chamar para conversar. Certamente, política à parte, não será implicância pura que vai lhe fazer perder o emprego; nem ouvir de seu filho que você falhou; nem do marido ou da mulher que você não zelou pela relação. O que vai estar em jogo nesses momentos é uma soma de todos os pequenos atos que você plantou a cada dia de sua vida de funcionário, pai, marido ou mulher. Não tem muita mágica nas coisas. Você colhe na medida que planta todos os dias. O resto é bobagem ou conseqüência. Não é preciso entrar em primeiro lugar nem entrar no primeiro ano. É preciso entender que cada dia que se perde na vida por não ter entendido a mensagem acima vai custar caro. Não é dia de sucesso ou fracasso. Esses dois acontecem com todo mundo. É dia de ignorância. É dia que se perdeu porque se insiste em ser criança desleixada e mimada quando a vida está começando a apertar. Tire o cavalo da chuva. Ou você percebe que todo dia precisa ser dia de decisão ou então nem a USP vai resolver seus dilemas, nem sua infantilidade, nem sua mania de se esconder de si próprio.

Se entrar na USP por força de sua inteligência e habilidade de ir bem sem se esforçar muito (e isso pode acontecer), na continuação o problema aparecerá. Não se é cientista ou bom profisional andando a 30% de sua capacidade. Mesmo que 30% de um gênio seja muita velocidade, não é velocidade suficiente para afastar a insatisfação, o vazio e outros galhos que ocorrem com gente que costuma conseguir fácil as coisas.

Não sei aonde cada um de vocês tem de chegar. Isso é problema da vida e do futuro. Está sujeito a milhões de variáveis. Sei que lido há anos com gente que se sente mal porque não vai ao limite de si. Não o limite imposto pelos outros. Não o limite de passar raspando na primeira ou na quinta opção. O limite é uma coisa invisível que tem dentro de cada um de vocês. Quando se chega nele as coisas se transformam. O acerto vira glória. O fracasso vira perdão e força para recomeçar.

Vá ao limite todos os dias de hoje em diante. Em tudo. No estudo, nos princípios, na amizade, no riso, na alegria de ser jovem, no olhar maroto e namorador, na discussão de suas idéias. Deixe o resto por conta do tempo. Se não conseguir ir ao limite, pare de se martirizar. Converse com os amigos, com os pais, com os professores. Costuma ser fácil resolver com uma boa dose de amizade e solidariedade humana. Não se preocupe em demasia com a escolha da profissão. Qualquer coisa feita no limite de si recompensa e engrandece. É menos a área que se escolhe e mais o exercício diário de amor e seriedade que constituem a escolha na mosca.

Não há mais lugar no mundo de hoje para profissões rígidas. As transformações são tão rápidas que o que se espera é que cada um de vocês esteja ligado, informado, atento, de bem consigo e pronto para aprender coisas novas que mudam o rosto de qualquer área profissional de um ano para outro.

A escolha profissional e a prova do fim do ano são apenas passageiros menores de um processo. Nele, você deve crescer e perceber sua função na vida e na sociedade. Para isso se estuda, para isso se trabalha duro. Para isso se perdoa o erro, dando novas oportunidades.

Se você perceber que você não é um vestibulando mas um ser humano, o resto virá do exercício diário. Hoje, no final do ano e para o resto de sua vida.

Se você perceber isso, o menino de pés descalços poderá dormir um pouco mais tranqüilo. Talvez ele, ou seus filhos, vivam num mundo melhor. Talvez ainda sem presunto mas com um par de sapatos e dignidade de cidadão.

 

 

MÚLTIPLA ESCOL HA (esse H deve parecer uma escada com um aluno subindo)

 

 

 

Está chegando a hora de escolher a carreira. As inscrições estão próximas e alguns de vocês ainda não certeza do que fazer.

Vamos tratar um pouco desse assunto, sem a pretensão de substituir a cabeça de ninguém.

Alguns problemas na hora da escolha decorrem dos fatores que trataremos a seguir.

Ansiedade

Querer controlar o futuro é bobagem. Há uma série de variáveis que vocês não podem conhecer. Já estudaram as várias carreiras, visitaram algumas universidades, conversaram com profissionais, mas a dúvida persiste.

Preste atenção: carreira é um dos elementos que compõem a identidade de uma pessoa. Não é o único. A maior parte das pessoas que vejo queixando-se de terem escolhido errado, às vezes anos depois, carregam uma insatisfação muito mais profunda. A escolha errada é simplesmente uma forma de expressar esse desconforto consigo.

Profissão é um conjunto de coisas. Depende de emprego, salário, perspectiva, reconhecimento, satisfação, desafio. Querer controlar de antemão todas essas variáveis gera uma ansiedade tola.

Aposte naquilo que parece certo. Certeza não existe em nenhum momento da vida. A simples busca desesperada por certeza já demonstra que não é uma simples escolha profissional que está em jogo.

Se você tem a impressão de que o X que vai ser marcado na folha de inscrição significa uma tacada definitiva, cuide-se porque a ansiedade e a expectativa estão exageradas.

Afaste a ansiedade da escolha certa. Aceite as limitações de qualquer raciocínio antecipado. Isso afasta o temor de errar e normalmente dirige o pensamento para onde deve estar.

Mudanças bruscas

Uma outra coisa que costuma acontecer nesses momentos é a mudança repentina. Vinha-se pensando há anos numa carreira e, de repente, perto da hora de decidir, "descobre-se" que era outra.

Cuidado com mudanças bruscas. Se por uma lado há descobertas que há muito estavam fermentando e, na hora da decisão, brotam na consciência, também há um elemento de imediatismo que deve ser afastado.

De modo geral, as tendências mais antigas devem ter uma ligeira vantagem sobre as mais recentes, pelo simples fato de que passaram mais tempo na sua cabeça sem ser refutadas.

O mito da matéria preferida

Uma outra consideração que se deve ter em mente é a de que se escolhe uma carreira em função das matérias de que se gosta mais.

Isso é verdade em parte. Por um lado, não vamos negar que uma pessoa que gosta mais de história, literatura, redação, etc. deve ter mais pendores para carreiras da área de Humanas, enquanto que aquele que gosta mais de física e matemática deve ir para Exatas.

Quando falo do "mito da matéria preferida" refiro-me ao problema oposto. O ódio por determinadas matérias não vai ajudá-lo em nada na escolha profissional. Se por uma lado as matérias preferidas dirigem certas escolhas, as matérias odiadas pouco podem auxiliar.

Por que? Bem, em primeiro lugar não creio que possa haver lugar numa personalidade madura para ódios intelectuais. Pode haver lugar para preferências.

Em segundo lugar no mais das vezes as disciplinas hoje em dia tendem a interseccionar-se.

Nas áreas de biológicas é crescente a penetração de modelos matemáticos e físicos. Nas áreas de exatas é crescente a ênfase em projetos sistêmicos, o que redunda em conhecer fenômenos biológicos, psicológicos e sociológicos. Finalmente, as áreas de humanas cada vez mais se ressentem da falta de modelos mais enxutos para fazer seus prognósticos e orientar o ensino e a pesquisa. Nesse sentido, as áreas biológicas e exatas cada vez mais servem de inspiração para o estudo de alguns tópicos das humanidades. Vale mencionar aqui duas áreas de crescente penetração como alegoria para a compreensão de fenômenos culturais: teoria da complexidade e processos decisórios.

Alguns exemplos interessantes são os seguintes. O aluno que deseja estudar filosofia porque disciplina da área de humanas e se defronta com um curso de lógica, ferramenta matemática fundamental no curso.

Ou quem vai estudar economia ou administração e topa com uma matemática e uma física que fornecem modelos de fenômenos complexos. Ou quem vai estudar biologia e precisa da matemática para modelar dinâmica de populações.

Finalmente, não há que esquecer-se da presença maciça da computação em todo e qualquer campo que se escolha. Ao contrário de mero instrumento, a computação, se entendida na sua essência formal, pode ser o diferencial entre o bom e o mau aluno.

Esses exemplos visam apenas advertí-lo de que não há mais lugar nos dias de hoje para a escolha estanque de carreiras.

Ao contrário, as profissões tendem a se mesclar num denominador comum de conhecimento geral. Cuidado com o preconceito e desde já acostume-se com a idéia de que física e matemática vieram para ficar.

Adaptação profissional

Vocês já devem ter visto a quantidade de engenheiros que administram bancos, de advogados que escrevem em jornais, de médicos que dão aula em cursinhos, de biólogos que fazem estudo de campo para empresas de marketing e assim por diante.

A inventividade e a criatividade são os grandes aliados na escolha profissional. Quanto mais ciente se estiver de que o passo que se está dando é apenas um item do tópico "profissão", mais fácies ficarão as escolhas.

A faculdade é novamente uma peregrinação por diversas disciplinas. Mais do que uma nova oportunidade de escolha, o curso superior significa uma postura madura diante do conhecimento.

O professor cede lugar aos poucos para o orientador. O espírito de pesquisa, de descoberta, de amor pelos conceitos fundamentais, liberta qualquer um da escolha severa. Há sempre lugar para adaptar o desejo e o gosto a um certo modo de fazer cada disciplina.

Quando vemos a velocidade com que os conceitos estão mudando, não hesito em dizer que ninguém pode afirmar qual será a feição das profissões dentro de 30 anos.

Procure então decidir em função de seu gosto e aptidão por certas áreas, deixando para o tempo a função de possibilitar a adaptação usual.

Com amor pelos conceitos e estudo sistemático a escolha a cada momento será automática.

Mercado e salário

Cuidado com esses dois inimigos. Ninguém diria, há alguns anos, que quem fosse estudar matemática seria (devido à computação) tão requisitado.

O tempo à frente é longo e os prognósticos sobre mercado e salário costumam mais deturpar que auxiliar. Tal profissão está em baixa, tal profissão está em alta. Isso me parece bobagem. Saturado ou não, qualquer mercado sempre necessitará de bons profissionais. Portanto o problema do mercado e do salário estarão basicamente relacionados à capacidade de fornecer soluções inteligentes que nem sempre são aprendidas antecipadamente.

Quem cultiva a criatividade e o estudo horizontal das disciplinas, usando a faculdade apenas como ponte para continuar estudando sempre um pouco de tudo deve ter no futuro boas chances de mercado e salário dignos.

Política, jornal e cultura

Você pode estar pensando que as coisas não são tão simples. Há inúmeros profissionais excelentes, vindos das melhores faculdades, desempregados no momento.

Aí está outra questão fundamental. Você dentro de alguns anos estará representando a elite intelectual desse país. Sua atitude profissional e política em muito determinará o padrão de tratamento das profissões e dos profissionais. A cada momento será possível através de participação, engajamento e seriedade mudar rumos. Reveja então sua maturidade se agora, tão desesperado com sua escolha profissional, você ainda não se habituou a ler os jornais, dicutir política e cultura com seus amigos e a pensar nos problemas de cada área.

Grande parte da satisfação de escolher uma profissão vem do quanto isso simboliza uma atitude perante a coletividade. Novamente, por isso não há escolha rígida, imutável, incorrigível. Se você estiver alienado