CAPÍTULO 6

 

ESBOÇO DE UMA TEORIA DA MENTE

 

 

 

A pergunta central que move este trabalho é como pode emergir um padrão chamado mental, a partir de uma série de eventos de processamento cerebral de informação.

Algumas teorias têm sido propostas para explicar a relação de mentes e cérebros. A inteligência artificial simbólica dissocia o nível da representação e manipulação das entidades mentais, situando o cérebro como meio físico digital que implementa o programa mente. Numa linguagem mais ou menos alegórica, o hardware cerebral equiparia todos os seres humanos, com determinadas especificações, existindo diferentes classes de programas, que seriam as funções mentais e diferentes arquivos em cada programa, que seriam os conteúdos mentais propriamente ditos. Como se pode fazer a conversão de um programa a outro, poder-se-ía, por exemplo, abrir na memória de curto termo, ou RAM, elementos advindos de programas para imagens (percepção) e outros para textos (linguagem propriamente dita).

Na versão da IAS a mente é o resultado da operação de regras lógicas e cadeias inferenciais necessárias, coerentes ou não, sobre primitivos simbólicos – os objetos mentais. Na versão das redes neurais (IAC), questiona-se a natureza das regras como meio de relação entre os objetos, porém a natureza primitiva desses mesmos objetos mentais - os símbolos -, permanece intocada, fornecendo o matiz através do qual se interpretam os vetores de entrada e saída de uma rede.

Esses dois modos de enxergar a relação cérebro-mente deixam inexplicada a natureza primeira dos símbolos ou dos objetos mentais e, ao tomá-los como primitivos, caracterizam uma tradição que chamo de "simbolista".

Meu modelo teórico para o sistema nervoso e para a emergência de uma padrão dito mental em tal arquitetura física – o cérebro humano – parte de uma visão que chamo de "cerebralista"e que procura se perguntar como é possível, em uma arquitetura física como o cérebro humano, fazer surgir o processamento mental.

Não se definem primitivos como símbolos nem como regras, sendo meu projeto, ao contrário, a lenta construção de uma sintaxe cerebralista, a partir de uma idéia primeira de que objetos são oscilações e, relações entre esses mesmos objetos, são sincronizações rápidas de diferentes conjuntos de osciladores que representam porções (predicados) de objetos.

O debate histórico entre empiristas e racionalistas se colocava a seguinte questão: somos constituídos por objetos da experiência – tal fossemos tabula rasa – ou há objetos primeiros na mente que não são escritos pela experiência sensorial?

Colocar a questão de maneira contemporânea, significa entender que há no sistema nervoso uma gama de áreas de projeção primária para as modalidades sensoriais; segundo, que nelas há uma forma de alfabeto primitivo ou pelo menos campos receptivos com maior afinidade para determinadas classes de objetos (por exemplo, linhas horizontais e contíguas). Se esses campos receptivos me poderiam fornecer a gama de alfabeto primitivo sensorial para representar paredes ou colunas, estou certo de que "angústia" e "democracia" são conceitos que dificilmente têm representação sensorial primária e/ou tradução radical em qualquer alfabeto similar.

Sistemas nervosos são assim dotados de uma área receptiva em que se encontra uma representação prévia de um determinado objeto (no caso do sistema nervoso, haveria uma gama de campos receptivos em córtex primário sensorial para identificação desses mesmos primitivos) e, em seguida, graças à uma determinada operação de composição vão se formando os objetos compostos, que são o resultado da agregação dinâmico-sincrônica de várias modalidades de objetos e partes de objetos.

Sejam de primado sensorial, sejam o resultado de composições posteriores de partes de representações, é fato que o processo de constituição de objetos e, posteriormente, de relações entre eles, serve-se de um aparato dinâmico capaz de fazer recriar no tempo um análogo do objeto, através do disparo de oscilações de assembléias ou grupamentos neuronais.

A questão empirista se traveste de uma outra roupagem na versão neurocientífica. É possível localizar objetos e/ou funções no cérebro humano? Quanto a objetos, parece haver algum grau de localização/especificidade nas áreas sensoriais primárias; quanto a funções, também parece haver algum grau de especificidade apreensível pelas técnicas de neuropsicologia anátomo-funcional (por exemplo, a relação entre córtex frontal e controle voluntário).

Ao sistema nervoso caberia, então, criar representações de objetos, tais que os pudesse manipular de acordo com determinadas necessidades. Se os modelos que temos visto enfocam o problema das relações (regras ou regularidades estatísticas), a pergunta acerca da gênese dos símbolos e da natureza de determinadas funções, parece-me não-suficientemente esclarecida.

Pode-se dizer, por exemplo, que o sistema opera sobre representações que são símbolos e manipula esses mesmos símbolos através de regras lógicas. Podem-se substituir as regras lógicas por regularidades. Mas permanece intocada a natureza do símbolos e de certas partições no espaço de funções mentais.

Um modelo para o sistema nervoso deveria, de maneira extremamente genérica, perfilar divisões claras, tais que se pudesse enxergar um mecanismo geral de construção de artefatos semelhantes.

 

Um sistema nervoso capaz de operações mentais é, a meu ver, composto dos seguintes elementos: a) uma área de recepção de informação sensorial, com uma classe de primitivos sensoriais pré-gravada; b) uma classe de operação de conjunção de primitivos através de conexão de sincronismo entre populações neuronais, tais que se possa executar a síntese de objetos complexos (representações sobre primitivos primários); c) operações de objetos sobre objetos através de relações; d) operações voluntário-conscientes sobre problemas insolúveis ou ambíguos ou sobre os quais não há representação suficiente.

redescrição

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

inibição ou reforço

 

(Fig. 29: Três níveis fundamentais num sistema nervoso dotado de processamento mental)

 

 

A síntese de objetos é garantida pela existência de classes de A’s e B’s pré-gravados. Qualquer objeto que não tenha suficiente representação, em termos de primitivos sensoriais no compartimento de síntese de objetos, já se constitui numa relação, devendo sofrer uma forma de síntese e relação.

 

aij e bij são classes de primitivos sensoriais definidos por campos receptivos. São, em princípio, definidos por uma classe de oscilações geradas nesses campos receptivos.

 

rij : são relações de sincronização entre objetos primitivos.

 

ai rij bj: é um objeto suficientemente sensorial, tal que sua tradução poderia se fazer radicalmente em termos de um vocabulário sensorial.

 

Aij Rij Bij: é um objeto composto, já uma relação em que não há meio de tradução radical do objeto em termos de representação e/ ou primitivos sensoriais. Pode ser uma função, um conceito ou uma relação entre objetos.

 

Rij: é uma relação de sincronização

 

A*ij e B*ij : são versões (redescrições) de Aij e Bij

 

R*ij: é uma versão da relação Rij

 

R**: é uma relação de sincronização

 

Portanto:

 

  1. O conceito de objeto é o resultado da suficiente existência de uma campo receptivo para ele ou de uma sincronização de tipo binding em áreas primárias.
  2. Qualquer objeto que não tenha representação no nível de síntese de objetos será considerado uma relação.
  3. Símbolos podem ser o resultado de:
    1. Suficiente representação de um objeto no nível da síntese de objetos
    2. Relações sincrônicas no nível de relações.
    3. Redescricões de relações sincrônicas do nível das relações em áreas preferencialmente frontais.

  4. A cada nível ocorre evento de tipo captura devido à suficiente representação do problema ou à propagação de um erro, que se transmite através de uma canal, que reconstrói o problema adiante. Cada nível que se agrega, constituí uma relação de ordem n+1.
  5. Objetos primários têm ordem 0; objetos secundários já são relações e têm ordem 1; objetos conscientes têm, no mínimo, ordem 2.
  6.  

     

    Oe




     

     

     

     

     

  7. Um símbolo é o resultado da operação dinâmica de uma estimulação externa Oe, de uma representação (ou classe delas) Oi e a subseqüente geração de erros que se propagam.
  8. Todo objeto que esteja suficientemente representado em termos de decomposição em primitivos sensoriais, esgotará o processamento na ordem 0. Todo objeto que careça de um construção, deverá ser transferido para a ordem 1, sendo que, inicialmente, pela falta de representação adequada, jamais ocorrerá captura na fase de ordem 1 e, sim, haverá que intervir o mecanismo voluntário consciente capaz de criar representações de objetos.
  9. A sincronização de oscilações pode, no caso de ordem 0, funcionar transmitindo, apenas, informações discreto-digitais, sobre as características de estimulação de cada campo receptivo.
  10. A sincronização, a partir da ordem 1, transmite informação sobre objetos e também sobre dinâmicas de reconstrução de atratores (condição para a formação de objetos de ordem 1).
  11. Objetos de ordem 0 são digitalizáveis e discretizáveis.
  12. Objetos de ordem 1 e 2 são mais dificilmente digitalizáveis e discretizáveis. A sincronização pode, então, fazer o papel de carregar uma informação sobre o processo dinâmico de construção do atrator que caracteriza o objeto complexo.
  13. O objeto de ordem 0 costuma ter uma solução de tipo ponto de equilíbrio no espaço de estados que o descreve.
  14. Objetos de ordem maior do que 1 têm atratores mais complexos a descrever-lhes o processo de reconstrução.
  15. A sincronização de tipo "r" (binding) pode, simplesmente, ser um mecanismo de transmissão modulada por freqüência de informação digitalizável. A constituição de objetos complexos (nível das relações) e o controle voluntário consciente sobre eles (nível do controle voluntário) não é digitalizável, sendo a sincronização, tanto R, R*, quanto R**, responsável pela transmissão de entidades primárias e entidades dinâmicas, o que implica mecanismo de transmissão de um atrator ou do modo de reconstruí-lo.

 

 

Oi0 Oij0 OjO

 

 

 

 

No caso de objeto de ordem O, relações e objetos podem ser entendidos como entidades. No caso de ordem maior do que 1, objetos já são relações dinâmicas e sua transmissão deverá atentar para aspectos de reconstrução de sinal/atrator, etc.

 

 

 

 

Oi1 Oij1 Oj1

 

 

 

 

 

 

O mecanismo geral de funcionamento de uma arquitetura como a cerebral é o de representar objetos por oscilações e relacioná-los através de sincronização.

Vimos extensivamente que o sincronização na faixa de 40 Hz pode significar um mecanismo que se presta a diferentes funções. Também em outras freqüências, pode-se ter um mecanismo de manipulação envolvido.

Objetos são ou primariamente representados no sistema ou construídos através de algum procedimento dinâmico. A construção de qualquer objeto já é uma relação, salvo haja representação prévia em termos sensoriais. Tanto mais requeira a manipulação dinâmica para a construção de um objeto complexo (símbolo ou relação entre símbolo), mais unidades deverão ser alocadas para que se possa construir essa representação. A função do controle voluntário é a de manipular objetos cuja representação é insuficiente e que carecem de consciência/aprendizado, atenção, desambigüização. Através de mecanismo que, como vimos, pode envolver alças fronto-cerebelares, à medida que se adquire representação de um objeto, pode-se supor que haverá manipulação na instância inferior. Dado que objetos são oscilações dois são os tipos de captura: primária e secundária.

A captura primária se dá no nível de objetos que estão primariamente representados no sistema nervoso. A captura secundária se dá no caso de objetos que foram construídos lentamente e que já têm grau de representação interna tal que sejam cotejáveis com a estimulação externa.

O controle voluntário jamais será uma captura estrita, porque não há formação no nível da consciência de representação estável. A relação de sincronização é responsável pela formação transitória de um estado do sistema, em que se tentará convergir para uma solução e aperfeiçoar a representação interna do problema.

 


Simplificando, pode–se dizer então que:

 

 

Oe

 

 

 

 

 

 

Nessa situação o Oi de ordem 0 está previamente representado no sistema e a oscilação externa Oe tem um cotejamento perfeito com Oi. Caso dos reflexos e dos objetos primários de primitivos sensoriais.

 



Oe

 

 

 

 

 

 

Porém, nesse caso acima descrito, como não há no nível dos objetos primários suficiente representação, a captura deverá se dar no nível dos objetos de 1a ordem, porém, antes que haja suficiente representação de Oie1, deverá ocorrer a superviniência de um mecanismo que chamamos de voluntário para formar Oie1, que é o nível dos objetos conscientes de ordem 2.

Oe


 

 

Um objeto carece de representação interna para que possa ser cotejado com uma representação externa. Nos casos de objetos pré-representados, ou dinamicamente construídos, temos um estímulo externo, capturado pela representação interna. Quando não houver condições de captura, teremos uma onda de sincronização que demonstrará: a) que houve a necessidade de superviniência de algum mecanismo em outro local para resolver o problema; b) houve o progressivo recrutamento de metarepresentações transitórias que envolvem manipulação voluntária e consciente.

Observa-se que há objetos que, mesmo tendo já uma suficiente representação interna, como dirigir um carro, podem ser conduzidos no modo automático ou, rapidamente, podem migrar para o modo voluntário.

Não seria interessante supor que haja dois sistemas distintos para representar o macroobjeto, ou objeto de 1a ordem guiar um carro, de maneira consciente ou não. Seria, ao contrário, interessante definir esse objeto como uma oscilação ou uma classe delas e supor que há alguma peculiaridade que faz com que haja captura no nível automático ou seja necessário o recurso ao voluntário-consciente, de maneira breve e sincronizada.

Defendo que os sistema nervoso deve manipular informação e criar representações, sendo o processo mais localizável e digitalizável/discretizável, tanto maior o nível de redução sensorial de um objeto. Tanto mais um objeto complexo apenas representa um espécime real/concreto, mais é localizável. Tanto mais se devem agregar informações sobre funções, memória, controle, etc., mais a informação temporal é fundamental e deve ser recrutada.

Se um objeto pode ser chaveado do modo automático para o voluntário e se o automático, em princípio, é mais primário, deve haver alguma peculiaridade em uma estrutura matemática que descreve a oscilação relativa a aquele objeto, tal que permita o mecanismo de chaveamento funcional.

Essa peculiaridade é um parâmetro de bifurcação. Toda vez que tivermos estabilidade estrutural teremos valores ordinários de parâmetros e, portanto, manipulação automática. Quando houver bifurcação, recrutaremos o modo seguinte, mais voluntário.

 



Oe

 

(Fig. 30: Mecanismo geral de chaveamento de informação para a primeira segregação funcional, temporalmente controlada)

 

Um sistema nervoso seria um sistema que utiliza de uma norma mista de representação de objetos, uma local e outra dinâmico-temporal. Objetos bem definidos teriam representação local. Relações bem definidas seriam a conexão entre dois objetos bem representados, através de uma conexão simples (mecanismo hebbiano primário). Porém, como o sistema requer representações muito mais complexas de novos objetos, de novas relações e de aspectos de memória, valor, etc. relativos aos mesmo objetos, há que ter uma representação dinâmica e uma norma de conexão dinâmica para esses objetos.

Pode-se supor que já existe, para além de uma topografia de objetos e funções no sistema nervoso, no nível do neurônio isolado e da conexão sináptica entre eles, um mecanismo que permite essa dupla leitura - local x dinâmico -, no que tange, tanto à representação do conhecimento, quanto ao desdobramento de relações entre objetos e delimitação de funções.

O neurônio isolado seria, para certos efeitos, locus de representação de alguma forma de objetualidade primitiva (chamemos de componente local de informação, no que diz respeito à classes de objetos primitivos para diferentes níveis) e locus de segregação de funções de controle, índice temporal fornecido pelo intervalo interespículas. Esse modo de análise dos modos de controle do objeto primário ou secundário constitui um objeto dinâmico-função.

No nível da sinapse, ocorreria o mesmo mecanismo anteriormente descrito para o neurônio e para o intervalo interespículas. Para certas funções triviais, teríamos uma conexão através de uma constante de multiplicação hebbiana de peso de conexão (norma local), porém, na verdade, como mostram trabalhos recentes, a sinapse também já serviria de primeiro locus de relação por faixa de sincronização, o que faria, da constante hebbiana, uma aproximação de uma distribuição de freqüências, com diferentes modalidades de controle envolvidas, para as diferentes freqüências. (Koch, 1997; O’Donovan e Rinzel, 1997)

De modo bastante esquemático, podemos então dizer que, em qualquer nível do sistema nervoso, achamos um mecanismo de captura para situações de representação completa e um mecanismo de sincronização para situações de representação incompleta, relações, alocação de mecanismos de controle, etc.

Para situações triviais, podemos aproximar o neurônio como representante de um objeto (concepção de Barlow) e a sinapse como vinculando uma constante de conexão entre dois objetos (norma hebbiana primária). Na verdade, o mecanismo diz respeito a uma distribuição temporal de representação de objetos para o neurônio, no que tange ao intervalo interespícula, e numa distribuição de freqüências, com diferentes faixas funcionais, na norma hebbiana de conexão entre neurônios (norma hebbiana secundária).

Tanto mais se está diante de situação de representação completa do conhecimento, tanto mais, o neurônio se aproxima da representação pontual do objeto, e a sinapse se aproxima da porta lógica, instanciando mecanismo traduzível através de regras lógicas que relacionam objetos-proposições.

Tanto mais estamos diante de conhecimento dinâmico, através de conjuntos de treinamento, mais colocamos a norma variável de conexão neuronal e mais um mecanismo dinâmico de formação de padrões, resultantes da variação dos pesos de conexão hebbiana entre os elementos (rede neural).

Progressivamente, vão-se evanescendo objetos e relações. O objeto, salvo aquele objeto primário sensorial, já é uma relação e, a relação, uma relação de relações. Tanto mais há representação adequada através de assembléias receptivas (campos receptivos complexos), tanto mais haverá captura em estágios posteriores, porém já com uma noção de objeto não mais local, mas dinâmico, de uma relação não mais simplesmente hebbiana local, mas sincrônico-sináptica. Tanto mais haja necessidade de recrutamento de níveis subseqüentes, tanto mais a relação se desinveste de sua característica de objeto e relação, para investir-se de características funcionais, entre as quais, a chamada manipulação voluntário- consciente, é a mais marcante.

O código temporal, expresso na ausência de captura e na sincronização através de uma faixa de freqüência posterior é um mecanismo que permeia todas as situações de aprendizado, risco e responsabilidade. A estrutura, por excelência, onde desembocam os erros gerados pela insuficiente representação do conhecimento, são os circuitos tálamo-corticais, onde se estabelece uma sincronização e uma solução consciente para o problema, como mostra a migração de uma onda sincrônica rostro-caudal, quando da realização de uma tarefa consciente. Se há uma suficiente representação do conhecimento, o cotejamento se dá com alguma forma de representação cerebelar (embora haja o concurso de áreas frontais (cíngulo, prefrontal, etc), porém sem a superviniência da vivência consciente.

Pode-se falar, então, de dois níveis extremos para a questão da representação e manipulação do conhecimento, todos eles se utilizando de um mesmo mecanismo de oscilação/sincronismo.

 



Oe



sinapse freqüencial

 

 

 

Oe

sincronização

 

 

 

 

(Fig. 31: Oscilação e sincronismo poderiam ser fontes de codificação e segregação de variedades controláveis no sistema nervoso central, desde o nível básico do neurônio e da conexão sináptico-freqüencial, até o circuito tálamo-cortical e sua sincronização na faixa gama, o que pode ser a última etapa de migração do erro que recruta o modo voluntário de controle)

 

 

 

6.1. Consciência e codificação temporal

 

Todas as tentativas até hoje empreendidas de reduzir o mental ao físico foram malsucedidas. O problema parece ser insuperável. Creio que, se olharmos para algumas peculiaridades do sistema nervoso, poderemos estabelecer uma estratégia que possibilite formular uma hipótese acerca da emergência de uma padrão mental numa arquitetura artificial. O procedimento que adoto é o seguinte:

 

  1. Transformar o mental em consciente.
  2. Transformar o consciente em controle voluntário.
  3. Estabelecer uma norma sintática de construção de objetos e relações no sistema baseada em oscilações e sincronismo.
  4. Para situações simples e de suficiente representação interna do conhecimento, postular um mecanismo de captura, tal que, a um dado evento externo, se tenha suficiente representação interna para manipulá-lo.
  5. Para situações de manipulação complexa, aprendizado, etc. estabelecer o deslocamento, via código temporal, tal que se possa desambigüizar o sistema através do recurso à um módulo subseqüente.
  6. O mental, nessa concepção, é o resultado da lenta ascensão de um classificador que segrega erros através do exame de desvios na ordem temporal de representação da informação.

 

Vamos procurar entender isso e procurar forjar um mecanismo tão amplo que possa ser aplicável a todo ser vivo, mas que tenha representado um salto no ser humano.

Se a segregação funcional, via código temporal, é um mecanismo que representa condição necessária para a consciência, temos esse mecanismo presente em toda a escala animal. Assim, teríamos consciência ou controle voluntário em toda escala animal? Sim e não. Sim, porque não há nada de absolutamente novo no ser humano, senão o arranjo da arquitetura e o acréscimo de unidades processantes; não, porque a quantidade de situações com que os outros animais se defrontam é infinitamente mais simples que aquelas do ser humano.

Para efeito de situações bem conhecidas a norma de representação é pontual, o neurônio e a assembléia aproximam o modelo Barlowiano, a conexão é hebbiana primária, através de uma constante. A descrição é perfeitamente capturável por sistemas de IAS ou IAC.

Situações de extrema complexidade, entre as quais o protótipo é a própria emergência de qualquer padrão consciente numa arquitetura artificial, requerem que o mecanismo local se torne dinâmico, que, a concepção de representação local de Barlow do neurônio, se acresça de uma norma temporal de exame de informação relevante no intervalo interespícula, e que a sinapse se torne uma distribuição de freqüências, com diferentes funções (hebbiano secundário).

Aquilo que parece aleatório, ou ruído, ou desinteressante porque aproximável linearmente na geração do potencial de ação, da conexão sináptica, na verdade contém informação relevante se olhado por outra ótica. Para certos eventos estocásticos no sistema nervoso, quando se muda a janela de tempo, percebe-se uma flutuação com vinculação determinística entre os eventos. (Fujii et al, 1996)

Para efeito de situações conhecidas e de aprendizado trivial, temos muito mais a ganhar utilizando o neurônio como locus de objetos e a sinapse como locus de relações, todas elas bem delimitadas. Mais ainda, se há que variar, vamos progressivamente variar a questão das normas de relação entre objetos e a conexão constante entre eles, tal fosse uma rede neural. Porém, a segregação funcional requer mais: para que entendamos a segregação de funções dinâmicas no cérebro humano, não basta que agreguemos loci de manipulação, tais como lobo frontal/ controle voluntário, sistema límbico/emoções, hipocampo/ memória de curto termo. É preciso perguntar se, a cada objeto representado, não há uma função mental agregada, uma informação suplementar contida no eixo temporal, quer do processamento dendrítico, do potencial de ação, quanto da norma de ligação sináptica entre neurônios.

Creio que a pergunta acerca do binômio controle voluntário e automático é uma primeira grande separação entre modos de processamento de objetos semelhantes. A estrutura matemática que descreve a representação de um objeto dinâmico complexo, por exemplo guiar um carro, seria a mesma. Para certos valores de parâmetros, não haveria captura entre uma situação externa e outra representação interna, chaveando o sistema para uma unidade suplementar que manipularia a informação, de acordo com uma sincronização de estilo faixa gama.

A sincronização carregaria, no nível simples, informação digitalizável e entidades bem específicas, tal fosse uma linha telefônica carregando voz entre dois conversadores. Porém, para certos mecanismos mais complexos, a sincronização e a modulação carregaria toda a dinâmica de construção de um atrator que não é capaz de estabilizar na situação anterior mais simples.

A mente, mais que um processo de manipulação de objetos, é a confirmação do lento recrutamento de unidades para a forja de objetos complexos, eles também relações, e para a discriminação possível de classes de funções para esses objetos. Tanto mais unidades são recrutadas no afã de forjar uma sincronização que resolva o problema, mais o processo é consciente/voluntário. Tantas mais unidades recrutadas, mais o sistema adquire a propriedade de auto-inspecção (sensação subjetiva de unidade consciente). A função da consciência seria, nesse modelo, desambigüizar o problema, criando-lhe, o mais rápido possível, uma representação tal, que o modo automático possa manipulá-lo futuramente. O mecanismo de manipulação automático é local com representação interna e com captura de fase, o que redunda em verificar o mecanismo já apontado por Eckhorn et al, 1992.

Toda propagação de um erro que não é capaz de ser capturado por unidade de representação de um problema, gera cada vez maior "quantidade" de consciência (às vezes, estados intermediários, como no caso da manipulação semântica sem consciência vivida: priming, por exemplo).

Portanto, a consciência emerge progressivamente, à medida que os objetos são complexificados e a codificação temporal, tanto no nível dos potenciais de ação, das sinapse e das assembléias, insere uma fonte de codificação não-local descritível através de um sistema dinâmico. Pelo concurso de etapas subseqüentes de processamento, vai-se refinando a representação do problema em algum nível e sincronizando com o nível subseqüente, no afã de possibilitar a tomada de decisão (ou solução do problema).

Vamos procurar descrever em termos de se...então... o processo de lenta construção de uma cadeia consciente de controle voluntário.

 

Seja um objeto externo A que deve ser reconhecido.

O módulo 0 tem uma representação adequada de A. Se tem, A é capturado ali mesmo. Se não tem, deve construí-la, através de uma sincronização de aspectos de A (tipo binding) e transferi-la através de uma faixa de freqüência.

Se o objeto A é não reconhecível neste nível, gera-se uma transferência do problema para o nível da construção de um cotejamento de A com algum A de ordem superior. Se houver, na ordem 1, objeto dinâmico com uma representação próxima de A, o sistema proporciona a captura. Porém, com algum grau de semantização, o que redunda em que – o objeto sendo dinâmico - já houve algum exame da codificação, não meramente local, e portanto a segregação de brotos de consciência e controle voluntário, que parecem ser os mecanismos de priming, blindsight, e síndromes dissociativas, etc. (Del Nero, 1997)

Se não houver adequada representação de A neste nível, recruta-se um terceiro nível em que se dará uma aproximação-estimativa de uma representação de A. Enquanto se estiver ajustando representações possíveis, o A obtido e o A sugerido pela consciência farão um mecanismo de sincronização que a) tenderá a resolver o problema do reconhecimento e também decisão, justificação; b) tenderá a manter o indivíduo atento, ocupado, porém processando mais lentamente a informação. Uma vez bem sucedida a representação consciente do problema, tenderá a haver mecanismo que ajuste representações internas no nível anterior, tal que o objeto para todos os efeitos seja passível de ser manipulado no modo automático da próxima vez. Bem entendido, no automático, mas com forte apelo consciente. Toda vez que houver uma insuficiente representação ou perigo ou responsabilidade, teremos um chaveamento para o concurso do módulo de ordem 2. Ai teremos consciência dirimindo o problema, decidindo, controlando voluntariamente, e ainda tendo a vivência de ser consciente, tantos são os módulos envolvidos no processo (os conteúdos são A*s, B*s e R*s). Para situações de controle sobre o nível anterior, talvez haja uma sincronização de tipo R**, responsável tanto pela ressonância de circuitos tálamo-corticais, quanto pelo scanning de mecanismos atencionais (para não citar funções de gating, memória, etc.).

Tanto mais o cenário de ação do ser humano se tornou cambiante e a interação polissêmica, tanto mais se teve que:

 

  1. equipar o sistema com uma linguagem de comunicação econômica (linguagem ordinária), que bem aproxima o neurônio-objeto e a sinapse relação lógica-constante, devidamente capturada pela ordem descritiva do mundo;
  2. equipar o sistema com mais unidades processantes (neocórtex);
  3. equipar o sistema com mais ênfase no processo de codificação temporal e exploração de elos de causalidade no que parecia aleatório, para que o módulo subseqüente pudesse executar a tarefa de estabelecer parâmetros de representação transitória, aprendizado e correção retrógrada sobre os níveis automáticos de representação do problema, devidamente capturada pela ordem prescritiva do mundo.

 

O cérebro tinha, então, todas as complexidades requeridas que atrapalham o sistema simples, mas que são condições para o surgimento do mental: processamento analógico (em lugar da sua simplificação digital), sincronização com transmissão de atratores (reconstrução do sinal) e não simplesmente transmissão de objetos bem conhecidos, maior capacidade de processamento (neocórtex), linguagem e, finalmente, um discurso cambiante no que diz respeito aos cenários mutáveis da cultura e da comunicação interpessoal, bem como a necessidade de fazer parear um discurso de ação e um discurso sobre o valor da ação (base da moral).

Com isso tudo, o recurso à norma temporal, tanto para dendritos, potenciais de ação, sinapse e sincronização entre módulos, representa complicação de processamento, mas significa a possibilidade de manipulação mental-consciente-voluntária de algo que tem riqueza para forjar identidade e cultura, além de sujeito mental, vivência e a estipulação de possíveis representações (sempre lingüísticas), embora a vivência advenha da transição de fase de tantas unidades processantes e a estipulação lingüística seja uma aproximação discreto-digital-lógica da dinâmica temporal-sincronizada que reclama por um objeto automático.

 

 

6.2. VONTADE E CONTROLE

 

 

Os experimentos de Libet, mostrando a existência a de eventos que precedem a consciência de um ato voluntário devem ser motivo de investigação no modelo apresentado. De maneira geral, entendo que o artifício da consciência e, portanto de alguns predicados a ela ligados, como a vontade e o chamado livre-arbítrio, não são incompatíveis com um sistema determinístico, embora talvez sejam com relação a um sistema mecânico.

Na minha formulação para o problema, há apenas um canal de ligação com o mundo, quer nos procedimentos de sensoreamento, quer nos movimentos de ação motora sobre o meio. A mente, e por conseguinte a consciência, surgem progressivamente como módulos supervinientes de desambigüização de certos problemas (processo de tomada de decisão). Não operam diretamente sobre os sentidos ou sobre os atos motores. Ao contrário, apenas sincronizam com representações inferiores do problema, de tal sorte a criar-lhes solução. A consciência, enquanto vivência, surge do recrutamento sucessivo de módulos de processamento de informação, tal fosse uma transição de fase do sistema que se atualiza. Enquanto função, a consciência enceta a progressiva convergência de séries temporais que representam um problema. Enquanto conteúdo, devido ao concurso de séries fortemente ligadas à linguagem, parecem-se, os conteúdos mentais, com os elementos intuitivos e referentes da linguagem ordinária (elemento absolutamente dependente de submersão num certo sistema e numa determinada visão de mundo no sentido cultural). Enquanto forma, que sustenta o processo consciente, está a possibilidade de rescrever o problema através de determinados operadores, de tal sorte a sincronizar a ação ou percepção presumida e sua redescrição consciente. (Del Nero, 1997)

O papel da consciência seria monitorizar esses estados não convergentes do plano automático, criando-lhes representação completa, para que possam ser manipulados no modo automático ou, então, simplesmente, no decurso da ação, criando-lhes uma vínculo de controle, inibindo-os ou ratificando-os.

O papel da consciência é, assim, monitorizar os estados não convergentes e dar-lhes uma solução definitiva ou aproximada. A gênese da ação ou da percepção sempre se dá abaixo da consciência. Sua corroboração, controle, abortamento ou reforço é que são atos do nível consciente, vivenciados como vontade ou liberdade e com poderes de retroagir sobre o nível inferior, controlando-o. A mente é, assim, controle sobre a ação e sobre a percepção, o que não redunda ser ela a depositária da gênese da ação ou da execução da mesma, o que sempre se dá pelos módulos inferiores, não-conscientes.

Uma segunda ordem de considerações diz respeito a ausência de controle do módulo dito voluntário-consciente sobre os inferiores. Nessa situação podemos ter uma desequilíbrio transitório, o que talvez seja a explicação do sonho e, quando robusto, a explicação das psicoses, que tem forte componente de falha de controle do lobo frontal e de patologia da vontade.

CÉREBRO + SIST. NERVOSO

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 32: Três níveis de controle)

 

SENSOREAMENTO e AÇÃO

"objeto reflexo" no cérebro

 

"objeto automático" no cérebro

 

 

 

"objeto voluntário" na mente

 

 

 

(Fig. 33: A constituição dos objetos controláveis na mente e os objetos do mundo: a mente como constituição/reconstrução dinâmica de um padrão não-trivial que a ela se apresenta)

 

 

Nas Figuras 32 e 33 está a síntese do modelo de sistema nervoso. Os objetos do mundo, ainda em forma bruta, são recortados de acordo com três fôrmas: reflexo, automático e voluntário. O processo de recorte é progressivamente dinâmico, à medida que há decisão, risco, responsabilidade, valor, insuficiência de representação, etc.

A consciência, antes de artífice dos planos, á a instância de controle sobre planos não-convergentes ou triviais, gerados no nível de controle automático, canal de sensoreamento e ação sobre o mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 7

 

 

MODELO DE CONTROLE VOLUNTÁRIO BASEADO EM MALHAS DE SINCRONISMO DE FASE

 

 

 

Este trabalho constitui um ensaio teórico acerca de um mecanismo geral de funcionamento de um sistema nervoso, que se utiliza da codificação temporal de objetos dinâmicos, como forma de representar situações de sensoreamento, ação e auto-inspecção. A mente humana, particularmente a consciência - e nela o controle voluntário - parece representar a superposição progressiva de etapas de processamento de informação com vistas a eliminar instabilidade estrutural nos níveis inferiores. Para isso, o cérebro computa sobre topologias toda vez que, diante de algo, se apresenta a instabilidade estrutural, valor de bifurcação e, portanto, alteração topológico-qualitativa no espaço de estados.

A vivência agregada à consciência, parece-me irredutível a qualquer teoria física, tratando-se de propriedade emergente de recrutamento sucessivo de múltiplas unidades neurais.

Como objetos são representados através de oscilações de neurônios ou de conjuntos deles e como a dinâmica de representação de classes objetos pode ser traduzida, em princípio, por uma classe de oscilações, sendo a relação entre esses objetos-oscilações de tipo sincronismo, escolhi um modelo para representar uma mínima entidade cognitiva, isto é, uma mínima entidade capaz de fazer o chaveamento de controle automático para voluntário, mecanismo que, a meu ver, traduz a norma geral de propagação de erro no sistema até que se alcance alguma etapa em que haja suficiente representação do problema para que ocorra "decisão".

O modelo escolhido se baseia em malhas de sincronismo de fase, o que chamo de "átomo cognitivo", ou mínima unidade capaz de executar o chaveamento em questão.

Claro que não pretendo estar, com isso, modelizando necessariamente um neurônio no contato com outro, nem a complexidade das interações tálamo-córtex-cerebelo, mas apenas sugerindo um mecanismo determinístico, baseado em oscilações e sincronismo, que opere de maneira a fazer com que bifurcações sejam condições necessárias - e, portanto, executando uma forma de computação lato sensu, de tipo chaveamento, diante de alteração topológica no espaço de estados -, para que uma malha subseqüente assuma a função de sincronizar no erro da anterior.

Como explicamos, logo no início do trabalho, ao se reduzir o problema da mente ao problema do controle voluntário e, o processamento de objetos e relações, a uma norma dinâmica de constituição de objetos por oscilações e relações, como sincronização entre elas, pode-se criar um modelo teórico de redução do mental-consciente ao físico-cerebral, através de uma classe de funções que, não apenas têm localização (topografia), mas, sobretudo, se valem da dinâmica temporal, para caracterizar partições de tipo "modo de controle".

A mente, nesse sentido, é um modo de controle sobre a ação, que se utiliza da instabilidade estrutural no nível inferior, o que significa a existência de valor de bifurcação em algum parâmetro, para operar a decisão sobre a ação. A ação e a percepção são sempre não-mentais, cabendo à consciência o controle sobre variedades não-estáveis de processamento no nível automático.

 

 

7.1. Introdução ao modelo

 

Malhas de sincronismo de fase (PLL-phaselock-loops) são mecanismos que têm sido usados em comunicações e controle, de maneira a detectar a fase e freqüência de sinais, propiciando sincronização entre diferentes fontes periódicas, em um circuito ou em uma rede. (Piqueira et al, 1995)

O estudo dessa malhas mostra que elas podem apresentar uma gama variada de comportamentos, dependendo de parâmetros e da entrada (Piqueira, 1997).

PLLs de 3a ordem detectam aclerações de freqüência (g ) e se podem notar três estados qualitativos principais, à medida que g varia. Para valores altos de g , a captura é impossível, devido à rápida variação das freqüências de entrada. À medida que g decresce, ocorre uma bifurcação sela-nó (Guckenheimer e Holmes, 1983), surgindo um ponto de equilíbrio assintoticamente estável. Quando g passa por uma valor crítico, ocorre uma bifurcação de Hopf, surgindo um ciclo-limite perto do ponto de equilíbrio que se torna instável.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7.1.1. A malha de sincronismo (PLL)

 

O arranjo clássico de um PLL trabalha sincronizando o sinal externo vi(t) com um oscilação local vo(t)

 

 

Vi Ve



 

 

 

 

V0 Vc

 

 


 

 

 

 

P.D.: Phase Detector (Detector de fase)

F: Filtro passa baixa

VCO: Voltage controlled oscillator (oscilador controlado por tensão)

 

(Fig. 34: Esquema clássico de um PLL)

 

 

Chamando q i(t) a fase de vi(t) e q 0(t) a fase de v0(t), o sinal de erro dinâmico ve(t) é dado por:

com Kd sendo a constante do detector de fase.

 

O sinal ve(t) passa pelo filtro produzindo vc(t) dado através de:

com f(t) sendo a resposta impulso do filtro.

 

A saída do filtro vc(t) controla a fase q 0(t); combinando (1) e (2) pode-se escrever:

 

 

 

de tal sorte que, a dinâmica é descrita pela equação (3) e se pode
observar que, a ordem do PLL, excede em uma unidade a ordem do filtro.

As malhas de 2a ordem, caso autônomas, apresentam sempre tendência à sincronização e a comportamentos assintoticamente estáveis, embora suas respostas transitórias possam ser lentas.

O uso de PLLs com n > 2 leva a respostas transitórias mais rápidas do que as dos PLLs de 2a ordem introduzindo, entretanto, a possibilidade de aparecimento de oscilações auto-sustentadas isoladas (ciclos-limite). (Piqueira, 1997, p.10)

7.2. Modelo de um "átomo"cognitivo

 

A idéia que norteia o acoplamento de dois PLLs na tentativa de mostrar, via bifurcações, o chaveamento do modo automático para o voluntário é a seguinte:

 

  1. O processamento automático é complexo, porém não requer consciência (ou controle voluntário), salvo seja instável.
  2. O processamento consciente deve ser capaz de dirimir qualquer dúvida surgida no plano automático, por ausência de representação suficiente.
  3. Embora o modelo não contemple esse passo, o sistema voluntário deve sincronizar com um sinal vindo do automático e encetar, no futuro, a correção de representação do nível automático, tal que o problema possa ser resolvido posteriomente por ele.
  4. O PLL que apresenta bifurcações bem documentadas é o de 3a ordem. Por isso escolhe-se o PLL de 3a ordem para representar o processamento automático, o que equivaleria dizer, como vimos antes, que esse PLL de 3a ordem está, grosseiramente, representando um neurônio ou o complexo tálamo-cerebelo na execução de uma ação em que há uma representação interna (fase interna) e um estímulo externo (fase externa). Esse PLL pode capturar o estado síncrono ou, então, apresentar bifurcações, o que redundaria em alimentar o segundo PLL com um sinal que é o seu erro. O segundo PLL será de 2a ordem pelo fato de querermos que o processo voluntário seja, muito mais que complexo, um processo ou instância decisória definitivo. Bem certo, o PLL de 2a ordem, quando autônomo, capturaria o estado síncrono, porém, no caso da conexão com o PLL de 3a ordem, o sistema passa a ser um PLL de 2a ordem forçado.
  5. O PLL de 2a ordem, alimentado com o erro do primeiro, poderá então seguir as seguintes direções: a) em caso de suficiente repreentação do problema externo, o primeiro PLL captura o estado síncrono e o erro enviado para o segundo PLL é zero; b) o erro enviado para o segundo PLL é periódico e ele sincroniza nesse erro como se fosse o mecanismo de sincronização em faixa gama que vimos anteriormente; c) o erro enviado para o segundo PLL é aperiódico e, forçado por um erro aperiódico, pode não capturar o estado síncrono.

 

Temos, portanto, o modelo de um "atomo cognitivo" definido por dois PLLs, o primeiro de 3a ordem e o segundo de 2a ordem. Grosseiramente, temos a execução de 4 "funções mentais" coordenadas por um código temporal, representado aqui pela derivada da fase relacionado a um determinado objeto complexo.

 

 

 







 

 

 

(Fig. 35: Átomo cognitvo ou mínima unidade processante de controle voluntário x automático através de sincronização)

 

 

 

 

Os comportamentos possíveis, segundo o modelo, são os seguintes:

 

PLL de 3a ordem

PLL de 2a ordem

controle automático

captura o estado síncrono

nada ocorre

controle voluntário

não captura o estado síncrono

sincroniza no erro

distúrbios

(psicose)

não captura o estado síncrono

não captura o estado síncrono

sonhos

não captura o estado síncrono

não captura o estado síncrono

(Tabela 4: Comportamentos possíveis dos dois PLLs conectados no "átomo cognitivo e respectivas interpretações de função e controle)

 

O esquema de conexão entre os dois, em diagrama em blocos, é o seguinte:

 








7.3. Equações para o "átomo cognitivo"

 

 

7.3.1. Malha de 3a ordem (PLL de 3a ordem) (Piqueira et al, 1995)

 

Chamando q i(t) a fase de vi(t) e q 0(t) a fase de v0(t), a saída do sinal do multiplicador P.D. é dada por:

 

  1. Vd(t)=kdsen(q i-q 0)

 

O sinal Vd(t) passa através de um filtro F, gerando Ve(t) que controla a fase q 0(t) como:

Considerando F como um integrador de 2a ordem com função de transferência F(s) dada por:

 

Combinando as equações (4); (5) e (6) e definindo o erro de fase (j ) como a diferença entre q i e q o, a equação para a malha toda fica:

Reescalando a variável de tempo através de

e definindo m 1=a/k0kd e m 2=b/(k0kd)2

a equação (7) pode ser reescrita usando a variável de tempo t como

A fase do sinal de entrada será escrita como um polinômio de 3a ordem, de maneira a considerar as acelerações de freqüência.

Substituindo (9) em (8), temos:

 

 

 

7.3.2. Malha de 2a ordem

 

A dedução desta equação é clássica e está feita em Viterbi(1966) e Piqueira (1987).

 

Assim que ela é do tipo

7.3.3. Malhas acopladas

 

Nessas condições, a equação das malhas acopladas, representativas do átomo cognitivo, fica:(Piqueira,1997 no prelo)

 

 

7.4. DINÂMICA DO ÁTOMO

 

A equação (12), relativa à dinâmica do átomo, é independente da equação (13) e sua dinâmica depende, exclusivamente, do ganho da malha m 21 , da constante de tempo do filtro (m 11) , e da constante g relativa ao sinal de entrada.

Nessa equação existe a possibilidade de aparecimento de duas bifurcações: uma sela-nó e uma Hopf, conforme se mostra a seguir:(Piqueira et al, 1995, pp 349-350)

De maneira a estudar as bifurcações referidas na equação (10), vamos lançar as seguintes suposições:

- j pertence ao intervalo (-p , p ]

Assim, definindo as variáveis de estado:

as equações de estado ficam

(13)

 

Os pontos de equilíbrio para a equação (13) são da forma:

 

e, dependendo de g e de m 2, o sistema pode

 

  1. não ter pontos de equilíbrio;
  2. ter um ponto de equilíbrio não hiperbólico;
  3. ter dois pontos de equilíbrio hiperbólicos.

 

Precisamente, nas seguintes condições:

 

g > m 2 Þ não há pontos de equilíbrio

 

g = m 2 Þ há um ponto de equilíbrio hiperbólico

 

g < m 2 Þ há dois pontos de equilíbrio hiperbólicos

 

Isso nos permite construir o diagrama de bifucação sela-nó mostrado a seguir:

(Fig. 36: Diagrama de bifurcação sela-nó no PLL)








A bifurcação de Hopf está relacionada à mudança de estabilidade de um ponto de equilíbrio, aparecendo para alguma combinação de parâmetros na situação de g < m 2

Nessas condições, existem dois pontos de equilíbrio:

 

tais que:

 

A estabilidade desses pontos pode ser estudada através da linearização em torno deles, construindo-se, para isso, o Jacobiano J, que é dado por:

 

O polinômio característico para J fica:

 

As raízes de P(l ), cujos sinais determinam a estabilidade dos pontos de equilíbrio, podem ser estudadas utilizando-se o critério de Routh-Hurwitz , construindo-se a matriz R para P(l ):

 


Observando os elementos da 1a coluna de R, pode-se concluir que x’ é sempre instável , considerando que cosx1’<0 e, portanto, há mudanças de sinal nos elementos da 1a coluna de R.

O ponto x, tal que cosx1 > 0, implica que a estabilidade depende do sinal do termo g(m 1,m 2,W )=m 1cosx1-m 2



Se g(m 1,m 2,W ) é positivo, x é assintoticamente estável e se g(m 1,m 2,W ) é negativo x é instável. Portanto, g(m 1,m 2,W )=0 implica numa bifurcação de Hopf.

 

Escrevendo g(m 1,m 2,W ), temos:

 


Observando-se a equação (9), pode-se construir um diagrama de bifurcação de Hopf para o ponto de equilíbrio x, de acordo com a figura seguinte:


 






 

 

 

 

 

Combinando os diagramas de sela-nó com o de Hopf, podemos construir o seguinte diagrama: (Fig. 37: sela-nó + Hopf)

g 2



m 12/2
III

m 12/4




II

I

m 12/2 m 12

 

A equação (13) é dependente da equação (12) pois sua entrada é uma combinação dos erros de fasee freqüência da primeira malha

Com a malha de 3a ordem operando nas condições da região I, os valores assintóticos de

são nulos e a equação (13) se reduz a:

E, portanto, o sistema fica, no limite quando t ® ¥ , completamente sincronizado.

Com a malha de terceira ordem operando nas condições da região II, seu erro de fase crescerá a uma taxa constante. Entretanto, a malha de 2a ordem acompanhará esse sinal de erro, sincronizando-se com ele e dando ao processo cognitivo maior riqueza de situações possíveis, pois as malhas não autônomas de 2a ordem, de acordo com as combinações de parâmetros podem apresentar grande diversidade de comportamentos: pontos de equilíbrio, oscilações auto-sustentadas e caos. (Piqueira, 1987, tese de doutorado).

Com a malha de 3a ordem na região III, os erros de fase tendem ao infinito, com derivadas variáveis, fazendo com que a malha de 2a ordem não tenha referência para sincronismo.