COMPUTAÇÃO TOPOLÓGICA

E

CONTROLE VOLUNTÁRIO

EM

ARQUITETURAS NATURAIS E ARTIFICIAIS

 

 

 

candidato: Henrique Schützer Del Nero

orientador: Prof. Dr. José Roberto Castilho Piqueira

 

 

tese apresentada ao Departamento de Engenharia Eletrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo como parte dos pré-requisitos para obtenção do título de doutor em engenharia.

 

 

 

 

 

 

1997

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para o amigo José Roberto Castilho Piqueira, exemplo de professor, que soube compreender minhas limitações, ensinando-me o que pode, num esforço interdisciplinar ainda raro em nosso meio.

A universidade, tanto em seu papel científico, quanto no moral, se engrandece com pessoas como ele.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

Resumo (p. 5)

Abstract (p. 6)

  1. Controle Voluntário e Consciência (p. 7)
    1. Consciência: função, forma, conteúdo e vivência (p. 15)
      1. Objetos conscientes e classes de oscilações (p. 16)
      2. Modelos de relação cérebro-mente (p. 20)

1.2. tipos de processamento cerebral (p. 23)

1.3. Consciência: sinais e símbolos (p. 28)

2. Sintaxe e Semântica: a insuficiência dos modelos atuais (p. 31)

2.1. Representação, intencionalidade, proposição e símbolos (p. 41)

2.1.1. Ambigüidades de definições (p. 42)

2.2. Múltipla instanciabilidade e níveis de descrição (p. 50)

3. Computação e Cognição (p. 52)

3.1. Computação stricto sensu (p. 54)

3.2. Computação lato sensu (p. 67)

3.3. Cognição (p. 71)

3.3.1. Apriorismo mental subjetivo (p. 72)

3.4. Dilemas computacionais e cognitivos (p. 78)

3.5. Dinâmica Cerebral (p. 82)

3.5.1. Objetos dinâmicos cérebro-mentais (p. 83)

      1. Equivalência sinonímica e intencionalidade (p. 86)
      2. O estatuto da linguagem e dos estados (p. 91)

4. Dinâmica Cerebral e Controle (p. 100)

4.1. Neurônios e sinapse: formas possíveis de dinâmica e codificação (p. 102)

4.2. O neurônio como fonte de oscilações: o paradigma localizacionista e a alternativa dinamicista (p. 112)

4.3. A sinapse como elemento de relação local ou temporal (p. 117)

4.4. Controle e codificação temporal (p. 128)

5. Controle voluntário e Sincronismo: duas modalidades biologicamente plausíveis (p. 139)

5.1. Possíveis classes funcionais segregadas por sincronização (p. 153)

5.2. Classes de funções (p. 163)

5.2.1. binding perceptual (p. 164)

5.2.2. atenção (p. 164)

5.2.3. consciência (p. 165)

5.2.4. controle voluntário, memória, gating, matching (p. 170)

5.2.5. janelas de tempo, marca-passo, ritmos não-mentais (p. 174)

5.3. Controle voluntário: anatomia funcional (p. 176)

6. Esboço de uma teoria da mente (p. 181)

6.1. Consciência e codificação temporal (p. 194)

6.2. Vontade e controle (p. 200)

7. Modelo de Controle Voluntário baseado em malhas de sincronismo de fase (p. 204)

7.1. Introdução ao modelo (p. 206)

7.1.1. A malha de sincronismo (PLL) (p. 207)

7.2. Modelo de um "átomo cognitivo" (p. 209)

7.3. Equações para o "átomo cognitivo" (p. 213)

7.3.1. Malha de 3a ordem (p. 213)

7.3.2. Malha de 2a ordem (p. 215)

7.3.3 Malhas acopladas (p. 215)

7.4. Dinâmica do átomo (p. 215)

7.5. Simulações (p. 222)

conclusões (p. 244)

Referências Bibliográficas (p. 247)

RESUMO

 

A distinção entre formas de controle no sistema nervoso central – voluntário e automático – não tem sido tratada como forma de abordagem das arquiteturas artificiais que exibem cognição, nem tem sido utilizada como artifício de solução para o problema cérebro-mente em sistemas naturais.

Este trabalho procura estabelecer um elo possível de redução do mental ao físico, tomando, para isso, a consciência como elemento crucial dos sistemas genuinamente cognitivos. Recentes dados científicos a esse respeito indicam que oscilações de neurônios isolados e de assembléias deles, seguidos de sincronização entre diferentes fontes, pode ser um mecanismo universal de geração de relações que respondem, desde a formação de objetos perceptuais, até a geração de consciência e controle voluntário sobre as ações.

Parte-se assim da suposição de que, se objetos são representados sob a forma de oscilações, há alguma peculiaridade na estrutura matemática que descreve o conjunto dessa oscilações, tal que o sistema reconheça quando deverá chavear para o modo voluntário ou quando deverá se manter no modo automático.

Adotando-se a Teoria de Sistemas Dinâmicos como ferramenta teórica de descrição de objetos-oscilações, supõe-se ser a existência de instabilidade estrutural no nível da equação - e portanto bifurcação no espaço de parâmetros -, o que determina o roteamento de informação para o modo voluntário de controle. Com o tempo, principalmente através do aprendizado, o sistema ajustará seus parâmetros, de tal sorte a propiciar que se controle aquele objeto-problema-relação no modo automático.

A consciência e sua variedade de controle voluntário computariam assim sobre mudanças de topologia no espaço de soluções de um objeto, deixando, para o modo automático, o controle quantitativo, descrito por estabilidade estrutural.

O modelo proposto (átomo cognitivo) se baseia, acorde com as noções de oscilação e sincronismo, em malhas de sincronismo de fase (PLL). Conectam-se duas malhas, uma de terceira ordem (na qual já se demonstrou ocorrer uma bifurcação Hopf) e outra de segunda ordem. O modelo teórico assim desenhado permite identificar, com a primeira malha, o controle automático sobre a ação e o recrutamento da segunda quando, na bifurcação de Hopf e na alteração topológica do erro de saída da primeira malha, captura o estado síncrono do erro da primeira, tal estivesse realizando um controle voluntário sobre o que a porção automática não foi capaz de resolver.

termos-chave: cognição, consciência, controle voluntário, oscilação/sincronismo, bifurcações, ciência cognitiva

 

 

 

 

ABSTRACT

 

The distinction between different control forms in the Central Nervous System – voluntary and automatic – has not been treated as a tool to approach artificial architectures that might show real cognition, nor has been used to deal with the mind-brain problem in natural systems.

This work tries to establish a reduction-link between the mental and the physical, assuming that consciousness is the crucial element of any genuinely cognitive system. Recent data indicate that oscillations of isolated neurons, or assemblies, followed by synchronization between different sources, might be a general mechanism for generating relations in the brain, that spread from object synthesis (binding) till consciousness and voluntary control over action.

Assuming that objects are represented by oscillations, there might be something in the mathematical structure that describes these set of oscillations, in order to allow the system to recognize when it has to switch its mode to the voluntary mode or when it is possible to handle the task automatically.

Using the Dynamical Systems Theory as a tool for the description of object-oscillations, it is supposed that structural instability at the equation level – due to a bifurcation in the parameters space – is what determines the information routing to the voluntary mode. Through learning, the system will set parameters in order to allow, in the future, that the present problem is apt to be handled automatically.

Consciousness and its predicate, voluntary control, might compute over topological shifts in the space of solutions of an object, leaving for the automatic mode, all the quantitative adjustments.

The model I propose is based on phaselock-loops (PLL). Connecting two PLLs, one might assume that the first is able to perform automatic control. Whenever it occurs a bifurcation in the first PLL, the second synchronizes with the error that is continuously fed to it, allowing the system to converge to a solution. The second would roughly work as if it was performing voluntary control.

key terms: cognition, consciousness, voluntary control, oscillations/synchronization, bifurcation, cognitive science.

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 1

CONTROLE VOLUNTÁRIO E CONSCIÊNCIA

 

Este trabalho procura tratar de um dos mais complexos problemas do conhecimento: a mente humana. Além de trabalho para médicos ou biólogos, mente e cérebro constituem o binômio mais intrigante e rico da ciência, devendo interessar a toda e qualquer área.

Sobre esse par devem se debruçar muitas áreas. Por quê? Porque a mente é rica e complexa e também o cérebro. A primeira detém uma gama variada de propriedades, desde à detecção e controle sobre o ambiente e sobre o corpo, até a operação intermediária geradora de representações, de memória, de pensamento, de vontade, de atenção, de juízo e, finalmente, de anomalia. O cérebro, por outro lado, rico de células especializadas - neurônios -, mantém conectividade extrema entre elas, gerando potenciais locais, potenciais de ação, modulações em freqüência e um sem-número de outros meios de codificação que persistem, ainda hoje, inexplicados quanto à relação objeto/código.

No cérebro somente há sinais elétricos. Na mente somente há imagens que desfilam num palco de acesso privado ao sujeito. Entender a relação entre esses dois sistemas, duas facetas de um só coisa, é tarefa para as ciências biológicas e também para as ciências exatas e humanas. Não somos só sinal elétrico, nem matéria viva, nem biografia.

Somos a um só tempo sinal complexo, imagem complexa e sujeitos complexos.

Minha contribuição ao estudo do problema enfocará o controle voluntário sobre a ação. Fenômeno puramente biológico, não me parece ter jamais sido tratado nas arquiteturas artificiais. Ninguém fala de controle voluntário numa máquina. Em seres humanos, no entanto, é trivial distinguir dois planos de controle: o voluntário e o automático.

O controle voluntário normalmente é lento, atento, sujeito a treinamento e aprendizado. O controle automático, ao contrário, é rápido e, no mais das vezes, não sujeito a correções conscientes.

Pois bem, não se costuma perguntar quando uma máquina, computador por exemplo, está executando alguma tarefa complexa no modo voluntário ou no modo automático. A distinção pareceria desnecessária, antropomórfica, impregnada de um vocabulário estranho às ciências exatas, não fosse o fato de termos boas razões para crer que a distinção está na base de um dos mais intrigantes aspectos da mente: a consciência. Ela, ao contrário de objeto nomeado pelo devaneio humanista, é um modo de processamento de que cérebros lançam mão para executar algumas de suas tarefas. Entender, portanto, o que significa consciência à luz de um estilo cerebral de processamento requer que façamos um complicado percurso.

Primeiramente, deveremos entender que todas as razões possíveis de enumerar-se para qualificar a mente não são suficientes, mas apenas necessárias. Não se define mente ou consciência como complexidade, porque também os processos não-conscientes são complexos. Não se define consciência como precisão ou controle ou auto-inspecção, porque também os processos não-conscientes são capazes de exibir essas facetas.

Definir mente enquanto inteligência ou pensamento é pouco porque nem só de inteligência fazemos nossa vida mental, nem tampouco de pensamento. Definir, por outro lado, como querem alguns, a mente como representação ou como manipulação de símbolos ou como aparato de processamento de informação, somente enevoa o panorama se não se entender previamente o que se está entendendo por representação, símbolo, informação ou processamento desta.

Quaisquer definições do que é mente ou consciência padecem da inserção de propriedades estranhas ao conjunto de objetos e relações que uma ciência cerebral admite. Pergunte-se acerca da temperatura de um objeto. Embora se possa fazer tal aferição no âmbito da mecânica clássica, deve-se adaptar o vocabulário de primitivos dessa mecânica, em que, em um primeiro instante, não ocorre o termo "temperatura". A termodinâmica, assim, embora clássica, significa uma adaptação da mecânica, tal que se possa falar de uma grandeza - temperatura - antes não definida. Da mesma forma há propriedades (traduzidas por termos teóricos) que requerem um nível sistêmico para que possam ser imputadas. Pergunte-se acerca de um neurônio. Tem consciência? Não há sentido na pergunta, como não há sentido perguntar se uma molécula de água é líquida ou gasosa. No limite, há propriedades coletivas que não se confundem nem de leve com a soma de seus componentes. O "espírito de equipe"de um determinado time não é uma propriedade de nenhum de seus jogadores, nem é um elemento a mais no mundo físico.

A mente e a consciência são assim definidas através de um vocabulário que, na sua introdução, já lança por terra qualquer possibilidade de correlação com o cérebro que as implementa. Falar que são manipulações de símbolos, representações, intencionalidade ou outras tantas definições apenas amplia o fosso entre mente e cérebro. Estipular relações nômicas, leis gerais que garantam relação biunívoca entre as duas séries, o mental e o cerebral, também é impossível, ou pelo menos no momento irrealizável. Portanto, cabe-nos fazer uma tentativa de definir algum traço na mente que possa ter representação imediata no cérebro. Com isso, estaremos tocando na estrutura última do problema, isto é, na relação entre as séries de objetos mentais e cerebrais. Mais ainda, estaremos falando das condições de possibilidade de surgimento, a partir do cérebro, de uma mente com determinadas propriedades.

Explicar o tomar partido de certas proposições pode significar um trabalho longo e desviante. Para isso devemos adotar algumas hipóteses (com breve justificação em nota de rodapé) para que possamos delimitar o problema.

Hipótese 1 (H1): A mente é, basicamente, o conjunto de processos conscientes ou passíveis de se tornarem conscientes.

Hipótese 2 (H2): Nem todo processo consciente é voluntário, mas todo processo voluntário é consciente; logo o processo voluntário é necessariamente parte do processo consciente.

Hipótese 3 (H3): Definem-se objetos de representação, seja ela motora, sensorial ou integrativa-associativa, como padrões de oscilações de populações neuronais.

Hipótese 4 (H4): Existe uma estrutura matemática, contínua e não-linear (equação diferencial ordinária - EDO) capaz, em princípio, de descrever cada classe de objetos. O conjunto de soluções possíveis, os estados iniciais e os parâmetros poderiam servir de subclasses que definem instâncias do objeto e modos de manipulá-lo.

Hipótese 5 (H5): O sistema nervoso central (SNC) representa objetos com um mesmo padrão de oscilação, independente de sua natureza consciente ou automática.

Hipótese 6 (H6): Portanto, deve haver alguma peculiaridade numa estrutura matemática que represente o padrão oscilatório, tal que esteja discriminada a maneira de manipulá-lo, seja pela consciência, seja pelo modo automático.

Esse conjunto de seis hipóteses constitui a base da argumentação acerca da relação entre controle voluntário e consciência, de tal sorte que possa ser utilizado em arquiteturas naturais e artificiais. Ao longo deste trabalho ficará clara a articulação dessas hipóteses no afã de criar um esboço de modelo teórico para o chaveamento de informação, do modo voluntário para o automático, no sistema nervoso central.

O problema da consciência tem diferentes aspectos. O problema de seus conteúdos e formas, o problema da função que desempenha no sentido de manipular a informação e, finalmente, a vivência que engendra no sujeito de consciência (qualia).

1.1. CONSCIÊNCIA:

FUNÇÃO, FORMA, CONTEÚDO E VIVÊNCIA

Pode-se distinguir claramente duas classes de problemas ligados à consciência. Um diz respeito à vivência subjetiva de estar consciente de algo. Em princípio, esta vivência (qualia), a sensação do gosto de algo, a sensação de dor, etc. não me parecem relevantes para uma teoria científica acerca do sistema nervoso central. O outro, diz respeito à função, forma e conteúdo da consciência.

Hipótese 7 (H7): A vivência subjetiva dos estados de consciência (qualia) está fora de uma formulação científica para o problema.

Porém, a formulação acerca do que desempenha a manipulação consciente de informação deve estar sujeita a hipóteses sobre sua função no sistema e seu modo de implementação-operação.

É possível que a função da consciência seja tal que sistemas nervosos devam, necessariamente, em um certo ponto de sua evolução, esboçar algum tipo de manipulação de tipo consciente sobre os objetos. A forma como se dá essa manipulação é importante porque não temos, em princípio, acesso às razões que tornam a manipulação de um objeto consciente ou automática. Em outras palavras, o evento que determina o roteamento de informação no sistema nervoso, seja pelo modo consciente, seja pelo modo automático, é não-consciente, por definição. A discriminação do choro de um filho, entre os barulhos possíveis, deflagrando o acordar (modo consciente) de uma mãe é um evento pré-partição dos espaços funcionais consciente e automático. Deve existir, portanto, algo no plano do sinal elétrico pré-consciente que identifique a rota (consciente ou automática) que deverá ser seguida no processamento neural subseqüente.

 

1.1.1. Objetos complexos e classes de oscilações

 

Seja um objeto complexo ABC, representando todas as ações possíveis, cerebralmente determinadas, responsáveis por "conduzir um carro". O objeto complexo ABC é definido como:

  1. um padrão aprendido;
  2. um padrão susceptível de variações inúmeras (podemos guiar um carro de um tipo, outro de outro, com câmbio no chão, com câmbio na direção, hidramático, de grande porte, de pequeno porte). O que define o objeto complexo ABC, por exemplo o conjunto de ações motoras, sensoriais e associativas capazes de "guiar um carro", é um conjunto fixo de ações, sensoreamento e integração capaz de, com mínimas adaptações, guiar diferentes classes de carros;
  3. um padrão de oscilações de diferentes grupamentos neurais, sincronizados ou não, que pode ser descrito através de uma equação diferencial ordinária não-linear;
  4. os parâmetros e as condições iniciais podem ser interpretados como vinculando três aspectos diferentes: classes de subobjetos possíveis (dentro do "guiar um carro", tipos de carros que podem ser conduzidos), razões históricas ligadas ao aprendizado e ao recrutamento do objeto aprendido e modo de manipulação do objeto - automático ou voluntário;
  5. algo que é processado pré-conscientemente, de tal sorte que, antes de qualquer vivência consciente, o sistema já é capaz de identificar como deve manipular o objeto ABC: através do modo voluntário ou do modo automático.

Tomando-se, portanto, o objeto ABC, definido como uma conjunto de oscilações possíveis de um grupamento de neurônios capazes de representá-lo, podemos sugerir que:

  1. existe, em princípio, uma equação diferencial ordinária não- linear que o representa;
  2. seus parâmetros e suas condições iniciais geram diferentes classes de soluções no espaço de estados;
  3. as soluções possíveis são atratores do tipo: pontos de equilíbrio assintoticamente estáveis, soluções periódicas do tipo ciclo-limite, atratores não-periódicos (incluindo aqui os chamados atratores estranhos com eventual dimensão fractal);
  4. embora haja um sem-número de combinações quantitativas de estados, podemos agrupá-las em diferentes comportamentos qualitativos, que resumem o problema a diferentes soluções topologicamente equivalentes. Assim podem-se definir, em função de valores de parâmetros, situações de equivalência topológica;
  5. valores de parâmetros que, minimamente perturbados, suscitam mudanças qualitativo-topológicas no espaço de estados são chamados parâmetros de bifurcação. Quando a perturbação em um parâmetro não se faz acompanhar de mudança qualitativo-topológica no espaço de estados, o chamamos de valor ordinário de parâmetros;
  6. valores ordinários de parâmetros correspondem a estabilidade estrutural; valores de bifurcação correspondem a instabilidade estrutural.

Hipótese 8 (H8): Definido um objeto complexo ABC através de uma classe de oscilações de um conjunto finito de neurônios, podemos supor que: valores ordinários de parâmetros e, portanto, estabilidade estrutural definem as subclasses possíveis daquela equação no que tange aos tipos possíveis de objetos (e.g., tipos de carros possíveis de serem dirigidos sendo a EDO que representa o objeto ABC definível como um nome de classe: dirigir um carro); valores de bifurcação e, portanto instabilidade estrutural, definem modos diferentes de funcionamento no que diz respeito ao binômio voluntário/automático.

Hipótese 9 (H9): A consciência, enquanto função, seria um modo de processar situações em que a estrutura que descreve um objeto neural complexo exibe instabilidade estrutural. O que emergiria na consciência seria basicamente a característica qualitativa do sistema. Portanto, enquanto o processamento cerebral complexo é quantitativo, a consciência seria o palco onde apenas diferentes topologias são manipuladas, daí seu caráter eminentemente qualitativo.

1.1.2. Modelos de relação cérebro-mente

Hipótese 10 (H10): Há quatro tipos de modelos para a mente. Chamo-os de simbolistas baseados em regras e simbolistas baseados em regularidades. Os outros dois são aqueles baseados numa dinâmica cerebral. Dividem-se em dinâmica cerebral clássica e quântica. Este trabalho se baseia num modelo de dinâmica cerebral clássica para explicar a consciência e o controle voluntário sobre a ação.

Hipótese 11 (H11): A função da consciência é processar informação de uma maneira tal que seja capaz de desambigüizar situações processadas no plano infraconsciente. Por desambigüizar, aqui, entendemos restabelecer as condições de estabilidade estrutural, em que não há perda de previsibilidade dos eventos no instante t+1, dado o conhecimento da equação e do estado no instante t.

Hipótese 12 (H12): Os conteúdos da consciência são definidos pela redescrição valorada de ações e percepções presumidas, no nível infraconsciente. Os conteúdos são redescrições mediadas por linguagem e memórias. As formas da consciência são basicamente as partições possíveis em termos de faculdades mentais, tais como memória, percepção, juízo, crítica, pensamento, etc.

Hipótese 13 (H13): A vivência consciente surge da sincronização entre ações e percepções presumidas e suas redescrições valoradas na consciência. O local preferencial de ocorrência dessa redescrição valorada é o neocórtex, particularmente o córtex colunar e os lobos frontais, estruturas novas na evolução do cérebro humano.

Com isso, temos condição de distinguir quatros aspectos relevantes à consciência. A função da consciência é, na minha opinião, de dirimir impasses decisórios, ou soluções não-convergentes, advindas do plano cerebral de manipulação de informação. A valoração dos atos e seu cotejamento em termos de um sistema de regras supraindividuais, base da moral e da sociedade, requer esse tipo de processamento, embora não se limite apenas a ele. As formas da consciência são basicamente as subclasses de eventos rotuláveis como caracterizando uma "faculdade": pensamento, emoção, vontade, motricidade, juízo, memória, linguagem, percepção, atenção, personalidade e sonhos. Os conteúdos da consciência são objetos que, mediados por linguagem e memórias, povoam cada uma das modalidades funcionais - um determinado pensamento, uma determinada percepção, etc. A vivência consciente, finalmente, advém do processo pelo qual se atualizam esse objetos através de oscilações e sincronismo. Única propriedade genuinamente emergente, na minha opinião, advém do recrutamento de grande números de osciladores que sincronizam momentaneamente, somados à atualização da vivência do "eu" e da "sensação de liberdade para agir" (livre-arbítrio).

 

1.2. TIPOS DE PROCESSAMENTO CEREBRAL

 

Várias são as maneiras de dividir o processamento cerebral. Podemos utilizar algumas delas.

Definem-se três modalidades de processamento de informação no SNC: o processamento sensorial, o motor e, entre os dois, o processamento associativo/integrativo.

Mente e, portanto, consciência, são basicamente propriedades do processamento associativo. Todo processamento mental é associativo/integrativo, porém nem todo processamento associativo/integrativo é consciente. Portanto, não podemos definir a consciência, ou o lento surgimento da mente na escala animal, simplesmente fazendo alusão ao processamento integrativo.

Outra maneira de dividir os tipos de processamento me parece mais compatível com uma hipótese acerca do surgimento da mente.

Hipótese 14 (H14): O sistema nervoso humano pode ser dividido em três tipos de estilo de processamento. O modo reflexo é aquele em que, a um dado evento A, corresponde sempre um único evento B. O processamento complexo é aquele em que, a um dado evento A, podem corresponder eventos B ou C e assim sucessivamente. O processamento mental é aquele em que, dada a incapacidade de definir uma situação ambígua de processamento complexo, redescreve-se A pode ser B ou C através de operadores A deve ser B ou C. Essa etapa é mediada pela linguagem, pelas memórias e pela submersão em um determinado ambiente com contingências de reforço e gratificação.

Sistemas nervosos primitivos são capazes de manipular informação no modo reflexo. Normalmente são aquilo que chamamos de pré-programados (pre-wired). Nascem com programas já instalados que coordenam certas ações percepções sobre o meio. Com a complexificação do meio, das ações e do sensoreamento, deve-se, agora, criar mecanismos de ajuste on-line, de aprendizado e de avaliação de hipóteses conflitantes ou, no mínimo, alternativas de ação e interpretação sensorial. A isso chamo de processamento cerebral complexo. Se, no nível reflexo, já pode haver complexidade, definida pelo número de graus de liberdade, no que chamo de nível complexo propriamente dito o problema se torna escolher entre diferentes alternativas. Se A então B ou C ou D, e assim por diante. À medida que essa complexidade vai se instalando, cada vez mais os sistemas nervosos carecem de elos de integração entre a recepção da informação sensorial e seu posterior encaminhamento através da ação motora. A mente não surge, a meu ver, da complexidade da operação; nem surge da ocorrência de alternativas de ação. Surge, outrossim, na medida em que nem toda ação ou percepção, quando há um série de possibilidades de interpretação, faz com que a solução da equação que descreve o sistema convirja para uma solução atratora.

No momento em que o processamento cerebral passou a ter que dar conta de estruturas cada vez mais complexas, contraditórias (fujo ou luto, sendo ambas as hipóteses defensáveis), contrárias, concorrenciais, etc., houve que selecionar um mecanismo de fazer convergir uma rede de múltiplas entradas e de, em princípio, múltiplas saídas. Porém, a complexidade não garantiu que todo problema tivesse solução no sentido estrito da palavra. Se o sistema não é capaz de convergir para uma solução atratora há que se recrutar nova instância. O recrutamento progressivo dessa nova instância desambigüizadora é reponsável pelo lento surgimento da mente ou consciência.

O problema não tem sido colocado em máquinas simplesmente porque os impasses de convergência são resolvidos através de uma série de modalidades e aproximações. Ora, talvez seja justamente a falta de convergência para determinadas situações que, se em máquinas nos convida a recolocar o problema ou simplificá-lo, no cérebro animal requereu uma instância de pós-manipulação de soluções ambíguas ou não-convergentes.

Se há complexidade no nível do processamento reflexo da informação, ocorre maior complexidade quando passamos a ter aprendizado, correção on-line de comportamentos, distinção inter e intraclasses e finalmente múltiplas opções de ação ou interpretação para um mesmo objeto. Nesse momento, ocorre o recrutamento de um terceiro nível que chamo de processamento mental, onde há a desambigüização da informação, através de alguma forma de correção de parâmetros, de escolhas arbitrárias, de linearização do problema, etc.

(Fig.1)

(Fig.1: Três níveis de processamento de informação no cérebro humano - reflexo, complexo e mental/consciente)

O que está colocado é uma hipótese forte acerca de sistemas naturais. Enquanto que nos sistemas artificiais as não-linearidades são, às vezes, indesejáveis, nos sistemas biológicos, particularmente no cérebro humano, estas situações são regra, na medida em que o ambiente, as ações sobre ele e também as percepções (interpretação e sensoreamento ambiental) levam, via de regra, a estruturas descritas por equações não-lineares.

Se, por um lado, a não-linearidade é fonte de comportamento rico, compatível com o aprendizado e a novidade, também é fato que, situações de instabilidade estrutural, podem levar a uma multiplicidade de soluções no espaço de estados. Perde-se, assim, a um só tempo previsibilidade e a convergência. Dado um determinado objeto ABC, conjunto de oscilações que determinam um padrão neuronal para aquele objeto, podemos ter:

  1. relação linear entre as partes (processamento reflexo): a um dado A corresponde um único B em toda extensão do fluxo no espaço de estados;
  2. relação não-linear entre as partes (processamento complexo): a um dado A corresponde um único B no fluxo no espaço de estados, se e somente se os parâmetros da equação que descreve ABC são ordinários e há estabilidade estrutural;
  3. relação não-linear entre as partes (processamento mental/consciente): a um dado A pode corresponder mais de um elemento, caso em que os parâmetros da equação que descreve ABC são parâmetros de bifurcação e há instabilidade estrutural.

Isso quer dizer que o chaveamento de uma informação para o modo consciente é processada através de mecanismo não-consciente. Mais ainda, o que distingue o "gato consciente" do "gato não consciente" é uma peculiaridade na estrutura matemática que descreve os gatos possíveis (ABC), tal que, para "gato não consciente", temos parâmetros em faixas de valor ordinário e, para "gato consciente", temos parâmetros de bifurcação.

Garante-se, com isso, que o modo como manipulamos informação consciente ou não está parcialmente na dependência de peculiaridades ao nível do sinal elétrico (padrão oscilatório de um conjunto de neurônios que representa o objeto ABC), não havendo, portanto, para explicar certos mecanismos de controle consciente de qualquer superviniência topográfica ou semântica.

Esse problema pode ser chamado de dicotomia entre sinais e símbolos. Os modelos que chamo de simbolistas (IAS e IAC) presumem que esses símbolos são dados a priori. A mente seria o resultado da maneira de relacionar esse símbolos. Porém a natureza de um símbolo também é uma fato que depende do processamento cerebral capaz de gerá-lo. Procuro, através da dinâmica cerebral clássica (DCC), relacionar símbolos a sinais, tentando com isso superar o impasse entre a série de eventos e teorias mentais e eventos e teorias cerebrais.

 

1.3. CONSCIÊNCIA: SINAIS E SÍMBOLOS

 

Seguramente um dos grandes problemas da caracterização do que seja processamento mental de informação, particularmente processamento consciente desta, reside no fato de que não será a simples vivência de algo que definirá o modo mental, nem a qualificação de inteligente, complexo, ou manipulado pelo hemisfério esquerdo ou pelo lobos frontais ou pelo córtex colunar associativo, etc.

Há na caracterização da mente, seja ela cognição (pensamento), sensação (afetividade) ou vontade (conação), consciência, doutrina das faculdades ou intencionalidade, uma ausência completa de mecanismo que explique o porquê de um estilo cerebral de manipulação de informação permitir-lhe o surgimento.

Quando digo que consciência é isto ou aquilo tenho dois problemas em jogo: o problema da definição e o problema da relação desta definição com o cérebro humano.

Isto quer dizer que há uma complexa relação em jogo, que torna todo o processo extremamente complicado.

A natureza da tese aqui apresentada é de que devemos centrar nossos esforços na busca de um paradigma que norteie a

pesquisa neurocientífica sobre a consciência com vistas a estabelecer:

    1. o mecanismo pelo qual cérebros são capazes de produzir consciência; isto é, como é que cérebros podem, a partir de regras sintáticas e de um espaço de sinais elétricos, forjar símbolos e significados mentais;
    2. uma definição que dê conta das facetas possíveis da consciência: função, forma, conteúdo e vivência.

Este trabalho procura apresentar:

    1. a consciência como uma função que desambigüiza situações não-convergentes no plano do processamento cerebral complexo (por definição, não-consciente);
    2. a consciência como um conteúdo redescrito por uma determinada versão, nomeável sob diferentes formas (faculdades) tais como pensamento, memória, etc.;
    3. a vivência consciente como um estado emergente de transição de fase ou bifurcação em que, à mobilização sincrônica de grandes áreas cerebrais, faz-se acompanhar uma vivência de unidade qualitativo-semântica que é o que nos aparece na "tela mental";
    4. a consciência vista através de uma de suas partes constitutivas, qual seja o controle voluntário sobre a ação;
    5. um mecanismo sintático teórico que apresenta a possibilidade de enxergar, no nível dos sinais cerebrais, as condições de possibilidade de emergência do fenômeno consciente.

Para que possamos trilhar este caminho, cumpre examinar alguns conceitos: sintaxe x semântica; topografia x topologia; objetos x funções; acaso x determinismo. Posteriormente examinaremos os modelos possíveis e um modelo teórico simples, baseado em sistemas dinâmicos e malhas de sincronismo de fase (PLL- phase locked loop) que apresente esquematicamente algumas das idéias gerais.

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 2

 

SINTAXE E SEMÂNTICA:

A INSUFICIÊNCIA DOS MODELOS ATUAIS

 

Basicamente, há dois modelos rivais no que concerne à relação da mente com o cérebro: arquiteturas de inteligência artificial simbólica (IAS) e arquiteturas de inteligência artificial conexionista (IAC).

A inteligência artificial dá o tom da modelagem da relação cérebro-mente por várias razões:

  1. porque há que se ter a perspectiva de uma ciência formal para o cérebro e para a mente;
  2. porque não há razão para máquinas não serem capazes de realizar funções mentais;
  3. porque o abandono da tradição behaviorista de caixa-preta para o cérebro e mente faz ressurgir a necessidade de uma estrutura intermediária que execute intermediações e constitua percepções e ações comportamentais.

Porém, essa mesma inteligência artificial, lato sensu, acaba por inserir conceitos difíceis na cena dos modelos mentais:

  1. o conceito de representação (a mente como representação);
  2. o conceito de processador de informação (a mente como processador de informação através de regras computacionais);
  3. o conceito de inteligência (a mente como pensamento inteligente);
  4. o conceito de símbolo (a mente como manipulação de símbolos).

Entender os conceitos acima será fundamental para que possamos justificar uma posição de insuficiência de modelos atuais. Porém, para isso, devemos, provisoriamente, definir sintaxe e semântica:

Definição 1 (D1)): Sintaxe é o conjunto de relações estipuladas em um determinado sistema formal que permitem a construção de cadeias de inferência, cadeias de dedução e soluções, analíticas ou numéricas, para uma determinada estrutura lógico-matemática, discreta ou contínua, digital ou analógica, determinista ou probabilista, que descreve um processo.

Definição 2 (D2): Semântica é o conjunto de objetos que substituem variáveis quantificadas e soluções, dando-lhes interpretação, existência e significado.

Buscar um modelo de mente, um modelo de cérebro e, sobretudo, da relação entre ambos, significa definir claramente a sintaxe e a semântica cerebral, bem como a sintaxe e a semântica mental. Os princípios que governam a relação de ambas serão vistos mais adiante.

Suponha que defino uma semântica do mental baseado nos blocos (ou termos) mentais, normalmente descritos através da linguagem ordinária corrente. Assim, "gatos", "cadeiras", "fótons" e "angústia" seriam termos mentais, nomeadores de estados correspondentes (objetos mentais).

Defino, então, uma classe de relações entre esses blocos. ("Gatos são felinos. Se todos os gatos são felinos e, se todos os felinos gostam de leite, então gatos gostam de leite".) Essas relações garantem determinadas leis de relação entre objetos.

Suponha, agora, que defino uma classe de objetos cerebrais como neurônio, sinapse, assembléias, lobos, circuitos, neurotransmissores, etc.

Defino uma classe de relações cerebrais entre esses objetos tais como: geração de potenciais de membrana, potencial de repouso, potencial de ação, propagação de potencial, sincronização de populações neurais, gênese de ritmos cerebrais, etc.

Pois bem, o que descreve, de maneira sucinta, o projeto genericamente chamado de inteligência artificial (IA) é o seguinte: a base da mente é o pensamento; pensar é computar sobre cadeias de símbolos; as leis do pensamento, e, portanto, da mente, são aquelas regras que relacionam computacionalmente objetos mentais.

Em um primeiro momento, por volta dos anos 50, surgiram programas computacionais capazes de provar teoremas. Está aí a base da primeira inteligência artificial.

Define-se a mente como um locus de representação, onde os termos mentais (agora símbolos) são manipulados através de regras precisas, algoritmo-computacionais, baseadas no cálculo lógico de predicados. O pensamento, e sobretudo sua variedade inteligente, será o resultado desse processo de manipulação de símbolos através de regras claras (algoritmos), construindo cadeias de inferência. Esse tipo de modelo é chamado de inteligência artificial simbólica (IAS). Note-se que há uma presunção de que símbolos sejam entidades mentais (portanto, a semântica é mental) e que fundar uma ciência formal do pensamento (ou da cognição e por conseqüência da mente) significa descobrir-lhe as leis lógicas de conexão e inferência - leis do pensamento. A sintaxe é baseada em regras lógicas, por excelência mentais também.

A segunda onda da inteligência artificial dá um passo em direção ao cérebro. As redes neurais, ou inteligência artificial conexionista (IAC), modificaram radicalmente o panorama das relações entre objetos. A partir delas, as relações não mais são regras lógicas, mas um determinado padrão de evolução dinâmica de um sistema pluriconectado de "neurônios artificiais". Essa evolução se dá graças a uma série de modos de fazer de tal sorte que, a um dado vetor de entrada, corresponda um determinado vetor de saída. Isso se faz graças à possibilidade de ajuste na conexão entre os neurônios artificiais, seguindo um sem-número de modos. A sintaxe, antes na IAS baseada em regras lógicas, dará lugar a um conjunto de modos de aproximar funções compostas, através de soluções locais atratoras.

Ora, o que se faz com as redes neurais é apenas modificar a sintaxe mental da IAS, criando um análogo de sintaxe cerebral, porém mantendo intocada a semântica mentalista baseada em símbolos (ou subsímbolos).

Do ponto de vista de modelos de inteligência artificial, sejam eles simbólicos baseados em regras (IAS), conexionistas (IAC), baseados em regularidades estatísticas provenientes da aproximação de funções compostas através de diferentes algoritmos de treinamento, a semântica mental permanece intocada, sendo apenas a sintaxe que migra, do nível mental baseado em regras da IAS, para uma sintaxe quase-cerebral, baseada em regularidades, aprendizado e conexão sináptica cambiante da IAC.

A insuficiência dos atuais modelos de mente e de sua relação com o cérebro advém da ausência de uma semântica cerebral que endosse a legítima constituição da relação entre fatos cerebrais e a possibilidade de surgimento, a partir de uma legítima sintaxe cerebral e de uma semântica também cerebral, de classes de funções, objetos ou vivências mentais.

A proposta deste trabalho será apresentar uma outra forma de olhar para o problema, tal que se definam, não somente semântica e sintaxe cerebrais, como também se defina o mecanismo de surgimento do mental a partir do cerebral. Porém, para que possamos lançar solidamente uma versão rival de modelo, devemos examinar quatro aspectos citados anteriormente dos modelos de inteligência artificial: representações, manipulação lógico-computacional de símbolos, mente enquanto pensamento inteligente e símbolos propriamente ditos. Isso nos permitirá definir uma terceira classe de modelos - dinâmica cerebral quântica - DCQ - (derivado da crise de incompletude dos sistemas formais de tipo IAS) - e, finalmente, preparar terreno para argumentação acerca do modelo que propomos- dinâmica cerebral clássica (DCC).

Resumindo, esquematicamente, definindo sintaxe (nível das relações) e semântica (nível dos objetos e de sua significação) podemos falar de quatro tipos de modelos (Fig. 2)

(Fig.2: Duas classes de modelos mentais - simbolistas e cerebralistas, subdivididos, respectivamente, em simbólicos, conexionistas, clássicos e quânticos.)

O que torna complexa a formulação resumida na Fig. 2 é que, em primeiro lugar, suponho que a prioridade de um modelo de cérebro e mente é definir objetos e, só então, definir-lhes relações. Vai dai que a prioridade é semântica e não sintática. O enfoque que tem sido dado ao problema da modelagem de cognição, ou mais precisamente de modelos cérebro-mente, é de uma prioridade sintática, mental, no caso da IAS, e cerebral, no caso da IAC. Mudando o panorama para uma prioridade semântica, deveremos definir objetos e só então relações. Isso se fará à custa da noção de oscilação e de sincronização de assembléias neurais (DCC). Porém, devido a um problema histórico, a dinâmica cerebral contém ainda uma outra formulação: a DCQ. Ela aparece devido a problemas na IAS (completude em termos do teorema Gödel e parada nas máquinas de Turing). Na verdade, embora fale de uma possível mecanismo quântico por trás da consciência, não tem a meu ver nem sintaxe, nem semântica cerebrais estritas.

 

 

 

 

 

 

2.1. REPRESENTAÇÃO, INTENCIONALIDADE, PROPOSIÇÃO E SÍMBOLOS

Quando se fala da insuficiência dos modelos atuais de inteligência artificial para modelar a mente e sua relação com o cérebro, é preciso ter claro que quatro classes de conceitos deverão estar contemplados em qualquer teoria sobre a mente.

Começaremos examinando o problema da representação, intencionalidade e proposições.

Vimos anteriormente que a mente representa uma instância intermediária entre o estímulo e a resposta. Porém, ao contrário de intermediário passivo, é ela, mente, que coordena o processo de apreensão e ação sobre o meio. O intermediário passivo é, na verdade, um agente absolutamente ativo que utiliza da sensorialidade como corretor de hipóteses prévias. Quando se abandonou a idéia de que a mente e o cérebro fossem apenas intermediários, caixa-preta, bem ao gosto de uma cibernética pré-cognitivista, em que estímulo e resposta se fariam acrescentar de mecanismos de correção através de malhas de feed-back, houve que postular algumas coisas.

A primeira grande postulação para a mente, que subjaz a todo projeto da inteligência artificial simbólica, é de que a mente é um nível de representação. Não foram os desenvolvimentos que o conceito assumiu, seria muito simples apenas afirmar que a mente é um mapa do mundo, do corpo e de si-mesma. Não é, no entanto, isso que se passa no interior do projeto de caracterização da mente enquanto representação. Ao contrário de ser simples mapa de objetos e processos, a idéia de representação traz consigo o conceito de intencionalidade e proposição. Como não é meu projeto fazer uma discussão acerca dos diferentes significados que esses termos adquirem, em diferentes autores, vamos apenas clarificar que:

  1. representação pode ter dois sentidos;
  2. o sentido comumente atribuído pela IAS à representação enquanto característica da mente é de representação intencional, proposicional e simbólica;
  3. o conceito de representação como simples mapeamento de um conjunto em outro, embora muito mais aceitável, não é o que mais ocorre na literatura especializada.

 

2.1.1 Ambigüidades de definição: representação, intencionalidade, proposição e símbolo

Definição 3 (D3) : Representação1 significa mapeamento (relação de) de um conjunto de objetos em outro através de uma relação determinada.

Definição 4 (D4) : Representação2 significa mapeamento (relação de) e interpretação, compreendendo um conjunto de objetos em outro, através de relações de intencionalidade.

Definição 5 (D5) : Intencionalidade1 significa capacidade de representar o conteúdo de um objeto intencional, existente ou não, através de uma operação mental.

Definição 6 (D6): Intencionalidade2 significa capacidade de representação de um objeto através de um modo proposicional com os operadores intencionais, desejo, crença, temor, intenção, etc. constituindo a relação e o modo mental – "A deseja que p"; "A intenciona que p"; "A teme que p", "A crê que p" e assim sucessivamente. Os objetos intencionais p são os conteúdos intencionais.

Definição 7 (D7): Proposição1 significa toda sentença bem construída na linguagem ordinária, verdadeira ou falsa. Distinguem-se as proposições verdadeiras e falsas das não-proposições em virtude da obediência a um conjunto finito de regras de construção que, aplicado a um conjunto finito de primitivos lingüísticos, gera, praticamente, infinitas proposições.

Definição 8 (D8): Proposição2 significa toda sentença em que ocorrem os operadores intencionais do tipo desejo, temor, crença, etc, e que são base para algumas teorias do significado.

Definição 9 (D9): Símbolo1 significa todo e qualquer objeto que, por convenção, representa outro.

Definição 10 (D10): Símbolo2 significa todo e qualquer elemento que, representando outro, é traduzível em uma proposição1 .

Vistas estas definições podemos voltar a falar do problema dos modelos atuais, IAS e IAC, no que diz respeito a uma teoria da mente e de sua relação com o cérebro.

Quando se pretende fazer inteligência artificial simbólica postula-se: representação2, intencionalidade2, proposição1 e 2 e símbolo1 e 2.

Quando falamos da inteligência artificial conexionista, como apenas uma inversão para um modo de conexão cerebral, o que fazemos é usar: representação1 ou 2, intencionalidade1 ou 2, proposição1 ou 2 e símbolo1 ou 2.

Pelas definições acima, parece que o problema da caracterização de qualquer modelo deve fazer alusão, de maneira explícita ou não, aos seguintes conceitos:

a) sintaxe,

b) semântica,

c) representação,

d) intencionalidade,

e) proposição,

f) símbolo.

De maneira geral, o que vemos é que há uma verdadeira confusão entre todos os modelos existentes sobre mente e de sua relação com o cérebro. Se, por um lado, falamos que a guinada da IAS para IAC foi apenas uma guinada sintática, preservando-se a semântica mental, na verdade o problema é mais complexo pois, para uma genuína teoria, teríamos que explicitar todos os níveis conceituais. Sem que isso seja feito não haverá, jamais, modelo coerente de ligação de mente e cérebro, pois parte das definições é incompatível com uma teoria neurocientífica.

Cérebros são capazes de manipular uma sintaxe no nível dos sinais e mentes seriam capazes de manipular símbolos. Essa é uma visão primeira de classes de objetos mentais e cerebrais e classes de relações mentais e cerebrais. Porém o que está implícito nessa colocação é uma articulação entre os conceitos de sintaxe, semântica, representação, intencionalidade, proposição e símbolo.

O objetivo de colocar todos esses conceitos sob a forma de definições, com notas de rodapé rápidas, é evitar uma peregrinação exaustiva e estéril por todos os modelos e modos de interpretar fenômenos mentais e cerebrais. Porém, a meu ver, não há como propor um modelo rival sem que se explicitem esses pontos porque:

a) há conceitos que são compatíveis com o cérebro e outros não;

b) há conceitos que são compatíveis com a mente e outros não.

Se essas duas classes fossem idênticas não haveria qualquer problema. Pelo fato de serem distintas e o problema, a meu ver, se baseia na linguagem, devemos ver que correções podem ser feitas para que o modelo a ser proposto possa responder por uma interface produtiva entre categorias mentais e cerebrais.

Para que possamos apontar as insuficiências dos modelos atuais vejamos como colocar cérebros e mentes na perspectiva dos conceitos que julgamos angulares. Mais ainda, em seguida examinaremos de maneira pormenorizada que críticas podem ser feitas a IAS e a IAC, de tal modo que o modelo que vamos propor procure respondê-las.

 

 

Cérebro

mente

sintaxe

sintaxe cerebral baseada em propagação de impulsos

sintaxe mental baseada em regras de manipulação de símbolos

semântica

estruturas topográficas, topológicas (sinais), campo receptivo, áreas de integração e motoras,

símbolos, representações, faculdades, consciência

(formas e conteúdos mentais)

representação

representação1

representação2 (pode ser 1)

intencionalidade

intencionalidade1

intencionalidade2 (pode ser 1)

proposição

(não tem sentido colocar o problema porque os primitivos não comportam descrições proposicionais de cérebros)

proposição1

(em alguns autores 2)

símbolo

símbolo1 (homúnculos, áreas cerebrais, etc.)

símbolo2

(Tabela 1: conceitos fundamentais e sua relação com o cérebro e a mente)

A sintaxe cerebral é, basicamente, uma norma de relação entre objetos cerebrais. Baseia-se em relações de contigüidade topográfica (local) e em geração e propagação de impulsos que representam objetos externos (mundo), internos (corpo) e próprios (representações de estados cerebrais). A sintaxe mental é, por definição, baseada em relações de regras que possibilitam a construção de sentenças mentais. Não há fato mental comunicável que não passe por sua caracterização em uma linguagem ordinária. Assim, ainda que se possa dizer que a vivência é não-proposicional, a comunicação sempre o é. Dada essa dupla caracterização de vivência não-proposicional e de comunicação proposicional, é que afirmamos que a vivência, por ser sujeita a um vocabulário em primeira pessoa, é não testável empiricamente e, portanto, não sujeita a formulações científicas.

A semântica cerebral fala, basicamente, de estruturas (neurônios, sinapses, neurotransmissores, mensageiros, circuitos, assembléias, áreas sensoriais, motoras e de integração, etc.) e de sinais (topologias e codificação de padrões). A semântica mental pode falar de faculdades (memória, consciência, juízo, etc.); pode falar de consciência, emoção e vontade e pode, ainda, falar de símbolos, representação e intencionalidade.

A noção de representação mostra a distinção básica entre cérebros e mentes. Enquanto que a noção de representação cerebral comporta áreas, especialização, homúnculos, etc. (representação1), a representação mental é baseada em símbolos, intencionalidade e proposição.

A intencionalidade cerebral pode ser entendida como uma propriedade de cérebros se relacionarem com o mundo. Nesse sentido é compatível com a noção 1 de representação. A noção de intencionalidade mental é basicamente de uma propriedade de falar de objetos intencionais, de exibir consciência deles (intencionalidade1), porém, a forma mais aceita, é de que há modos mentais que implicam numa classe de sentenças em que os operadores "desejo", "crença", "temor", etc. definem uma classe de eventos não-traduzíveis em qualquer vocabulário fisicalista. Assim a intencionalidade mental é basicamente a 2.

O problema da proposição é complexo porque não há como falar em "proposições cerebrais". Sendo basicamente definidos no interior de uma linguagem, proposições surgem da construção de sentenças, a partir de uma classe finita de símbolos e regras. Para que se pudesse falar de uma proposições cerebrais, teríamos que usar para proposição o sentido 2 (atitudes intencionais) e garantir a relação destas com as atitudes numéricas de que fala Paul Churchland. Esse autor defende que quando falamos de "A crê que p" ou "A deseja que p" é o mesmo que quando falamos que "A tem o comprimento de n", "A tem a velocidade de n" e assim sucessivamente. Nessa formulação a atitude intencional (ou proposição2 intencional) seria uma determinada propriedade e, o objeto intencional, uma medida.

Símbolos cerebrais são quaisquer representantes arbitrários que representam elementos de outras regiões. Porém, no caso de mente, a noção de símbolo é aquela em que existe a possibilidade de se expressar o símbolo2 em linguagem ordinária através de um proposição1.

Modelos de mente e de sua relação com o cérebro devem enfrentar os problemas apontados na tabela 1. Há algumas formas de contornar esses problemas que me parecem absolutamente erradas. Vejamos dois argumentos clássicos.

2.2. Múltipla instanciabilidade e níveis de descrição

 

David Marr em seu trabalho sobre visão postula três níveis de descrição: o nível da computação, o nível do algoritmo e o nível do implemento. O primeiro definiria o espaço de definição do problema, o segundo, as regras e etapas para resolvê-lo e o terceiro, sua realização física. A isso se agregou uma célebre dicotomia, cara à IAS, segundo a qual a mente seria um software e o cérebro um hardware. O software, em princípio, corresponderia aos níveis da computação e do algoritmo e o hardware, ao nível do implemento físico.

Essa caracterização de níveis de descrição do problema, com vocabulário e leis próprias, estaria na base da distinção de conceitos que não se interpenetram, como é o caso da tabela 1. Porém, há ainda uma última fonte de argumento que mostra que, um mesmo programa, pode ser rodado em diferentes arquiteturas, não havendo, portanto, um mapa um para um entre as regras do programa e as leis do hardware. Se o mapa não é "um para um", não há como fundar uma ciência do mental com base no nível de coação do nível cerebral.

Esses argumentos são absolutamente próprios e estão na base de uma separação aparentemente incontornável. Mente seria um nível de descrição e de processamento com uma dinâmica e vocabulários próprios, que não se podem reduzir ao nível cerebral. Dai o fato de que, todo e qualquer modelo de mente, ao fazer alusão ao nível de realização cerebral, somente o consegue através de uma conexão fraca. Essa conexão, do ponto de vista de lógica das teorias, é do tipo token (todo evento mental é um evento cerebral, garantindo com isso que o dualismo seja afastado), mas não do tipo type (a cada evento mental corresponde um único evento cerebral, garantindo tradução radical de um série em outra).

Grande parte dos impasses na modelagem de cérebro e mente advêm desse conjunto de conceitos e tensões na sua intertradutibilidade.

A IAS representa uma guinada absoluta de nível, de tal sorte que a mente está totalmente desgarrada do cérebro, precisando dele apenas como meio físico de realização. Na IAC há uma deflexão forte rumo ao cérebro na medida em que, tanto programa, quanto regra, se descaracterizam rumo a uma norma dinâmica de conexão.

O objetivo central deste trabalho é mostrar que, ao se olhar para o cérebro, pode haver um modo de renomear objetos (e portanto redefinir uma semântica) tal que, a partir do processamento cerebral (sintaxe cerebral), podemos entender uma parcela da conexão entre fatos cerebrais e mentais. Se isso não é suficiente para garantir isomorfismo entre o cerebral e o mental, pelo menos é mais próximo de um realismo cerebral que a IAS, que não o possui, e também mais próximo que a IAC, que tem apenas uma norma de conexão dinâmica, baseada em neurônios artificiais e sinapses, com peso de conexão ajustável.

Para que possamos lançar essa terceira via de modelagem, que chamo de computação topológica (dentro dos modelos de dinâmica cerebral clássica), devemos examinar o problema do processamento de informação e computabilidade e também os conceitos de cognição e inteligência.

A partir de então, deveremos examinar o problema do determinismo e da topologia, para então poder redefinir as categorias básicas: sintaxe, semântica, representação, inten- cionalidade, proposição e símbolo, de tal sorte que possamos acomodar os conceitos do ponto de vista da mente e do cérebro, na classe de modelos propostos.

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 3

COMPUTAÇÃO E COGNIÇÃO

 

A idéia fundamental que norteia a primeira grande tentativa de modelizar mente e comportamento, a partir de uma determinada idéia de processamento de informação, remonta aos trabalhos de Alan Turing e sua concepção de uma máquina pensante (Turing, 1950). Entenda-se que cognição é sinônimo de pensamento, o que nos leva a procurar modelizar a mente, tomando-lhe apenas a parte relativa ao pensamento e, deste, particularmente, aquele dito inteligente.

A idéia de Turing é de que podemos, através de uma máquina abstrata, computar quaisquer proposições (regras, instruções, dados, etc.). Essa máquina (e seus respectivos estados internos), dotada de uma fita (em princípio, infinita) e de uma cabeça leitora é capaz de ler o estado no instante t, modificá-lo e gravar uma determinada instrução no instante t + 1. Nos limites deste trabalho não há sentido tratar exaustivamente o problema da máquina de Turing e seu impacto na computação atual, particularmente a partir da introdução das chamadas arquiteturas de tipo von Neumann, nas quais instruções e dados estão alocados em um mesmo local, possibilitando que, a atualização da cabeça leitora e a modificação de estados, se faça em um mesmo ambiente de placa e de processador central.

O que nos interessa, por ora, é uma série de insuficiências que a noção de computação estrita, tomada como realização de uma determinada gama de instruções através de algoritmos, tem para ser usada como modelo de mente e de sua relação com o cérebro humano.

Computação, no sentido clássico, significa:

  1. seguir regras claras;
  2. transformar regras claras em passos discretos (algoritmos) projetáveis num circuito (no caso atual, eletrônico);
  3. ser capaz de traduzir conhecimento declarativo e procedural (melhor dizer procedimental) em termos de seqüências binárias, capazes de representar o conhecimento.

A idéia de que se possa modelar funções cerebrais superiores através do apelo a regras e sentenças declarativas remonta à lógica do século XIX, com Frege, à álgebra de Boole e aos desenvolvimentos posteriores deste século, com Turing, Gödel e, finalmente com as obras de Newell e Simon nos anos 50, criadores dos primeiros programas capazes de provar teoremas matemáticos - portanto capazes de, em princípio, exibir pensamento inteligente.

 

 

 

 

3.1. computação stricto sensu

Um rápido exame da noção de computação, stricto sensu, deve falar a respeito dos autores acima. No século XIX, Frege, com a lógica matemática afirma que proposição (ou sentença) expressa um pensamento completo. Meio século mais tarde, Quine definiria "ser" como "ser capaz de substituir uma variável quantificada no cálculo de predicados".

Vejamos como se pode quantificar variáveis e relações, substituído posteriormente essas variáveis por entidades-objetos (base do Cálculo de Predicados).

$ x / (xP ® xQ) (Existe um x, tal que, se x é P então x é Q) (1)

ou

" x / (xP ® xQ) (Para todo x, se x é P, então x é Q) (2)

Tanto uma fórmula quanto a outra (quantificação existencial e universal) podem ter a seguinte substituição para P e Q (predicados)

Seja P = Homem; seja Q= mortal (3)

Para todo x, se x é Homem então x é mortal. "Ser", na concepção de Quine, é todo aquele objeto capaz de substituir x, mantendo a estrutura da sentença quantificada (universal ou existencial).

x = Paulo (4)

Existe um Paulo, tal que, se Paulo é Homem,

então Paulo é mortal (5)

Isso garante a existência de Paulo, isto é, a possibilidade de "Paulo" substituir uma variável x quantificada (existencial ou universalmente) numa sentença do cálculo de predicados.

Se tomarmos a idéia de sentença ou proposição de Frege, acrescida de uma formulação segundo a qual é proposição aquela sentença bem construída, segundo as normas de uma sintaxe, tal que, mesmo sendo falsa, significa algo, poderemos entender que:

  1. na fórmula 1 e 2 temos uma proposição, porque a quantificação está bem construída;
  2. com a substituição dos predicados de 3, temos a possibilidade de, se x = Paulo, termos uma proposição verdadeira, enquanto que, se tivermos x = Deep Blue, teremos uma proposição falsa, mas ainda assim uma proposição.

Proposições expressam pensamentos completos e são o resultado da boa construção sintática. Significam algo, mesmo quando falsas. O ser é definido como sendo aquele "objeto"capaz de substituir uma variável quantificada numa sentença bem construída, sendo capaz de preservar-lhe a verdade. Significado é parente de boa construção sintática, enquanto verdade é parente de verificação empírica (salvo no caso das tautologias em que se expressa algo do tipo "x é Homem, se e somente se x é Homem").

A relação entre pensamento e capacidade de gerar uma proposição, acrescida da caracterização de ser como algo que verifica a verdade de uma sentença quantificada, indicam que, se temos dois valores de verdade para uma proposição – verdadeiro ou falso -, e, se a proposição expressa um pensamento, então: toda vez que formos capazes de gerar proposições; toda vez que formos capazes de substituir-lhes variáveis verificando-lhes a verdade; toda vez que formos capazes de engendrar cadeias de inferências necessárias entre proposições, respeitando as leis lógicas; então teremos pensamentos primários (ou de 1a ordem) no nível da geração de proposições e pensamentos secundários (ou de 2a ordem) no nível da cadeia de inferências que preserve as regras de conexão e a validade da estrutura.

De posse dessas noções, percebe-se que a relação da mente como pensamento (ou cognição), com as condições sintáticas, semânticas e ontológicas, para a construção de pensamentos secundários, e a regra de conexão entre proposições, seguindo as leis lógicas de inferências necessárias, foram suficientes para associar:

  1. a lógica como a lei do pensamento;
  2. a verificação de verdade e falsidade como condição para a transformação de sentenças e de relações entre elas em algo traduzível em código binário;
  3. a possibilidade de representar proposições e pensamento inteligente (regras de conexão entre proposições, tais que preservem a estrutura lógica inferencial necessária) em arquiteturas abstratas como a máquina de Turing, em que as declarações (Paulo é Homem) e os procedimentos (se isto..., então aquilo) se convertem no análogo mecânico do pensamento.

As leis do pensamento seriam aquelas que espelhassem fielmente o encadeamento de proposições. A replicação do pensamento em máquinas estaria garantido pelo fato de que qualquer meio, biológico ou artificial, poderia ser o instanciador (ou implementador) de um programa em que proposições e cadeias de inferências estivessem devidamente garantidas e, mais, em que as substituições de variáveis quantificadas estivessem de acordo com as estipulações de existência e veracidade.

Embora poderosa, a ferramenta da computação enquanto manipulação de símbolos-proposições através de regras lógicas, projetáveis sob a forma de estados cambiantes de um autômato, apresenta, do ponto de vista teórico, algumas limitações no que diz respeito a superar o dilema mente-cérebro.

As limitações advêm (Del Nero, 1997):

  1. do fato de, ao impor que a mente seja um conjunto de símbolos manipuláveis por regras discretas, supor a existência axiomática ou postular esses mesmo símbolos como primitivos conhecidos, deixando para as regras a função de retratar o estatuto de um modelo científico do funcionamento mental;
  2. do fato de, para poder tratar símbolos e regras como entidades manipuláveis pelo cálculo de predicados e de suas derivações posteriores - linguagens de programação: Lisp, Prolog, Fortran, C++ -, requerer-se a discretização de eventos e processos mentais, supondo-se que os eventos cerebrais subjacentes sejam discretizáveis ou tratáveis, por aproximação, como eventos discretos;
  3. do fato de, ao estipular a equivalência mente-software, cérebro-hardware, impor-se a separação hierárquica, funcional e não intertraduzível entre os dois planos – o cerebral e mental;
  4. engendrar uma mente como um sistema formal de um certo tipo, e, portanto, sujeito às limitações relativas ao teoremas de Gödel de incompletude, inconsistência e indecidibilidade o que, no caso da computação ideal da máquina universal de Turing, redunda em parada para certos estados que sabemos passíveis de solução pela mente humana;
  5. forçar a tradução de todos as faculdades mentais em proposições - portanto pensamento -, tornando, assim, a emoção e a vontade, pseudopensamentos (ou entidades traduzíveis sob a forma proposicional), o que não faz sentido do ponto neuropsicológico (processamento topográfico, localização de funções e dissociações específicas);
  6. não contemplar qualquer hipótese para a consciência, pano de fundo do processamento mental, salvo por estipulação (isto é, processamento consciente, independentemente de alocar uma determinada explicação para o que seja consciência);
  7. devido à possibilidade de impasses de natureza formal, geradores de parada da máquina de Turing, abrir território para uma radicalização estéril dos modelos de tipo processamento quântico no sistema nervosos central como base da consciência (tese Penrose-Hammerhoff) (Cf. nota 43 e Hammerhoff et al, 1996);
  8. limitar o processamento cerebral, subjacente às operações mentais, a uma concepção digital de neurônio, o que implica esquecer a possibilidade de codificação neural analógica através das freqüências geradas pelos potenciais de ação;
  9. aproximar o analógico subjacente, de base neural, por um tratamento digital, facilitando o tratamento da mente como processamento de informação através de símbolos, porém, gerando a possibilidade de, em certas situações, imputar instabilidade ao cérebro subjacente, embora a instabilidade esteja na discretização e algoritmização, decorrente dos métodos de aproximação de funções contínuas por discretização de intervalos de tempo.

Pelas razões expostas acima, a computação stricto sensu, o que prefiro chamar de concepção discreto-digital da mente, tem limitações que devem ser superadas.

Computação e cognição capturam, cada uma, apenas parte dos processos que pretendemos modelizar, particularmente no tocante à consciência.

Se computação, na versão estrita, redunda em regra discreta e manipulação digital, mente, como cognição, redunda em sua caracterização apenas como pensamento, ainda que de variedade inteligente, deixando de lado os aspectos concernentes à emoção, à vontade e, particularmente, à consciência. Trancafiando-se o processamento mental em manipulação de símbolos através de regras, têm-se, a um só tempo, alguns equívocos em marcha:

  1. supõe-se que símbolos são primitivos conhecidos do sistema, o que não é verdade porque não teríamos como traduzir esses mesmos símbolos em linguagem neural;
  2. coloca-se o código analógico cerebral como um excesso que, discretizado e digitalizado, retrata a função de implementador físico do programa mente;
  3. retira-se do analógico cerebral a possibilidade de responder pelos problemas de parada de uma máquina que instancie um sistema formal (esse problema referindo-se a incompletude apontada por Gödel e, analogamente, projetada no problema da parada da máquina de Turing).

Os programas dos anos 50, baseados em regras e dicotomia mente-programa, cérebro-hardware, devidos a Newell e Simon (Logical Theorist e General Problem Solver), eram capazes de resolver problemas bem demarcados, seja através de regras claras, seja através de cenários e heurísticas, no caso de problemas como jogar xadrez. Embora extremamente interessantes, essas tentativas de retratar a mente como programa esbarraram em limitações. Aquilo que era projetado como sendo possível que computadores fizessem, por volta da década de 70, não logrou êxito. Associado a isso, as arquiteturas de tipo simbólicas tiveram de compartilhar como uma nova classe de modelos a tarefa de modelar a mente.

As redes neurais (IAC) teriam algumas peculiaridades que aproximariam a mente do cérebro:

  1. a mente deixaria de ser um programa separado do nível físico;
  2. tanto hardware quanto software estariam representados no mesmo plano, não havendo mais regras claras, mas regularidades captáveis por diferentes algoritmos de treinamento que aproximassem funções compostas;
  3. a destruição de alguns "neurônios artificiais" não redundaria em perda inteira de arquivos, de dados ou de instruções, comportando-se o sistema mais de acordo com o cérebro humano que, a despeito de perder grande quantidade de neurônios, não tem perda funcional mental proporcional (gracefull-degradation);
  4. inserir-se-ía a possibilidade de codificação analógica e também digital, dependendo do processamento dos estímulos em cada neurônio artificial;
  5. colocar-se-ía a seqüencialidade do processamento digital usual em xeque porque as redes neurais operariam com processamento distribuído em paralelo, semelhante ao que se vê em diferentes circuitos cerebrais.

A quantidade de problemas advindos dessa formulação, em termos de redes neurais, é imensa. Se a cognição nas redes neurais (IAC) pode falhar na manipulação de regras claras de pensamento e, se proposições cedem lugar a variáveis dinamicamente ajustáveis para pontos de equilíbrio de um sistema, alguns problemas persistem intocados:

  1. em nenhum momento se tocou na suposição de símbolos como primitivos dados;
  2. nas redes neurais, como nas arquiteturas simbólicas, a interpretação dos vetores de entrada e saída, bem como de estados da rede, é feita com base em símbolos mentais, permanecendo a natureza cerebral última do símbolos (ou dos subsímbolos) intocada em matéria cerebral;
  3. a idéia de paralelismo como sinônimo de cérebro em oposição a seqüencial é errônea, porque podemos ter arquiteturas digitais paralelas e seriais (seqüenciais) e, além disso, podemos ter redes neurais distribuídas ou pontuais, digitais ou analógicas;
  4. o cérebro parece ser uma arquitetura analógica, pontual e distribuída para certas funções, utilizando-se de processamento seqüencial e paralelo, dependendo das funções executadas.

A idéia de computação portanto deve captar todos os seguintes pontos:

a) estilo de processamento;

  1. forma de representação do conhecimento;
  2. forma de codificação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ESTILO DE PROCESSA-

MENTO

REPRESENTA-

ÇÃO DO

CONHECIMEN-

TO

FORMA DE

CODIFICAÇÃO

CÉREBROS

Serial e paralelo

Pontual

e distribuído

Analógica (podendo ser digital para certas funções específicas)

IAS (arquiteturas simbólicas)

Serial (paralelo

nas arquite-

turas cooperativas)

Pontual

Digital

IAC

(redes neurais)

paralelo

Distribuída (podendo ser pon-

tual nas re-

des semânticas)

Digital ou analógica

MENTE

Aparentemente serial

Aparentemente pontual devido a símbolos, embora distribuído na

composição de intermódulos de processamento)

Aparentemente melhor captável por sistemas com múltiplos valores de verdade, o que pode ser digital ou analógico

(Tabela 2: Mente e cérebro à luz da dicotomia digital x analógico)

Examinado a tabela 2, vê-se que a distinção entre cérebros e mentes, e os respectivos modelos tradicionais, embora tão propalados como aproximações legítimas, pecam:

  1. ao modelar uma mente aparentemente serial, quando o cérebro é capaz de ambos os estilos de processamento - serial e em-paralelo;
  2. ao modelar a mente, no tocante à representação do conhecimento, como se houvesse símbolos pontuais de que lançamos mão para a construção das proposições, quando, na verdade, esses símbolos, no cérebro, podem ser, tanto pontuais (localizacionismo estrito), quanto distribuídos (o que é mais freqüente);
  3. ao supor uma forma de codificação digital bi ou multivalorada para a mente, enquanto o cérebro parece executar codificação preferencialmente analógica, através do eixo temporal de intervalo interespículas do potencial de ação;
  4. confundir, no tocante aos modelos de IAS e IAC, serial com digital, o que não é sinônimo, porque há arquiteturas digitais e paralelas;
  5. confundir distribuído com rede neural, porque há redes neurais de representação pontual;
  6. supor que redes neurais, porque têm dinâmica de treinamento, têm dinâmica no sentido estrito;
  7. supor que, porque os programas são levados ao nível distribuído das conexões entre neurônios artificiais, os símbolos estão devidamente projetados numa arquitetura física;
  8. confundir o analógico de uma rede neural, advindo de valores infinitos de saída de cada neurônio, com uma norma analógica de conexão, baseada num espectro de freqüências advindas do intervalo interespículas;
  9. confundir o acoplamento de tipo local hebbiano com um acoplamento, via sincronização de freqüenciais, de tipo não hebbiano.

Computação, como espelho do processamento cerebral que engendra a mente, deve responder tanto pela codificação analógica, quanto pela digital; tanto pela representação pontual, quanto pela distribuída dos objetos e relações do conhecimento; tanto por processamento serial, quanto pelo paralelo.

Embora se pudesse imputar essa discussão toda como excesso de perquirição conceitual, o projeto do modelo teórico que apresento neste trabalho, requer essa peregrinação pela simples razão de que, ao aceitar o localizacionismo sub-reptício da digitalização-serialização da mente, estamos na verdade admitindo a irredutibilidade de símbolos a estados cerebrais, o que, na continuação, fecha de princípio, as portas para qualquer unificação futura, ainda que parcial das duas séries – cérebro e mente.

Mais ainda, ao se digitalizar os processos cerebrais, baseando-se a fonte de codificação do potencial de ação num disparo tudo ou nada, está-se, ao mesmo tempo, advogando em favor do localizacionismo e da possibilidade de conversão da equação diferencial contínua que descreve o fenômeno de disparo desse mesmo potencial em digital por uma aproximação booleana (sim ou não, 0 ou 1).

Os equívocos, a meu ver, são muitos. O neurônio, ou um conjunto de neurônios (assembléias), na concepção localizacionista é o centro de representação de um primitivo simbólico-proposicional. Opera serial ou paralelamente, o que é compatível com qualquer modelo, porém codifica o valor de verdade da proposição que representa através de uma lógica bi-valorada, digital, sendo a quantidade de espículas apenas uma medida de fidelidade da informação e a conexão relevante entre neurônios (ou grupamentos deles), no afã de construir relações de tipo hebbiano por aumento do peso da conexão sináptica com neurônios vizinhos.

A representação do conhecimento, nessa forma de enxergar o cérebro, é parcialmente digital, porque os símbolos já estariam, de uma certa forma, estocados nos neurônios e apenas a verificação de seus valores de verdade dependeria de uma forma digital. O alfabeto binário, por exemplo, que representa símbolos, seria dispensável, ou apenas vigente para situações de aprendizado em que certos neurônios assumiriam a função de representar parte do conhecimento adquirido. Persistiria, assim, a função de assembléias como representantes de símbolos.

Pode-se replicar dizendo que essa digitalização existe no sistema nervoso central. É verdade que, para certas funções, temos representação pontual e conexão digital-serial. Isso apressa o trânsito da informação. Para as áreas de integração, verdadeiros intermediários responsáveis pelo surgimento da mente, a representação parece cada vez mais distribuída e, a norma de relação/codificação, cada vez mais lançando mão da pluralidade analógica que utiliza o intervalo de tempo, como mecanismo extra de representação/codificação.

Os símbolos, no caso da representação distribuída, já não são mais entidades particionáveis ou decomponíveis em pedaços físicos, mas, eles próprios, já o resultado de um processamento complexo, dinâmica e temporalmente baseado, que gera um fenômeno chamado mente, particularmente consciência.

A noção de símbolo, advinda da concepção de mente como programa que os manipula, o localizacionismo que recruta símbolos de ordem inferior, a digitalização, que insere um localizacionismo sub-reptício, são todos, a meu ver, erros sucessivos de análise que têm feito distanciar o conceito de mente dos processos cerebrais subjacentes, impedindo que se institua uma legítima unificação das áreas.

Mais ainda, a computação, vista como regra discreta, joga para a sintaxe lógica o dever de construir relações, sem que essa sintaxe tenha projeção no cérebro, senão na sua faceta localizacionista. Finalmente, a idéia de uma equação diferencial ordinária não-linear, que espelhe a geração do potencial de ação, se vê trancafiada no empobrecimento discreto da faceta digital do potencial de ação. A riqueza de estados codificáveis através dessa operação analógica, contínua, se perde na discretização da equação - passo para sua conversão algorítmica -, no tratamento da não-linearidade apenas como fenômeno de superação ou não do limiar de disparo da porta axonal (sim ou não, 0 ou1) e, finalmente, no localizacionismo de diferentes ordens que está em jogo, seja de primitivos simbólicos primários.

Este trabalho pretende, ao tratar a noção de símbolo como ponto de inflexão fundamental da constituição da mente a partir de um estilo de processamento cerebral, mostrar que relações entre símbolos são, na verdade, símbolos de 2a ordem numa versão localizacionista (símbolos de símbolos) ou então, trocando o localizacionismo por uma forma de dinamicismo temporalmente informado, fazer dos símbolos relações e, das relações, relações de 2a ordem (símbolos são relações e, relações, relações de relações anteriores).

Do ponto de vista ontológico, o sistema aqui proposto ataca:

  1. os modelos atuais, questionando o localizacionismo como fonte de representação de objetos no cérebro;
  2. o encarceramento digital como empobrecimento da função neural, codificadora de objetos no tempo, através de diferentes freqüências, ao mesmo tempo que geradora de instabilidades de método nas aproximações discretas que descrevem fenômenos neurais contínuos;

procurando lançar um conjunto novo de instrumentos teóricos para se tentar superar a distância habitualmente estabelecida entre a mente e o cérebro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3.2. COMPUTAÇÃO lato sensu

Para os limites deste trabalho cumpre ressaltar que, se a noção de computação de maneira estrita implica o uso de regras discretas algoritmizáveis, o ideal científico de construção de teorias é mais amplo que a noção de algoritmo e regra discreta.

Se, por computação, entendermos o seguir regras claras e distintas, bem projetáveis num procedimento algorítmico, então teremos de afirmar que a natureza da mente em sua realização no cérebro humano é não-computacional. Porém, se ampliarmos a noção de computação, acordes com noções de determinismo e estrutura das teorias, poderemos ter uma mente computacional, no sentido de formalizável e enquadrada numa genuína teoria científica da relação cérebro-mente.

A tentativa de modelizar a mente através da inteligência artificial obedece a um projeto claro que é o de procurar fundar as bases de uma psicologia de matiz científico. Por ciência, entenderemos um determinado método, linguagem e estrutura de geração de proposições e leis que não se confundam com o conhecimento puro e simples, mas que tenham a possibilidade de fazer derivar observações, verificações e refutações, replicações, explicações e predições (ou previsões).

Definição 11 (D11): Conhecimento é a capacidade de reconhecer proposições, dinstinguindo-as de não-proposições (função a priori) e a capacidade de distinguir proposições falsas de verdadeiras (conhecimento empírico).

Definição 12 (D12): Ciência é uma parcela do conhecimento capaz de distinguir proposições falsas inverossímeis de proposições falsas verossímeis (hipóteses plausíveis).

Definição 13 (D13): Verdade e falsidade são propriedades das sentenças (ou proposições).

Definição 14 (D14): Validade é uma propriedade dos argumentos, cadeias de inferências que justapõem sentenças.

Definição 15 (D15): Verossimilhança é uma propriedade dos discursos, conjuntos de sentenças, argumentos e cenários. Pode-se-lhes imputar estrutura, lógica e coerência, consistência e plausibilidade.

Definição 16 (D16): Computação stricto sensu significa um modo mecânico de realizar operações bem determinadas e com seqüência clara, de tal sorte a gerar derivações válidas.

Definição 17 (D17): Computação lato sensu significa procurar regras e regularidades, estruturas explicativas, necessárias ou contingentes, válidas ou plausíveis, deterministas ou probabilistas, que unifiquem, com uma certa consistência, proposições acerca de determinados objetos, no afã de tornar o conhecimento sobre aquele objeto matéria de ciência e não apenas matéria de conhecimento.

Definição 18 (D18): Mecanicismo é todo e qualquer sistema de proposições que gere, para sua correta replicação e simulação, uma ordem finita de passos bem delimitados e reproduzíveis por um autômato finito (máquina de Turing, por exemplo).

Definição 19 (D19): Determinismo é uma propriedade advinda da estrutura formal-matemática de um modelo acerca de um objeto de conhecimento-ciência, capaz de estar plenamente determinado no tocante a variáveis e parâmetros.

Definição 20 (D20): Determinismo forte significa explicar a totalidade dos estados e processos de um determinado objeto de conhecimento, sendo capaz de determinar todos os estados possíveis no tempo, dadas as condições iniciais.

Definição 21 (D21): Determinismo fraco significa ter a totalidade dos estados e processos determinados, devidamente traduzidos em estruturas matemáticas, capaz de admitir soluções para quaisquer valores e condições iniciais, porém, para certas condições iniciais, perder a capacidade de previsão quanto ao estado ou solução em um instante determinado.

Definição 22 (D22): Todo sistema mecânico é determinista, embora nem todo sistema determinista seja mecânico.

Definição 23 (D23): Todo sistema determinista, mecânico e discreto, admite soluções e simulações de tipo computação stricto sensu.

Definição 24 (D24): Todo sistema determinista, não-mecânico e contínuo, admite soluções e simulações de tipo computação lato sensu.

Hipótese 15 (H15): O cérebro humano opera de maneira traduzível sob a forma de equações diferenciais ordinárias a parâmetros. É determinista no sentido fraco, não-mecânico, analógico, requerendo computação lato sensu para que se possa modelar algumas de suas mais importantes funções.

Hipótese 16 (H16): Ao contrário de serem dados a priori, os símbolos cerebrais, ou os objetos sobre os quais se deitarão as relações cerebrais, são resultado de uma dinâmica neural traduzível sob a forma de equações diferenciais a parâmetros.

Hipótese 17 (H17): A ligação entre os símbolos mentais e os símbolos cerebrais se dá como resultado da computação cerebral lato sensu de variáveis e parâmetros que engendra a possibilidade de ligação determinista fraca entre modelos cerebrais e modelos mentais.

Hipótese 18 (H18): Como não há determinismo forte na estrutura cerebral e nem na ligação entre modelos cerebrais e mentais, a redução de uma teoria mental a uma teoria cerebral terá de ser uma redução fraca, em que, nem se esgotem a totalidade das teorias, nem a totalidade dos objetos, permanecendo-se no nível intermediário de classes de funções mentais.

Hipótese 19 (H19): A primeira grande partição do processamento cerebral se dá em relação ao binômio consciência e não-consciência.

Hipótese 20 (H20): Uma explicação científica para a relação cérebro-mente deve procurar as ligações deterministas fracas entre objetos e relações cerebrais e emergência de símbolos mentais, através de um modelo de computação lato sensu, não mecânica, determinista fraca e, portanto, não preditiva para certos valores de parâmetros e determinadas condições iniciais.

Hipótese 21 (H21): A concepção digital e seqüencial-serial do cérebro humano exige computação stricto sensu e localização frenológica de funções para que possa operar os modelos; a concepção analógica-contínua do cérebro humano abre a possibilidade de que, também objetos, sejam o resultado de operações dinâmicas (e não apenas as relações), permitindo que se tenha um localizacionismo mitigado, um alfabeto de objetos primários e primitivos diverso e uma norma dinâmica – computação lato sensu – de operação, para que se engendre o mental a partir do cerebral.

Hipótese 22 (H22): A conexão entre estruturas dinâmicas cerebrais (objetos e relações) pode promover uma determinação fraca de ligação entre as séries (cerebral e mental) capaz de explicar apenas a separação de consciência e não-consciência, não sendo capaz de determinar a relação entre eventos cerebrais e objetos estritos mentais e/ou teorias mentais, em que ocorram vocábulos e operadores intencionais.

3.3. COGNIÇÃO

Se a noção de computação admite uma ampliação, tal que se possa fazer dela algo compatível com um estilo analógico de codificação mais próprio do cérebro, o mesmo ocorre com a noção de cognição.

Cognição é termo que designa conhecimento e, mais estritamente, pensamento. A primeira grande onda de modelos sobre cérebro/mente, datada dos anos 50, com o embrião do que, mais tarde, viria a se chamar ciência cognitiva, circunscreveu a computação ao mecanicismo dos autômatos de tipo máquina de Turing e a mente ao pensamento (ou modo cognitivo de operação). Porém, se computação, no sentido estrito, capta apenas a parcela determinista mecânico-digital dos processos (algoritmizáveis), cognição, capta da mente apenas a porção proposicional, restando ainda, para completá-la, a emoção (modo afetivo) e a vontade (modo conativo). Também a separação da mente em consciência e não-consciência, bem como as classes de funções mentais – atenção, memória, percepção, etc. – ficam relativamente mal representadas pela caracterização de mente enquanto cognição.

Grande parte dos equívocos da literatura dos últimos 30 anos sobre os modelos de cérebro e mente advém da incorreta taxonomia do que se está modelizando e de que instrumentos se está lançando mão para tal. Ainda que se pudesse afirmar que todo modelo é restritivo e simplificado, caberia retrucar observando que, nem por isso, os modelos devem ser ambíguos. A fragilidade conceitual de se tomar um termo genérico como mente, tornando-a simplesmente pensamento, ainda que inteligente, faz soçobrarem muitas tentativas profícuas.

Vejamos a raiz da confusão e quais os instrumentos de classificação, naturais ou arbitrários, de que podemos fazer uso para superar o problema.

 

 

3.3.1. Apriorismo mental subjetivo

A pergunta mais básica acerca da mente humana é de qual é a sua função adaptativo-evolutiva. Qualquer postura epi- fenomênica, paralelista ou eliminativa padece de deixar sem resposta essa pergunta fundamental. A mente não tem, nessas três visões, qualquer função específica, confinando-se a empecilhos de ordem semântica, que a impediriam de ser totalmente reduzida-traduzida a eventos cerebrais.

Ao contrário das posições anteriores, o dualismo aponta na direção de uma discriminação de princípio entre processamento cerebral e mental. Pode fazê-lo, através de sua versão forte – a mente é de outra substância que não a cerebral –, ou então na sua versão fraca – monismo de essências com dualismo de predicados –, os predicados mentais não são redutíveis-traduzíveis em linguagem neural, representando propriedades novas que emergem da estrutura cerebral dinâmica.

O dualismo, embora fazendo surgir a incômoda noção de emergência, acaba por fazer jus à função mental, não mero resultado de vícios de linguagem que descreve um fenômeno. Se o dualismo essencial é parente de uma tradição substancialista em que a função e as propriedades se confundem com matéria e espírito, há uma versão atual, de base materialista que configura a dualidade como originaria dos arranjos e circuitos.

A formulação dualista mais aceita deste século afirma que, embora tenhamos uma só substância, há predicados no nível mental que não se explicam pela totalidade dos estados, processos, partes e todo (como reunião das partes) do mundo físico-cerebral.

Se o dualismo tem suas razões e entre elas parece estar clara a discriminação funcional de algo chamado mente, é preciso entender quais são as eventuais raízes da caracterização de mente como pensamento.

Se a mente tem uma função, certamente não se esgota no cérebro a totalidade das explicações acerca do comportamento humano; pelo menos não parece ter eficácia causal dizer que Paulo agiu assim, porque suas fibras nervosa oscilavam de maneira tal ou qual. Ao contrário, dizer que Paulo agiu assim, porque desejava isto ou aquilo, tem significado e poder explicativo.

O vocabulário mental, particularmente aquele que se utiliza dos operadores intencionais, constitui poderosa ferramenta explicativa, preditiva e causal, no afã de permitir que pessoas entendam pessoas. Essa função visa a garantir uma determinada comunicação e sociabilidade, que figuram entre as grandes funções da mente. Mais ainda, permitem que se clive, não apenas no espaço-tempo a distinção sujeito/objeto, mas também, e principalmente, se institua a ordem das coisas de dentro e de fora, de sujeito e de objeto, de consciência e de aparência, de pensamento consciente no estado puro e de ação aparente no estado puro.

A mente serve à sociabilidade e à comunicação, sendo terreno fértil em que brota a sensação de sujeito, não apenas ponto distante do outro, mas distante pelas barreiras da comunicação dos estados internos vivenciados. O sujeito mental tem a seu serviço um espetáculo interno em que pode testar hipóteses e ocultar razões, sabendo todo o tempo o que é pensamento e o que é ato, distinguindo comportamento de intenção.

Essa clivagem entre o sujeito que se representa pensamento no palco interno da subjetividade-consciência e olha para o outro como algo que apenas exibe comportamento e linguagem, é uma das funções da mente. O contato pode, através dela, ser pleno, bem como o teste e também a dissimulação. O tempo da mente não é apenas a instantaneidade da fuga e da luta, não é apenas o sinal instintivo da cópula e da procriação; não é apenas a arena da satisfação do desejo biológico imediato, ainda que este esteja adaptado para comportamento com vistas a proteger o animal do inverno. O tempo da mente é mediato, porque a fuga e a luta se tornam competição, territorialidade e status; a cópula se torna desejo e perversão; o desejo se torna dever; o instinto, que prepara terreno para o inverno, se torna o olhar para o futuro da espécie.

Se a mente, lato sensu, deveria ter a condição de propiciar um espaço privilegiado de visada do outro, se deveria ser a sede da personalidade e da identidade, deveria para isso portanto conter alguns ingredientes:

  1. resultar de um acréscimo de área de processamento, uma vez que uma nova função requereria maior quantidade de unidades processantes;
  2. resultar de um estilo de processamento;
  3. resultar de uma linguagem de descrição capaz de capturar a totalidade da série local + função + estilo de processamento em contexto de sociabilidade.

São, justamente, os problemas ligados ao estilo de processamento que vão nos interessar na forja de símbolos e relações mentais.

A necessidade de acréscimo de área cerebral disponível para a realização da tarefa de forjar a mente plena está satisfeita no ser humano por um aumento de área frontal (neocórtex). O estilo de processamento fará parte do modelo apresentado, bem como a forma de codificação. Mas, a linguagem que foi requerida para explicar a cadeia de eventos que se dão na consciência cerebral do indivíduo e na sua ação-reflexão - descritíveis com vocabulário mentalista e clivando corretamente o sujeito e o objeto não apenas por distinções temporo-espaciais, mas, sobretudo, semântico-morais - é que gerou a impressão de que a nossa mente tem a cara do mundo e de que o nosso cérebro não tem a cara de nenhum dos dois.(Del Nero, 1997)

A linguagem, artifício capaz de engendrar a comunicação plena, é misto a priori cerebral e posterior desenvolvimento socio-cultural-ambiental. Diz-se ambiental, porque é preciso fazer submergir um cérebro dotado de arquitetura predisposta para a linguagem na comunidade dos falantes para que, à predisposição lingüística, se faça acompanhar a habilitação para linguagem plena.

A linguagem é o artifício de que cérebros habilitados para ela lançaram mão para se comunicar e engendrar a unidade da personalidade. Se é forma, também é conteúdo. Se há, na linguagem, uma estrutura sintática capaz de coordenar a boa construção das proposições, há, também, uma semântica que faz relacionar, objetos e processos internos, a fatos lingüísticos. Há também uma pragmática, que permite a alocação das unidades lingüísticas em diferentes contextos e com significados variados.

Até onde vai a forma a priori da linguagem e onde começa a gama de conteúdos contingentes, é matéria de discussão, porém, é claro que essa linguagem nomeia estados e processos, objetos e outros elementos. Seus conteúdos são arbitrários num certo sentido, mas há uma dinâmica que garante que, estados internos apresentados na vivência consciente do indivíduo, de, digamos, uma "cadeira" ou de um "centauro", seguirão um lógica evolutiva tal:

  1. que uma classe de estados cerebrais do sujeito A são compatíveis com uma classe de objetos nomeáveis através do conceito "cadeira";
  2. que a classe dos objetos subsumidos por "cadeira", será corretamente nomeada por uma série de eventos cerebrais que geram o vocábulo "cadeira", lido, escrito, falado ou ouvido.

Percebe-se por aí que duas são as histórias necessárias para que se compreenda o papel da linguagem no processo de descrição e forja da unidade do sujeito mental.

Cérebros foram selecionados para que se pudesse orquestrar uma gama de operações complexas, de tal sorte que, à ação e à percepção, se fizessem acompanhar outras ações e percepções de unidades fonológicas capazes de descrever estados e processos internos e externos. A linguagem, não fosse sua capacidade a priori de geração de infinitas proposições, a partir de uma gama finita de símbolos e relações, seria também um comportamento motor e/ou uma percepção sensorial. Porém, esse comportamento, graças à possibilidade de representação de estados e processos, faz com que tenhamos duas classes de eventos paralelos: comportamentos motores gerais e comportamentos motores lingüísticos, capazes de descrever-se e também os outros. Como há um forte componente de convenção na nomeação de objetos com este ou aquele vocábulo, foi preciso que :

    1. se construísse lentamente uma norma de conexão entre a capacidade de conceituar e generalizar do cérebro humano;
    2. se construísse uma harmonia entre os falantes para que, toda vez que se nomeasse um objeto ou um processo pela linguagem (ato motor), se fizesse acompanhar o estado interno de ambos os sujeitos, compatível com aquele conceito.

Se estados internos são cerebrais e se a lenta história da espécie humana garantiu que aquilo que há de convencional na comunicação se transformasse em norma tácita ou implícita, a cadeia de eventos cerebrais que subjazem a cadeiras, bem como a cadeia de eventos cerebrais que subjazem ao comportamento verbal (cadeira falada), muscular (cadeira escrita) e visual (cadeira lida), teve de se harmonizar, de tal sorte que, a capacidade de generalização/conceituação da arquitetura cerebral, tivesse uma ordem de convenções prévia para os falantes de uma determinada comunidade tal que, rapidamente, a série de objetos lingüísticos se estabilizasse com os estados internos que a eles subjazem.

Como a linguagem nomeia e define uma série de eventos que são responsáveis pela mente humana, não é difícil perceber que, se o mundo se parece com a nossa mente, e ambos não se parecem com o cérebro, a correta caracterização dos eventos da história do ser humano parece apontar para o seguinte: o mundo e a mente se parecem com a linguagem (formas e conteúdos) que usamos para falar deles e não com o cérebro que os codifica.

O neocórtex recepciona a capacidade de processar a mente, a linguagem habilita o indivíduo à comunicação com os falantes e, aos poucos, a nomeação introjetada dos fatos, faz com que a vivência subjetiva de pessoa se vista com roupas que se parecem com a linguagem, no que tange à forma; com proposições, no que tange ao conteúdo (por exemplo, centauros e cadeiras). A forma cerebral subjacente fornece apenas as fôrmas, para que nelas se depositem as formas mentais proposicionais e os conteúdos mentais (parecidos com a forma como a linguagem os nomeia).

Percebe-se, assim, que a mente é essencialmente vivida e apreendida como forma proposicional e como conteúdo de símbolos mentais (cadeiras e centauros). O processo que engendra tudo isso na história da espécie paga vários preços:

    1. a forma do mundo e da mente parecem proposicionais;
    2. a forma da mente parece ser o pensamento, sendo a emoção, a vontade, a consciência, apenas elementos descritíveis sob a forma de pensamentos (ou pseudopensamentos – Del Nero, 1997);
    3. os símbolos sobre os quais se deitam as regras da linguagem e da mente parecem ser primitivos experienciais do sujeito ou apreensíveis como tais, quando na verdade são apenas o resultado da conjugação de fôrmas cerebrais a priori e de estipulação-introjeção de formas e conteúdos lingüísticos pelo ser submerso na comunidade social dos falantes, rumando rápido para sua caracterização enquanto sujeito.

O preço de tudo isso é que a mente parece ser pensamento por excelência e os símbolos parecem bons candidatos a primitivos de um sistema em que se quer, apenas, conhecer as relações.

Esses impasses não preocupam sempre porque, no mais das vezes, é adaptativo tomar esses símbolos como unidades de construção do mundo mental e da psicologia do indivíduo. Porém, quando se tenta a redução da mente ao cérebro, a condição desses símbolos como primitivos impede que superemos o localizacionismo e um nível proposicional, para descrever e fundar o processo cerebral que executa a função mental-consciente.

3.4.DILEMAS COMPUTACIONAIS E COGNITIVOS

a linguagem como forma do mundo

 

No tópico cognição e computação é preciso fazer menção à forma última da mente e à forma última do cérebro que a implementa.

O cérebro humano representou um avanço na escala evolutiva em termos de arquitetura, sendo dotado de maior área de processamento (neocórtex) e de uma parcela funcional apta a aquisição de linguagem (áreas de Broca e Wernicke). O fato de termos duas séries de eventos cerebrais paralelos, eventos que representam estados internos e/ou externos e eventos que representam esses mesmos eventos (eventos lingüísticos) permitiu uma ordem sincrônica que gera estados e estados que se referem a estados.(Del Nero, 1997)

Uma das funções básicas da linguagem é a capacidade de gerar infinitas proposições, a partir de um estoque finito de elementos primitivos e relações sintáticas entre eles. Os eventos lingüísticos, todos eles proposicionais, requerem uma forma de computação discreta, mecânica, seqüencial e digital para que sejam descritos.

Se a linguagem é a forma do pensamento, sendo, como vimos, a proposição entendida como expressando uma unidade completa de pensamento, então a maneira como descrevemos nossos estados internos – pelo menos a maior parte deles, exceção feita às sensações brutas (raw feels) – é proposicional, discreta, mecânica, seqüencial e digital.

A linguagem impregna de tal forma nossa submersão na comunidade comunicacional que, a nomeação e a derivação de pensamentos através dela, faz com que nossa mente tenha a cara da linguagem que melhor a descreve, bem como o mundo também. Dificilmente, pela interposição da linguagem, somos capazes de perceber os dilemas envolvidos numa mente descrita sob a forma discreta, seqüencial, mecânica e digital.

O cérebro, artífice das fôrmas onde se depositam as formas e os conteúdos lingüistíco-mentais é, ao contrário, contínuo, paralelo (não-seqüencial), não mecânico – porém determinista -, e analógico. Os dilemas gerados na linguagem proposicional são em parte não-projetáveis na linguagem que melhor descreve a dinâmica cerebral – as equações diferenciais.

Há aproximações que permitem que o contínuo seja discretizado, embora com isso pagando o preço de se perder riqueza e, ao mesmo tempo, inserindo instabilidades de método.

A linguagem, ao ser melhor descrita por um sistema formal, discreto e digital, mecânico e algorítmico, requer que se assumam símbolos como objetos primitivos. Sobre eles se debruçarão as regras lógico-lingüísticas como o espelho das leis da razão, ou as regularidades estatísticas de tipo rede neural. Os símbolos, intocados pelo processo de forja da mente a partir de cérebros, permanecerão como primitivos lingüístico-proposicionais ou como primitivos sensoriais.

Para que se assuma uma mente dissociada do cérebro em sua totalidade, basta que se assuma os primitivos do sistema formal como símbolos lingüísticos. Se, por outro lado, se preservar a estrutura lógico-formal-mecânica-discreta-digital, buscando no cérebro algum análogo de primitivo simbólico sobre o qual se deitem regras lógicas ou estatísticas, a implicação epistêmica será clara: o localizacionismo, ou a nova frenologia, dará o tom da empreitada, refazendo o caminho do empirismo radical inglês, em que o cérebro é uma tabula rasa em que as sensações escrevem seu léxico e que, a partir desse léxico, feixes de associações criam, aos poucos, o intelecto.

Ora, tanto o empirismo radical quanto o Positivismo Lógico falharam em excluir as categorias intelectuais a priori do intelecto. Se as formas prévias do intelecto poderiam ser entendidas como certas propriedades da linguagem, o que redunda dissociação extrema entre cérebro e mente, dada a suposição de uma submersão completa na linguagem, também poderiam ser entendidas como primitivos dinâmicos capazes de forjar símbolos, a partir de alguma operação cerebral.

Se todas as tentativas de redução da mente ao cérebro falharam até o momento, isso se deve ao fato de que:

  1. a linguagem como descrição dos estados mentais fá-los parecer estados lingüísticos;
  2. a noção de símbolo, de que necessitam os sistemas formais que implementam linguagem, requer uma visão discreta-digital-seqüencial-mecânica da mente;
  3. essa visão aponta na direção de símbolos primitivos, que são unidades lingüísticas (proposições) e sobre as quais não temos a menor idéia de representação no cérebro humano;
  4. ou então, tentando-se fazer aproximar esses símbolos primitivos de algo que conhecemos sobre o cérebro, essa classe de objetos primitivos se torna uma classe de primitivos sensoriais, o que redunda em dois erros: um localizacionismo radical e um empirismo associacionista.

A computação que espelha essa visão discreta-digital-seqüencial e mecânica da mente é a computação stricto sensu, algorítmica. Se quisermos superar a barreira que desune cérebros e mentes, empreendendo alguma forma de redução, ainda que parcial de uma ao outro, deveremos redefinir computação, para uma versão não-mecânica, embora determinista e redefinir a mente proposicional, que toma o pensamento como paradigma, imputando-lhe proposições como símbolos primitivos.

 

3.5. DINÂMICA CEREBRAL

 

Pode-se dizer que há três maneiras básicas de se olhar a relação mente-cérebro:

  1. A mente fornece primitivos simbólicos e as leis de conexão entre esses primitivos são leis lógicas; o cérebro simplesmente implementa esses sistema de objetos-símbolos e relações-regras (IAS).
  2. A mente fornece primitivos simbólicos e as leis de conexão podem ser leis dinâmicas entre elementos neuronais artificiais (IAC).
  3.  

  4. O cérebro fornece primitivos e relações a partir dos quais se forjam os símbolos mentais (Dinâmica Cerebral).

 

 

 

 

 

 

observador

 

 

 

 

 

(Fig. 3: A questão do referencial primitivo na construção da relação mente-cérebro)

 

3.5.1. objetos dinâmicos cérebro/mentais

Podemos dizer que há uma forma geral para definir qualquer sistema cérebro-mente:

Seja O o conjunto de objetos; seja R o conjunto de relações entre objetos.

Om são objetos mentais, símbolos.

Oc são objetos cerebrais.

Rm são relações mentais e Rc relações cerebrais.

Forma geral de qualquer sentenças que descrevem sistemas de tipo 1 e 2:

Dados Oij, podemos escrever qualquer derivação mental-cerebral na forma:

Oim Rm Ojm (6) (Para o caso 1 - IAS)

ou

Oim Rc Ojm (7) (Para o caso 2 - IAC)

No caso 3 (DC), ao contrário, devemos proceder da seguinte forma:

Dados Ocij e dadas Rcij, então

Oci Rc Ocj = Om (8) (Para o caso 3 – DCC)

Porém, como apontamos, a classe de objetos cerebrais e relações cerebrais pode ser dividida em duas formas básicas de se enxergar o funcionamento cerebral: localizacionista ou dinâmica.

No caso de uma versão localizacionista, o neurônio, unidade fundamental de processamento, responde como objeto e a sinapse como a relação entre neurônios. No caso da versão dinâmica, objetos são oscilações descritíveis e relações são sincronizações.

Ocni Rcsin Ocnj (9) (forma cerebral localizacionista)

(Objetos cerebrais são neurônios capazes de representar primitivos sensoriais e alguns motores, sendo a relação entre eles uma conexão sináptica de tipo hebbiano.)

Ocoi Rcsincro Ocoj (10) (forma cerebral dinâmica)

(Objetos cerebrais são oscilações descritíveis sob a forma de freqüências ou fases, e a relação entre esses eventos oscilatórios são relações de sincronização).

Objetos mentais são o resultado de uma primeira etapa de processamento cerebral dinâmico, de tal sorte que podemos rescrever (6) e (7) da seguinte forma:

(Ocoi Rcsincro Ocoj) Rc2aordem (Ocoi Rcsincro Ocoj) = Oc 2aordem(11)

e

Oc2aordem Rm Oc2aordem (12)

onde, Rm são Rc de 3a ordem.

Diante dessas formulações, podemos dizer que:

  1. Todos os eventos cerebrais são descritíveis sob a forma de oscilações e sincronismo sucessivos (fôrmas).
  2. Os eventos primários responsáveis pela forja dos símbolos mentais podem ser descritos sob a forma de oscilações e sincronismo, no caso de uma concepção dinâmica de princípio.
  3. Se descritos sob a forma de localização sensorial primária, então temos uma forma de símbolo cerebral que revisita o empirismo radical.
  4. A hierarquia de eventos que resultam de sincronização de objetos cerebrais de 2a ordem em diante são melhor descritos em linguagem proposicional.
  5. Padrões invariantes (fôrmas) preparam as condições de serem descritos em linguagem proposicional (formas e conteúdos mentais).

 

 

3.5.2. Equivalência sinonímica e intencionalidade:

quais objetos devem ser os objetos de

redução do mental ao cerebral?

 

Este item, parte da dicotomia fundamental entre cognição e computação. Embora forma geral que endossa o projeto cognitivo de constituir uma legítima teoria formal da vida mental, a noção de computação estrita paga o preço da dissociação funcional cérebro-mental; paga ainda o preço da caracterização de vida mental tributária de símbolos mentais como primitivos axiomáticos do sistema formal que modela a mente. As redes neurais, ou IAC, não avançam substancialmente, porque os primitivos simbólicos persistem intocados, variando-se apenas a norma lógica de conexão para uma norma de conexão dinâmico-treinável.

A dinâmica cerebral (DC) amplia a noção de computação (de stricto para lato sensu) e amplia a noção de mente a ser modelizada (de pensamento para controle voluntário-consciente). Ao contrário de modelar o pensamento, empreende-se uma dupla empreitada de redefinição do processamento mental. Em primeiro lugar, afirma-se que o cerne da vida mental é a consciência; em segundo lugar, procura-se lançar as bases para que, de algum padrão de processamento neural, se entenda a forja do símbolos mentais. Inverte-se, portanto, o primado epistêmico. O cérebro funda agora a mente, pelo menos no que diz respeito às suas modalidades de controle.

Se antes víamos o processamento mental e sua base cerebral através de uma ótica mental-simbolista, agora passaremos a enxergar o processamento simbólico através de um ótica cerebralista. Mas essa ótica cerebralista não se consuma apenas no tecido cerebral, visto existirem dois enfoques rivais para se enxergar esse mesmo processamento. De um lado o localizacionismo (pode-se chamar algumas formas localizacionistas de dinâmica cerebral fraca) e de outro o que chamarei de dinâmica cerebral (ou dinâmica cerebral forte).

O localizacionismo é herdeiro de uma tradição empirista radical. Explica-se o primitivo sensorial pela noção de campo receptivo e, a partir dessa linguagem primitiva de símbolos sensoriais, mais algumas lesões neurológicas que redundam em disfunções psicológicas (esse o domínio da neuropsicologia), procura-se construir uma cérebro de módulos e caixas de processamento, tal fosse uma diagrama em blocos em que o processamento interno é de tipo rede neural e a função de transferência dos blocos, uma forma de semântica simbólico-funcional. A alternativa a essa visão frenológica é uma visão de cérebro dinâmico, na sua totalidade, em que a emergência de símbolos já é o resultado de alguma forma de processamento. Mas que símbolos são esses que seriam os candidatos a uma forma de encarceramento nas formas estáveis – padrões – de processamento neural?

Qualquer teoria que procure executar uma legítima redução do mental ao cerebral, ainda que parcial, como é o caso da dinâmica cerebral (particularmente na versão forte que proponho), deve fazer frente aos problemas clássicos de redução, apontados em todas as outras tentativas.

Dois são os tipos de redução que se empreendem na ciência: redução de teorias e redução de entidades. A redução de teorias visa a aumentar o poder explicativo-preditivo da antiga teoria, ampliando-lhe a base observacional e corrigindo-lhe as falhas anteriores. Não é necessário que se pense, em termos de redução, numa redução do mental ao cerebral, podendo perfeitamente ser o caso de uma teoria psicológica robusta que explique melhor e mais o que uma doutrina cerebral explicava. A redução de teorias pode se dar em qualquer um dos três sentidos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 4: As três instâncias possíveis de objetos, teorias e/ou linguagens e sua possibilidade de intertradutibilidade.)

 

A redução do mental ao cerebral parece ser a forma mais acorde com o ideal científico, dada uma determinada concepção de matéria ou de materialismo. Essa visão não é apenas antiga como está errada. O âmago da redução é aumentar o poder explicativo e a conexão formal-matematizável entre os elementos. Pode-se, perfeitamente, ter uma teoria com termos e leis psicológicas muito melhor formalizável e com maior base explicativa-preditiva, além de uma sólida base de refutabilidade.

A redução de termos é também uma nítida empreitada quando se procura traduzir radicalmente uma linguagem mentalista a uma linguagem cerebralista. A um dado objeto mental, suponhamos um gato ou o conceito de seno, temos um e um só estado cerebral suficiente e completamente descrito, tal que se possa fazer a substituição de um termo por outro.

A redução implica que se preservem as propriedades lógicas e semânticas de uma sentença.

Se digo que a sentença "A Estrela da Manhã é a Estrela da Manhã" significa e é verdadeira, estou afirmando que é proposição, bem construída e que é verdadeira em virtude de sua forma; no caso, pela inspeção das regras de construção, estou diante de uma tautologia e, portanto, a verdade não deriva de qualquer confrontação com o mundo.

Se por outro lado digo que a "Estrela da Manhã é a Estrela da Tarde"estou fazendo uma afirmação verdadeira, desde que haja uma teoria observacional empírica-ingênua que garanta tal fato. Quando falo que a "Estrela da Manhã é o planeta Vênus" estou fazendo uma afirmação numa teoria observacional científica. O planeta "Vênus" é termo que ocorre em uma teoria científica e carece de algumas características para se constituir no que é, não sendo apenas o nome de um objeto de observação ingênua.

Todas as formas não-tautológicas da sentença dependem de observação e de teorias para que se tornem verdadeiras. Antes da descoberta do planeta Vênus, a sentença em que ocorria seria dita falsa, embora o significado pudesse ser preservado por qualquer uma das instâncias de nomeação.

O referente para "Estrela da Manhã", "Estrela da Tarde"e "Vênus" é o mesmo, ou seja, o planeta Vênus. O que garante verdade a uma proposição não é apenas a intertradutibilidade de referentes, no caso o mesmo, mas a sua compreensão numa linguagem-teoria. A teoria ingênua observacional que tratava "A Estrela da Manhã" e a "Estrela da Tarde" como intercambiáveis e não admitia a inserção de "Vênus" como termo também possível, nomeando o mesmo referente, visto que a teoria que garantiria essa tradução e equivalência de referentes, bem como a descoberta da existência daquele planeta, ainda não se encontrava à disposição.

O mesmo é válido para a situação hipotética em que um indivíduo profere a sentença "Vejo um gato listado" e outra sentença do tipo "Há um sinal síncrono, de 40 Hz, na área V1 do córtex visual do indivíduo". Embora o referente para o processo de ver um gato listado possa ser exatamente a sincronização, o indivíduo em questão é capaz de saber a primeira sentença verdadeira, desconhecendo a verdade ou falsidade da segunda.

A redução a referentes preserva o caráter ontológico, porém o caráter veritativo das sentenças intertraduzíveis se perde. Vai dai, que referência e verdade, como propriedade das sentenças, não são capazes de se manter. Pode-se ter mesmo referente e, nem por isso, o estatuto lógico se mantém. Isso tem claras implicações, porque numa formulação de teoria de senso-comum em que se fizesse a seguinte dedução:

"Paulo saiu correndo porque viu um gato listado", não teria a mesma leitura que "Paulo saiu correndo porque houve uma sincronização de tal tipo em seu córtex visual".

Se Paulo é capaz de verificar a verdade de ver um gato não é capaz de verificar a verdade da sincronização. Por absurdo, diante da sentença "ter uma sincronização", Paulo não correria, o que redundaria ser comido pelo gato listado que, na verdade, é um tigre.

3.5.3. O estatuto da linguagem e dos estados

O absurdo da afirmação de que "Paulo vê um tigre" é verdadeira e "Paulo tem um sincronização na área V1" é falsa, redunda, na prática, que Paulo, no primeiro caso, foge e, no segundo, permanece para ser devorado, fazendo complicados cálculos.

Paulo foge de um tigre porque há um estado cerebral subjacente que coordena seus movimentos. Seja um "tigre" ou a oscilação ou sincronização x ou y na área visual, a resposta é a mesma.

Essa formulação tem sido chamada de intencionalidade hetero-derivada, i.é., Paulo tem a disposição x, para agir de maneira y, diante do estímulo z. Qualquer linguagem que descreva essa tríade, captará e imputará vínculos semânticos que não são realmente estados de Paulo, mas apenas estados x, y e z, descritíveis através de linguagens diferentes, entre elas a linguagem dos operadores intencionais (Paulo crê que seja um tigre o que aparece no seu campo visual e, portanto, corre dele).

Descrever os tipos cognitivos é de uma certa forma um problema que diz respeito a esse panorama. Há uma variedade de sensações do sujeito mental, qualia, que não são captáveis por uma linguagem de cunho fisicalista, sendo melhor descritos através de um operador "Paulo teme que p" ou "Paulo crê que p".

Tentar uma redução do mental ao físico, através do mental entendido como sensação do sujeito, é vácuo. Tentar uma redução de teorias mentais a teorias cerebrais é, por ora, impossível, porque não há teorias sólidas de nenhum dos dois lados que possam ser candidatas à redução. Reduzir os objetos da consciência (mente) a objetos do processamento cerebral é igualmente impossível, devido à peculiaridade de existir uma relação "muitos para muitos" entre esses dois objetos. O gato mental não tem um único estado cerebral que o define. Porém, se não tem um único estado, nada garante que não haja uma taxonomia categorial, tal que a classe dos gatos mentais seja projetável numa classe de estados cerebrais. A forma do conceito "gato mental" deveria então ser suficentemente explicada para que tivéssemos uma descrição completa do que é o conceito de gato.

Duas são as possibilidades, no que tange aos conceitos mentais: pode haver dentro de uma teoria clássica dos conceitos uma definição do tipo "gato, se e somente se...." ou então, na perspectiva de uma teoria prototípica do conceitos, podemos ter melhores ou piores representantes para um conceito.

O conceito de mamífero poder ter um animal como sendo seu protótipo (por exemplo, um bezerro), chegando até os casos quase externos de representante (por exemplo, uma baleia). A concepção prototípica dos conceitos está muito mais de acordo com a possibilidade de uma taxonomia mental que se projete em uma classe de estados do sistema nervoso central subjacente. Basta, portanto, achar quais devem ser os objetos mentais que iniciem nossa peregrinação taxonônica e, posteriormente, encontrar a classe de operações cerebrais que eventualmente estabelecem ligação nômica com eles.

Certo está que esses objetos mentais não são teorias e nem são objetos isolados como "o gato que Pedro percebe neste instante no seu campo visual", nem mesmo a qualidade intrínseca das sensações (o gosto das madeleines para Marcel Proust e seu potencial de evocação do passado, ou de recall como prefeririam os modernos).

O que deverá ser candidato a redução é um nível de objeto- conceito que fará a primeira partição do mundo cerebral em esferas mentais.

Voltemos, no entanto, por alguns instantes ao problema da linguagem.

 

 

 

 

(Fig. 5: Relação entre objetos-conceitos – transparente - e linguagem de descrição – cinza - no caso da Dinâmica Cerebral na versão forte)

Se o problema da definição dos estados mentais é tal, que devemos verificar sentenças no seu interior e, nessa linguagem que descreve fatos mentais, não ocorrem termos cerebrais, de igual maneira, os estados cerebrais são descritos através de uma linguagem em que não ocorrem termos mentais, então:

  1. não há como efetuar a redução, sem que tenhamos os princípios-ponte entre as duas linguagens;
  2. temos que ter uma linguagem neutra, capaz de descrever estados mentais e cerebrais de maneira a diferenciar, sem imputar semanticamente, classes de objetos mentais e classes de objetos cerebrais.

Como não há princípios-ponte, devemos estabelecer a alternativa b) como a melhor estratégia seguir.

O dilema, então, é o seguinte: se não temos condição de estabelecer uma ligação nômica entre estado mentais, descritos por uma linguagem mentalista do tipo "Paulo está consciente que p", ou então de estados cerebrais do tipo "Ocorre uma sincronização ou atividade na área tálamo-cortical de Paulo", devemos encontrar uma linguagem neutra que descreva ambas, sem que precisemos estipular a ligação "Paulo está consciente de uma gato, ou de uma classe de gatos se, e se somente se, está com o disparo de sincronizações nas áreas occipitais x ou y".

Vamos redefinir o mental como sendo o consciente. O conceito de mental, agora, é o conceito de "ser consciente" ou de "se tornar consciente". Vamos tomar uma parte do consciente, que é o controle voluntário sobre a ação, em oposição ao controle automático. Vamos definir uma linguagem capaz de falar genericamente de estados cerebrais e de particioná-los em "conscientes" ou "não-conscientes", sem que para isso se faça qualquer alusão a outros níveis de linguagem, lemas, definições ad hoc, etc.

Definição 25: Seja uma classe de objetos cerebrais definíveis através de uma equação diferencial ordinária não-linear a parâmetros, que retrata os eventos oscilatórios capazes de representar uma classe de objetos descritos por um conceito da linguagem ordinária.

Definição 26 (D26): As condições iniciais e os diferentes valores ordinários de parâmetros, que redundam em diferentes soluções para a equação diferencial em questão, são exemplares ou instâncias do objeto-conceito.

Definição 27 (D27): Os valores de bifurcação no espaço de parâmetros definem instabilidade estrutural da equação. Toda vez que tivermos instabilidade estrutural e, portanto, alteração topológica no espaço de soluções, teremos controle voluntário.

Hipótese 23 (H23): O cérebro humano executa uma série de operações sem que haja a necessidade de recrutamento de outros processadores. Diante de certos dilemas, expressáveis sob a forma de instabilidade estrutural na equação que descreve o estado cerebral atual, faz emergir em uma outra área uma oscilação que representa a solução da equação naquele instante. A tarefa desse nível é decidir, fazer a rede convergir, optar e desambigüizar o sistema, de tal sorte a reinstaurar o valor ordinário de parâmetros, fato que roteará a informação para o modo automático de processamento. A mente, então, é o conjunto inicial de separação entre estados cerebrais que carecem de solução ou de aprendizado e outros que podem ser manipulados pelos modo automático. Quando não manipulados pelo automático, recruta-se um nível superior, voluntário, prototípico, no que diz respeito à forma neuronal que o embebe, da consciência.

A linguagem dos sistemas dinâmicos pode ser uma forma neutra de falar de cérebro e mente, desde que, por mente, se entenda apenas o controle voluntário sobre a ação.

Se, dada uma equação diferencial ordinária que descreve um objeto-conceito, tivermos estabilidade estrutural e, portanto, valor ordinário de parâmetros, teremos, ato contínuo, roteamento de processamento para as áreas posteriores, cerebelares, da cabeça (ou do sistema nervoso central). Se, por outro lado, apresentar-se instabilidade estrutural e valores de bifurcação no espaço de parâmetros, teremos manipulação voluntária pelas áreas cerebrais frontais e tentativa de, via aprendizado e treinamento, ajustar o sistema para que processe, posteriomente, no modo automático.

Dado o fato de existir sensibilidade às condições iniciais, haverá, para certas condições iniciais, processamento consciente porém não necessariamente capaz de desambigüizar o sistema, dada a duplicação sucessiva de períodos ou de multiplicidade de estados possíveis no atrator que define as soluções do sistema.

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 6: O processamento mental, subconjunto do processamento cerebral, é definido primitivamente como instância de controle sobre as variedades voluntária e automática de quaisquer objetos consciente ou passíveis de se tornarem conscientes)

Com o apelo a uma forma neutra de descrição do mental e do cerebral podemos dizer:

  1. todo estado mental é um estado cerebral;
  2. nem todo estado cerebral é mental;
  3. todo estado mental se divide em dois tipos: voluntário e automático;
  4. todo estado cerebral pode ser descrito por uma equação diferencial ordinária a parâmetros;
  5. instabilidade estrutural no plano da equação anterior roteia o processamento para as áreas frontais de controle voluntário;
  6. estabilidade estrutural no plano da equação anterior roteia o processamento para a áreas cerebelares-porteriores de controle automático;
  7. a estrutura matemática da equação descreve um conceito do ponto de vista prototípico;
  8. os diferentes valores ordinários de parâmetros correspondem a diferentes instâncias do objeto-conceito;
  9. a sensibilidade a condições iniciais engendra processamento anômalos que redunda em estados mentais-cerebrais ambíguos – nem voluntários, nem automáticos (vamos chamá-los de sonhos e psicose);
  10. a computação que o cérebro humano perfaz para executar as funções mentais é de tipo lato sensu, manipulando EDOs e captando-lhes instabilidade e estabilidade estrutural. Do ponto de vista de sistemas de regras, poder-se-ía dizer que o sistema executa uma computação sobre topologias seguindo uma regra do tipo: se o sistema é linear o processamento é sempre cerebral; se não- linear com bifurcação é voluntário; se não-linear com estabilidade estrutural é automático; se apresentar sensibilidade às condições iniciais, para certas situações, teremos o surgimento de mais dois estados mentais - psicose e sonho - não exatamente traduzíveis como automático ou voluntário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 7: Estratégia de Dinâmica cerebral forte – a linguagem é de sistemas dinâmicos, a mente é a modalidade de controle e a computação cerebral é dinâmico-topológica)

 

O problema, então, de formulação de qualquer modelo sobre cérebro e mente passa pela correta caracterização de uma possibilidade de ponte entre três séries distintas: computação-cerebral/cognição-símbolos/linguagem.

As tentativas de se fazer computação stricto sensu e linguagem mentalista com símbolos, que são proposições, mantêm dissociadas a ordem dos eventos cerebrais e mentais (hardware/software), típicos da IAS.

A tentativa de mitigar a relação entre símbolos, tornando a norma de conexão, uma regra dinâmica, altera a forma de computação, porém mantém intocada a linguagem mentalista e os símbolos proposicionais, típicos da IAC.

Não há redução possível do nível dos símbolos mentais para os estados cerebrais subjacentes, salvo se pague o preço de reeditar um localizacionismo empirista radical como constituidor das categorias cognitivas ou, então, imputando-se, semântica e proposicionalmente, módulos neuropsicológicos de processamento de informação (estilo neuropsicologia cognitiva).

A dinâmica cerebral (DC) redefine a computação tornando-a topológica, adota uma linguagem neutra de sistemas dinâmicos e torna os símbolos, nem teorias, nem proposições, mas apenas o controle voluntário sobre a ação. Acrescem-se, ainda, três estados possíveis, candidatos a símbolos- automático, psicótico e onírico (sonhos).

Com isso, o modelo, embora menos poderoso para falar de todas as instâncias do mental, acaba por definir, de posse de uma linguagem neutra, os estados cerebrais exclusivos e os cerebrais passíveis de serem chaveados para um dos quatro estados mentais – voluntário (parâmetros de bifurcação), automático (valor ordinário de parâmetros), sonhos - sistema autônomo caótico - e psicose - sistema forçado caótico.

Desse modo o modelo que apresentamos sob o rótulo de dinâmica cerebral procura:

  1. criar uma norma de visão da emergência de símbolos mentais, a partir de um estilo de processamento cerebral;
  2. criar uma norma de descrição una para todos os eventos;
  3. redefinir símbolos mentais em quatros classes possíveis de descrição, em uma linguagem cerebralista-dinâmica.

Passemos, portanto, a examinar a verossimilhança de usar a noção de oscilação e sincronismo como definidora de estados cerebrais e, ainda, de computação lato sensu como passível de descrever estados cerebrais. Devemos definir o estatuto do controle voluntário como capaz de captar uma parcela da consciência, cerne da vida mental e processamento exclusivo das arquiteturas naturais, não tendo, jamais, sido imputado a máquinas.

 

 

 

CAPÍTULO 4

DINÂMICA CEREBRAL E CONTROLE

 

Definir uma ontologia para descrever as operações cerebrais que sustentam a emergência de padrões simbólico-mentais, com base nas noções de oscilação (objetos) e sincronização (relações), requer que façamos uma inspeção nos mecanismos de codificação de informação no cérebro humano.

Comum na ciência, o problema do nível de abordagem será crucial para que definamos a dinâmica cerebral utilizada na constituição de um modelo de emergência do mental. A primeira suposição forte deve dizer respeito a uma certa paridade entre os níveis de descrição, isto é, aquilo que se pode descrever no nível da biofísica de membrana, através da análise de fluxo de íons e geração de microcorrentes, deve ter alguma similaridade no nível da descrição de neurônios e suas conexões sinápticas, assembléias, circuitos e, finalmente, na ordem dos macro-eventos comportamentais, discrimináveis através de alguma técnica de observação: vigília, sono, comportamento motivado, etc.

Assumindo existir alguma relação de equivalência entre os níveis, molecular/celular/hodológico e comportamental, vamos inicialmente focalizar o nível de partida de nossa caracterização do sistema nervoso, como uma aparato dinâmico.

Há dinâmica em qualquer um dos níveis apresentados, bem como se poderia refinar a análise dos níveis supondo-se intra-níveis e assim por diante.

O ponto de partida de nossa ontologia dos eventos cerebrais situará o neurônio como objeto primitivo do sistema e conexão sináptica entre neurônios como a relação de 1a ordem.

Convém recordar a rationale do projeto, asseverando que, se temos três níveis de descrição para o nosso problema de encontrar alguma relação nômica não-genérica entre eventos cerebrais e eventos mentais, devemos definir a classe de operações cerebrais como oscilações e sincronismo, a classe de eventos simbólico-mentais como controle voluntário e automático, e uma linguagem neutra, que interligue os dois blocos de estados cerebrais e mentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 8: Três níveis de relação e respectivas entidades)

Temos, então, que, a partir de dois dados sobre o sistema nervoso baseados em duas unidades distintas que serão provisionalmente nossos objetos e relações, neurônios e sinapses, garantir uma relação que corresponda a oscilações e sincronismo em um nível n de descrição da dinâmica cerebral, tal que possamos garantir parcialmente a relação com o binômio controle voluntário x automático, na primeira diferenciação do mundo cerebral, em categorias do mundo mental-simbólico.

 

4.1. NEURÔNIO E SINAPSE

formas possíveis de dinâmica e codificação

 

A célula básica do sistema nervoso é o neurônio, formado de três estruturas distintas: dendritos por onde se recebe a informação, corpo celular onde a informação é processada e axônio por onde a informação é enviada para o neurônio seguinte. Os dendritos, normalmente, são em número muito grande enquanto o axônio é, em geral, unitário.

Suponha um neurônio constituído de apenas dois dendritos, de um corpo celular e um axônio, estabelecendo ligação sináptica com um neurônio vizinho através do seu axônio.

1 3

4 4 44

2

    1. 5

sinapse

dendritos corpo celular axônio dendrito c.celu.

(Fig. 9 Neurônio esquemático e ligação sináptica com outro)

 

Na Figura 9, acima, distinguem-se três estruturas básicas do neurônio (dendritos, corpo celular e axônio) e 5 eventos básicos para a compreensão do processamento:

 

  1. potencial sináptico no dendrito 1 (ou potencial local);
  2. potencial sináptico no dendrito 2 (ou potencial local);
  3. potencial de ação (série de) no axônio;
  4. porta ou limiar no corpo celular;
  5. sinapse: junção química ou elétrica entre o neurônio 1 e o neurônio 2.

O exame da dinâmica cerebral, a partir de um neurônio e seu processamento dinâmico, e da conexão-relação de um neurônio com outro, nos servirá para discriminar o porquê de ser lícito tomar oscilações e sincronismo como objetos-relações fundamentais no cérebro humano.

O processo de codificação no sistema nervoso central se serve da propriedade do neurônio ser capaz de gerar corrente diante de determinados tipos de estimulação (elétrica, mecânica, etc.). A célula está isolada de seu meio circundante por uma membrana que deixa passar íons seletivamente. No estado de repouso, temos uma forte concentração de Na (sódio) no extracelular e de K (potássio) no intracelular. Embora ambos sejam íons positivos, a diferença de concentração nas adjacências da membrana é capaz de criar uma diferença de potencial, sendo, para todos os efeitos, o intracelular negativo em relação ao extracelular.

Diante de uma estimulação local ocorre a variação de condutâncias gNa e gK, de tal sorte que, pela migração de cargas através da membrana o interior se torna positivo e o exterior, negativo. Esse efeito, embora local, pode ser otimizado no nível do axônio, à custa de uma bomba de sódio, bomba esta que aumenta brutalmente a passagem do íons pela membrana, não variando apenas a condutância de forma lenta como no dendrito. Devido a existência, ainda, de uma barreira de mielina que isola o axônio, a corrente gerada no dendrito é fraca e tende a dever-se, apenas, às alterações locais de condutância de Na e K (também à presença de outros íons que desempenham basicamente tarefa moduladora como o Cl-).

A corrente gerada por inversão de cargas, em qualquer ponto do neurônio, pode ser:

  1. dendrítica, de forma e amplitude variáveis devido à modificação de condutâncias dos íons Na e K;
  2. axonal, de forma e amplitude fixas, devido à modificação abrupta de condutância dos dois íons graças a uma bomba de Na localizada no axônio (particularmente na área próxima ao corpo celular – área de disparo ou pequena colina axonal).

O processo de codificação-transmissão de informação no neurônio segue, então, a seguinte lógica:

    1. Um evento despolarizante (porque o neurônio na condição de repouso está hiperpolarizado) gera uma corrente no dendrito (modelizável através de um circuito RC). Essa corrente dendrítica, também chamada de potencial sináptico (inibitório ou excitatório), ou potencial local, tem forma variada, amplitude variada e ocorre num instante e posição determinados. Para todos os efeitos, vamos caracterizar a corrente gerada nos dendritos 1 e 2, diferentes, através da quádrupla [ sn , tn , an , dn ] , sendo s um ponto no espaço, t o instante, a a amplitude e d a duração. A representação da corrente dendrítica é, portanto, possível de se fazer em quatro eixos ou, então, o resultado de uma integral naquele ponto. Devido à forma variável - amplitude e duração variáveis -, dizemos que há um evento analógico, de tempo contínuo e com valores de –m a +m.
    2. Essa corrente dendrítica, ou potencial local ou potencial sináptico, segue rumo ao corpo celular, decaindo substancialmente devido às propriedades resistivas do meio, sendo modelizável através de equações de cabo.
    3. No corpo celular, a soma das correntes dendríticas, no caso do exemplo de 1 e 2, gera uma corrente resultante quer deve superar um limiar de excitabilidade do corpo celular. Abaixo desse limiar não há geração de corrente axonal, acima dele, gera-se um evento abrupto de acionamento da bomba de Na, que inverte bruscamente a polaridade, gerando intensa migração de íons pela membrana (cerca de 1000 vezes superior ao eventos locais de alteração simples da condutância que ocorrem no dendrito) e gerando uma corrente em pulso, de amplitude fixa e duração fixa, chamada potencial de ação. O potencial de ação contém as seguintes não-linearidades: a existência de um mecanismo de porta ou limiar e, ainda, a alteração das condutâncias passiva e ativa, via bomba de Na. A modelização do potencial de ação e de sua gênese, bem como a existência de limiar e parâmetros que descrevem as condutâncias passivas e ativas (devido à bomba), está muito bem formulada nas equações de Hodgkin-Huxley (Kovács, 1997, p. 32 e ss; Barboza, 1992). Porém, se a dinâmica de geração do potencial de ação, que será responsável pela corrente axonal, é não-linear no que tange à existência de limiar e à mudança de condutâncias, o resultado, potencial de ação, é de amplitude fixa e duração fixa, de tipo tudo ou nada, podendo ser descrito pela dupla [ pn , tn ] , sendo p o potencial (presente ou ausente) e t o instante de ocorrência.
    4. A característica de pulso do potencial de ação, discretizável e tratável através de uma lógica digital-booleana, gerou uma concepção de que o neurônio, após integrar a informação analógica proveniente dos dendritos, executasse função discreto-digital de tipo porta lógica (tudo ou nada, 1 ou 0, instanciando conectivos lógicos do cálculo de predicados (Neurônio de McCulloch-Pitts).(Kovács, 1997b, pp 27-37)
    5. Embora característica de pulso da corrente do potencial de ação no axônio seja, em princípio, traduzível por uma lógica digital, existe uma relação entre a onda que descreve o resultado da soma de correntes dendríticas e a quantidade e intervalo de potenciais de ação gerados no axônio. (Relação w/p – wave/pulse – que mantém a característica do potencial de ação como evento digital no que tange ao potencial isolado mas analógico no domínio da quantidade de potenciais gerados, bem como no intervalo entre eles).(Freeman, 1992)
    6. A transmissão de corrente do axônio para o próximo neurônio, normalmente num de seus dendritos, deverá enfrentar um intervalo chamado sinapse, em que a corrente (potencial de ação) deverá ser transformada em algum meio carregador para que se dê a conexão. A sinapse elétrica, em que a corrente axonal estimula diretamente o neurônio seguinte, não está presente no cérebro humano. A sinapse química atua de forma a converter a corrente axonal em quantidades de neurotransmissores, liberados no terminal pré-sináptico, que irão até a membrana pós-sináptica do neurônio seguinte, causando ali uma despolarização local.
    7. Os eventos de liberação de neurotransmissor, os tipos de neurotransmissor (noradrenalina, serotonina, etc), as ligações com receptores específicos de membrana pós-sináptica, a geração de eventos intracelulares de ativação de mensageiros intracelulares que atuarão nos genes, de forma a coordenar a síntese de novos receptores em quantidade e forma variadas, além da presença de neuromoduladores, fazem com que a corrente axonal, no que tem de analógica, quer pela quantidade, quer pela freqüência, possa ser mantida na transformação do pulso (ou dos pulsos e respectivos intervalos) axonal em onda no dendrito seguinte. (Relação p/w garantida devido a inúmeros fenômenos biofísicos sinalizadores e moduladores). (Freeman, 1992)
    8. A ligação de neurotransmissores com receptores, na membrana pós-sináptica, é responsável pela alteração de condutâncias de Na e K (como também de Cl), o que é capaz de reinstaurar a corrente dendrítica, pós-sináptica ou potencial local, que traduz a informação recebida do axônio. A força da conexão poderá ser modificada através de uma série de eventos biofísicos e de alteração de forma e quantidade de receptores, de tal sorte que a conexão poderá ser amplificada ou não. Isso gera fenômenos chamados de LTP (long-term potentiation) e LTD (long-term depression), reponsáveis por mecanismos de aprendizado, memória, condi- cionamento, etc.
    9. A força da conexão entre um neurônio e outro ou de sinalização axonal no neurônio 1 e resposta sináptico-dendrítica (normalmente, podendo ainda ser no corpo celular ou diretamente no axônio) é chamada de sinapse hebbiana. Pode ser formalizada através de uma forma simples do tipo [ p x ws ] , sendo p a intensidade e ws o peso da conexão sináptica.
    10. Em princípio, então, a série de eventos codificados no dendritos 1 e 2 do neurônio 1 podem ser transmitidos, de tal sorte a serem integrados no corpo celular, sofrendo com isso alguma forma de processamento integrativo-decisório - superar ou não o limiar -, gerando um pulso traduzível sob a forma digital, no que tange ao potencial de ação isolado, mas que, na sua quantidade e freqüência, recria a codificação analógica das correntes dendríticas, sendo então traduzido na conexão axo-dendrítica através da mediação de neurotransmissores e neuromoduladores, que garantem a codificação freqüencial-analógica plena, além de um suposto fator de amplificação da conexão, denominado sinapse hebbiana.

 

O mecanismo de sinalização-codificação no sistema nervoso central é mediado por impulsos elétricos que codificam em quatro eixos - espaço x onda (amplitude + duração) x tempo. Há porém dois aspectos cruciais que devem ser bem entendidos:

    1. em primeiro lugar, a codificação temporal pode ser apenas no instante da ocorrência de um determinado evento discreto ou, então, o tempo entra como eixo que instaura, no domínio das freqüências, uma fonte suplementar de códigos;
    2. em segundo lugar, a forma analógica pode ser uma densidade de pulsos de potenciais de ação com um intervalo variável, representando uma distribuição de freqüências ("código de barras" Del Nero, 1997). (Fig. 10)
    3.  

       

       

      (Fig. 10: Intervalo interespículas e codificação tipo "código de barras" in Koch, 1997, variação interespícula e codificação temporal)

       

    4. uma terceira consideração, diz respeito ao fato de que, dificilmente, se considera um neurônio isolado como processador de informação relevante, porém a unidade fundamental de processamento – assembléia neural – guarda uma relação de equivalência com o processamento do neurônio isolado, de tal sorte que o potencial de campo captado tem uma relação de equivalência com as correntes dendríticas e essas, com a densidade de pulsos de potenciais de ação gerados por aquele grupamento.

O acesso ao sistema nervoso central como fonte de codificação tem, então, as seguintes características:

    1. a unidade de processamento pode ser o neurônio ou um grupamento deles, segregados no conceito funcional de assembléia;
    2. cada neurônio isolado tem a seguinte série de eventos bem discriminados: potencial local (corrente sináptica –analógica) - integração no corpo celular – geração de pulsos (potenciais de ação) – conversão de pulsos em corrente analógica, no terminal pós-sináptico.
    3. a assembléia constituída por um grupamento de neurônios tem uma série de eventos do tipo densidade de correntes dendríticas (captáveis pelo EEG) – densidade de pulsos de potencial de ação (campo médio local).

O neurônio isolado e a assembléia garantem um isomorfismo, tal que a codificação analógica se dá do dendrito ao corpo, deste para a série de pulsos e destes para a geração de corrente sináptica.

Captando-se pelo EEG as correntes sinápticas tem-se uma estimativa indireta da densidade de pulsos (potenciais de ação), no caso da assembléia, ou da quantidade discreta de pulsos, no caso do neurônio isolado.

Para efeito de certos modelos, particularmente o simplificado que adotaremos neste trabalho, não cumpre:

    1. diferenciar sinapses excitatórias, inibitórias e moduladoras;
    2. diferenciar assembléias de neurônios isolados, garantindo-se que propriedades oscilatórias do potencial de ação, seja no neurônio isolado, seja na assembléia, estão devidamente preservadas na sua razão codificante e relativamente bem espelhadas através de métodos de medida indireta, como é o caso de técnicas eletroencefalográficas e outras medidas, da codificação que está sendo levada a cabo pelo sistema.

Essas afirmações abrem importantes considerações no que tange à forma dinâmico-localizacionista (o que chamei anteriormente de dinâmica cerebral fraca) de se enxergar o sistema nervoso ou dinâmico-dinâmica, essa última a vertente que seguimos na chamada dinâmica cerebral (dinâmica cerebral forte).

O problema da codificação e da representação das chamadas categorias-símbolos terá que ter definidas estas duas vertentes, para que se possa entender exatamente as duas formas de se enxergar o processo de codificação via oscilações e as relações via sinapses.

 

4.2. O neurônio como fonte de oscilações: o paradigma localizacionista e a alternativa dinamicista.

 

Redefinir um padrão ontológico simples, que nos permita unificar as séries de eventos mentais e cerebrais, passa por uma crítica sub-reptícia a um localizacionismo mitigado, contido na concepção tradicional de assembléia neural.

Várias são as etapas que medeiam a caracterização do neurônio oscilador como fonte de codificação temporal.

  1. Primeiramente, há que abandonar a idéia de uma conversão análogo-digital entre o potencial local-dendrítico-sináptico e o potencial de ação no axônio.
  2. Em segundo lugar, é preciso caracterizar que concepção de representação de objetos está em jogo no neurônio isolado ou na assembléia neural.

A idéia localizacionista pode persistir intocada, mesmo no nível da aceitação de uma codificação analógica para o neurônio e para a ligação entre eles. Basta, para isso, que se tenha uma versão de neurônio ou de assembléia como codificando-representando algum traço prévio estanque.

A concepção chamada de place-coding vai nessa direção, devendo-se a Barlow, Hubel e Wiesel (Del Nero, 1997). Um neurônio ou uma assembléia é entendida como codificando um determinado objeto protótipo, por exemplo linhas horizontais ou verticais, ou até mesmo faces e o disparo de pulsos de potenciais de ação mede, apenas, o grau de tipicidade do objeto que se apresenta.

A análise do neurônio como gerando uma determinada codificação temporal, ela já representando diferentes objetos, é estranha a um localizacionismo no nível do neurônio ou da assembléia que vê, no conjunto de potenciais de ação, apenas uma representação de fidedignidade do pareamento objeto representável e objeto representado.

O NEURÔNIO DE BARLOW (place-coding/ rate-coding)


média de potenciais de ação

 


 

 

(Fig. 11: Esquema para representar o neurônio de Barlow)

A concepção de uma conversão analógico-analógica não necessariamente insere o tempo como eixo de codificação no sentido genuíno, porque a caracterização do neurônio como representando um primitivo, pode fazer da média de potenciais de ação apenas a caracterização da prototipicidade do estímulo.(Fig.11)

 

(Fig. 11: O campo receptivo de Barlow in Rieke et al, 1997)

O neurônio de Barlow, ainda que não digital na qualificação do estímulo, pode mitigar sua representação através de um coeficiente de atenuação ou fidelidade.

Definição 28 (D28): Definimos o neurônio de Barlow como uma operação que, dada uma classe de estímulos x e um neurônio (ou assembléia deles) capaz de codificar x (x’), a média dos potenciais de ação gerados no axônio reflete a comparação, vetorial ou não, entre x e x’. Ainda que se possa inserir o tempo como um dos vetores da descrição da classe de objetos x e de seus representantes codificados x’, a representação é localizacionista, porque existe uma classe de objetos possível de ser representado pelo vetor x’. A média de potenciais de ação reflete o erro de medida entre x e x’.

Definição 29 (D29): Definimos um neurônio com dinâmica temporal legítima como sendo aquele capaz de representar diferentes objetos através da codificação temporal dos intervalos interespículas do potencial de ação. A média de potenciais pode se idêntica, mas o intervalo entre as espículas pode variar, criando assim uma fonte extra de codificação. (Fujii et al, 1996, p. 1310)

NEURÔNIO COM DINÂMICA (temporal-coding/ population-coding)


?

intervalo variável entre pot.ação

 

 

 

(Fig. 12 Neurônio com dinâmica: intervalo interespículas mede características extra de um objeto dinâmico não necessariamente previamente representado)

Quais objetos são candidatos à representação no neurônio com dinâmica legítima e intervalo interespículas capaz de codificar diferentes objetos e qual a representação prévia do neurônio para essa classe de objetos?

Hipótese 24 (H24): Há um alfabeto primitivo primário no sistema nervoso central, tal que ocorre a segregação de classes de objetos em diferentes áreas e com determinadas afinidades; a codificação temporal, captável por intervalo interespículas, mapeia objetos-funções para as grandes classes de manipulação: voluntário e automático.

Seria absolutamente forçoso que, se supuséssemos uma evanescência da codificação local, todos os neurônios, utilizando a variação interespícula como fonte extra temporal, codificassem todo e qualquer objeto. Isso não corresponde a um certo grau de localização que se vê no sistema nervoso. Porém, se não temos um antilocalizacionismo tão extremo em jogo, é verdade que a variação interespícula insere uma fonte de codificação extra extremamente rica que dificilmente pode ser desprezada pelo sistema.

Numa ontologia de redefinição de objetos de manipulação por uma determinada gama de neurônios capazes de gerar oscilações síncronas, os objetos já não são mais faces ou primitivos que não suspeitamos quais sejam no nível das entidades mentais; são, ao contrário, como vimos apenas símbolos-funções capazes de separar controle voluntário de automático, gerando como subprodutos estados oníricos e psicóticos.

A codificação temporal, portanto, pode, para efeito de antilocalizacionismo, inserir o intervalo interespícula como mapeador de determinadas classes de funções, enquanto que a classes dos possíveis objetos codificáveis por aquele neurônio permanece intocada.

 

4.3. A sinapse como elemento de relação local ou temporal

 

Quanto ao aspecto de relações entre os neurônios há uma norma de conexão física, normalmente mediada por neurotransmissores, denominada sinapse.

A conexão entre dois neurônios hipotéticos pode, através da sinapse, reforçar uma relação.

Imagine, por exemplo, a conexão entre um neurônio que representa pássaros e outro neurônio que representa a cor amarela. Através de um aumento na conexão entre o neurônio que representa pássaros e aquele que representa o amarelo, posso definir uma composição do tipo "pássaro amarelo".

A idéia de reforço local de força de conexão sináptica é conhecida como sinapse hebbiana que, por artifícios biofísicos vários, aumenta a conexão entre dois neurônios. Isso se dá por estimulação, repetição, condicionamento, etc.

A noção de aumento de conectividade sináptica mediando a relação e pareamento entre duas entidades é também parente de uma visão localizacionista de sistema nervoso. Para que haja o pareamento de duas entidades teremos de ter o reforço de conexão das partes (neurônios) que representam cada uma delas.

O enfoque dinamicista, antilocalizacionista, propõe, ao contrário, que o intervalo interespículas gera uma determinada oscilação numa determinada freqüência, ou em várias, codificando diferentes modalidades funcionais, e a sinapse preserva essa riqueza de codificação temporal, não ligando apenas neurônios através de uma constante hebbiana, mas adotando faixas de freqüência para diferentes classes de ligação funcional.(Koch, 1997)

Definição 30 (D30): A sinapse hebbiana é definida como uma junção físico-funcional entre dois neurônios que, pela repetição de passagem de informação entre ambos, aumenta a conectividade e a força de ligação entre elas, seja através de receptores seja através da geração de potenciais de longo termo (LTP).

Definição 31 (D31): A sinapse dinâmico-sincrônica é aquela que liga dois neurônios, apenas quando a freqüencia de pulsos axonais está na mesma faixa de sincronização com a freqüência de disparo no dendrito subseqüente.

A idéia de sinapse hebbiana está intimamente ligada a um neurônio capaz de representar classes de objetos bem definidos, o que redunda num localizacionismo estrito. A variação do potencial de ação mede fidedignidade, enquanto o peso de conexão mede a força de ligação entre dois conceitos diversos.

Numa vertente de sinapse acorde com mecanismos puramente dinâmicos de representação neuronal, apenas a conectividade é máxima quando a freqüência se assemelha, estabelecendo-se com isso relação de sincronização. Claro está, que para efeito de sinapse isolada, seria difícil imaginar mecanismos não-hebbianos, porém para assembléias que se ligam através de condução axonal, pode-se perfeitamente pensar em conexão temporalmente determinada de acordo com as freqüências envolvidas.

Há diversos trabalhos mostrando um mecanismo de memória não-hebbiana na região hipocampo-cortical, onde a responsividade não é total para quaisquer situações, mas está presente apenas para certos intervalos de freqüência. (Tsukada et al, 1996) Isso mostraria uma mecanismo não-hebbiano e, portanto, não-localizacionista de conexão.

Se um neurônio de tipo Barlow (place/rate coding) representa um pássaro e outro a cor amarela, não teríamos, para certos tipos de pássaros certos tipos de cor amarela, mas sim algo do tipo "pássaro-cor amarela" e maior ou menor intensidade de fidelidade nesta informação conjunta.

 

Por outro lado a idéia de uma codificação temporal teria algo do tipo: bichos para um neurônio e cores para outro neurônio. Desde que tivéssemos uma freqüência codificando pásarros, entre os bichos, e outra freqüência codificando amarelo, entre as cores, teríamos, com a sincronização de ambos, a conjunção pássaro-amarelo.

Entendo que, se o localizacionismo fere algumas possibilidades de codificação, também é verdade que um dinamicismo tão plural, quanto o descrito num eixo tão amplo que designasse bichos e outro cores, tem algo de inverossímil do ponto de vista biológico. Ainda mais, o fato de codificar bichos e cores, não retiraria o caráter localizatório de alguma forma de entidade, transportando o localizacionismo para os gêneros e supracategorias.

A hipótese que levanto é de uma polaridade no sistema nervoso central, polaridade esta que se estende do localizacionismo ao holismo, do símbolo primitivo às relações, do digital ao analógico, do discreto ao contínuo, do local ao não-local, do mecânico ao não-mecânico, do distribuído ao pontual, do serial ao paralelo, do reducionista ao emergente.

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Figura 13 mostra, então, quais são as condições para que se tente superar a barreira de unificação do cerebral ao mental, usando-se, para isso, de uma linguagem neutra que escolhemos ser a dos sistemas dinâmicos.

Várias são as etapas que medeiam a conversão do mental em cerebral, tal que possamos estabelecer uma sintaxe de tipo oscilação e sincronismo, como objetos e relações, respectivamente, que fundam a conversão de sinais cerebrais em símbolos mentais. Vamos refazer a peregrinação dos aspectos mais importantes:

  1. Os modelos até hoje apresentados clivam a relação entre cérebro e mente, tomando-os por hardware e software (caso da IAS) ou trazendo apenas o nível das relações para um estilo cerebral (IAC).
  2. O estilo cerebral das redes neurais se faz à custa da manutenção de símbolos mentais intocados, usados para interpretar uma determinada gama de vetores de entrada e saída da rede.
  3. Assumir símbolos como primitivos e procurar relações no domínio das regras lógicas (IAS) ou de regularidades que aproximem funções (IAC) pode ser interessante. A estrutura básica dos símbolos, entidades por excelência mentais-lingüísticas, permanece intocada.
  4. Símbolos, tomados como entidades mentais-lingüísticas, podem ser primitivos num sistema de relações, porém devem ter alguma expressão cerebral.
  5. Não por acaso se vê a reedição de um empirismo radical ingênuo, modelizando córtex sensorial e/ou motor ou, então, postulando diagramas em blocos com funções de transferência para supostos módulos de processamento informacional.
  6. A noção de símbolo traz embutida um localizacionismo em que se identificam neurônios ou conjuntos deles com determinados primitivos.
  7. A esses primitivos se agrega uma noção errônea de neurônio digital, como o instanciador de conectivos lógicos (caso em que as entidades localizadas nos neurônios não seriam apenas símbolos primitivos, mas genuínas proposições, fato que levaria a operar-se, apenas, a construção de cadeias inferênciais válidas).
  8. Mitigando-se a concepção de conversão analógico-digital, através da consideração do axônio como gerador de uma densidade de pulsos, temos o caráter analógico preservado no processamento axonal.
  9. Porém, o neurônio como instanciador de primitivos, sensoriais ou de primitivos proposicionais, continua pagando tributo ao localizacionismo por ser o locus de representação-codificação de uma classe de símbolos, o trem de potenciais de ação como expressão da fidelidade-prototipicidade do objeto face à representação local (place/rate coding).
  10. A sinapse como local de conexão-relação é considerada como plasticamente moldável a uma determinada quantidade de passagem de informação, de tal sorte que pode modificar-se aumentando a conectividade/força de ligação entre dois neurônios (sinapse hebbiana).
  11. Tanto a concepção de um neurônio pontificial (neurônio para símbolos característicos, por exemplo o rosto de minha avó), instanciador de uma codificação de lugar, bem como a existência de um mecanismo hebbiano de conexão, são fatores pró-localizacionismo.
  12. A possibilidade de uma codificação muito mais rica no axônio, indiretamente acessável pelo exame de correntes dendríticas que, não apenas analisa a média de potenciais de ação disparados, mas também o intervalo interespículas, indica para uma fonte de codificação extra, não-localizacionista, e para uma norma de conexão sináptica baseada em sincronismo freqüencial e não em mecanismo hebbiano.
  13. A impossibilidade de redução de teorias ou de entidades ao nível do processamento cerebral ou de, pelo menos, padrões subjacentes (por razões de várias fontes –intencionalidade e não-isomorfismo padrão/entidade) aponta para uma irredutibilidade do mental ao cerebral.
  14. De um lado, persiste uma irredutibilidade no nível das teorias e das entidades, no que tange ao mental em relação ao cerebral; de outro lado, persiste um localizacionismo de neurônio de Barlow e de sinapse hebbiana.
  15. A necessidade de refazer um mecanismo, tal que existam objetos e relações intertraduzíveis no nível cerebral e no mental, através da caracterização de símbolos que possam ter mútua representação, bem como a característica de um cérebro que, do ponto de vista de objetos, parece apontar na direção de primitivos representados em determinadas porções (pelo menos os primitivos sensoriais), associados à existência de um mecanismo de codificação temporal poderoso, já no nível do neurônio isolado (variação de intervalo interespícula), nos aponta um dilema ou um processo duplo.
  16. Parece haver um localizacionismo na representação de objetos primitivos sensoriais-motores, bem como parece haver uma dissociação no que tange a padrões que subjazem a termos mentais lingüísticos (proposições). Por outro lado, a caracterização de partições funcionais que definem as operações mentais de tipo controle voluntário x automático, além de mecanismo de geração onírica, psicótica, memórias, etc., parece poder ter alguma representatividade conjunta, no que tange a uma mútua intertradutibilidade mental-cerebral.
  17. Creio que se pode assumir uma dicotomia para vários eixos definidores de atividade mental em solo cerebral. A parcela funcional, cuja primeira partição será de controle voluntário x automático, bem como outras operações funcionais podem se servir da codificação temporal legítima. Para objetos propriamente ditos há um localizacionismo de primitivos sensoriais e a conjugação dessas entidades por introjeção lingüística, forjando categorias mentais puras (artefatos lingüísticos-mentais). Para objetos complexos e funções mentais controláveis, a norma de representação é temporal, não-localizacionista.

O que se pode depreender dessa formulação é que a mente, entendida como plano de representação de imagens/proposições de manipulação lógico-computacional sobre símbolos, é uma aproximação (colapso) de determinadas operações no nível cerebral.

Primeiramente, há que gerar uma gama de primitivos experienciais através de estimulação de córtex sensorial (nesse sentido o empirismo e o behaviorismo não estão absolutamente errados).

Em segundo lugar, esses primitivos sensoriais são elementos sintéticos a priori, condições de um léxico para descrever fatos do mundo (estados e processos, portanto, já dotados de capacidade de estabelecer relações de causalidade e seqüencialidade – presentes nos animais).

Esses elementos, a priori sensoriais, são particionáveis, via código temporal, em um espaço de funções em que se distingue, inicialmente um tipo de processamento frontal (para novidades) e outro posterior cerebelar (para automatismos e normas já treinadas e aprendidas). Cada objeto, seja simples primitivo sensorial, seja um elemento resultante da composição hebbiana de conjunções locais de primitivos localizacionistas, deverá ter na ordem temporal, a partição possível em espaços de processamento cerebral funcional, identificáveis anatomicamente com as regiões frontais e com as regiões cerebelares.

Pela possibilidade de manipulação lingüística e de interação comunicacional, o tempo, eixo de codificação de funções, vai se servir, agora, de elementos lingüísticos introjetados, em que a codificação temporal deverá exercer papel crucial na gênese das fôrmas cerebrais e da solução atratora equivalente ao domínio do significado do conceito. As formas e conteúdos resultantes serão a expressão de formas de ação motora e vocal (formas e conteúdos lingüísticos, aprendidos e codificados). (Del Nero, 1997)

A mente é o resultado de um processamento sobre primitivos locais sensoriais, mais a possibilidade dinâmico-temporal de qualificar objetos, assim formatados, em diferentes classes (e essa deve ser a função da codificação temporal legítima), mais a manipulação lingüística do meio, que introjeta formas e conteúdos que agora não mais são representados em neurônios ou assembléias, mas tem nos seus primitivos o significado possível de suas ações, que se traduz, em termos de processamento neural, na bacia de atração da dinâmica que aquela entidade constrói em cada uma de suas ocorrências. O localizacionismo da linguagem é, agora, temporalmente mediado e sua referência é o conjunto de padrões que constróem uma bacia de atração para o significado do termo.

A mente, na sua segregação de funções, é profundamente tributária, particularmente na medida que passa a manipular conceitos não-traduzíveis estritamente em linguagem sensório-motora, do mecanismo de partição de funções via codificação temporal legítima. Há, indubitavelmente, uma grande gama de primitivos sobre os quais opera a sensorialidade; para além deles, há a constituição de feixes de associação, temporalmente mediados e codificados e lingüístico-culturalmente descritos através da língua. Os referentes para esses conceitos primitivos de novas construções simbólicas são bacias de atração dinâmica, reconstruíveis através do exame:

    1. dos primitivos sensoriais;
    2. da norma temporal de segregação de funções;
    3. da conjunção de fatos e atos lingüísticos, capazes de retroagir sobre o sistema, nomeando padrões dinâmico-aprendidos de ação sobre o meio e sobre si.

Com isso, podemos dizer que a dificuldade de redução do mental ao cerebral se dá:

  1. no plano da identificação dos primitivos experienciais sensoriais;
  2. na identificação das possíveis partições de processamento funcional, através de uma dinâmica legitimamente temporal, já no nível do neurônio;
  3. da identificação da conjunção sensório-dinâmico-semântica, que cria bacias de atração para significados, habilitando a compreensão (ou boa ação em todas as ocorrências motoras e verbais) de um termo, de tal sorte que a expressão lingüística, forma e conteúdo, apenas nomeia esse novo local, não mais neurônio ou assembléia, mas padrão dinâmico construído através de processamento temporal, determinístico, não-mecânico (conjunto atrator).

Vamos então examinar agora os possíveis candidatos a função, no que tange ao controle voluntário x automático e também a possibilidade de que o mecanismo de oscilações e sincronismo sejam candidatos legítimos a uma redução funcional para o plano mental/cerebral.

 

4.4. CONTROLE E CODIFICAÇÃO TEMPORAL

 

A caracterização do binômio voluntário x automático diz respeito a uma discussão de formas de controle no cérebro humano. Isso tem importância crucial e pode, pareado ao problema da codificação temporal legítima, nos dar algumas pistas acerca da gênese da mente a partir do substrato neural.

Seria ingênuo localizar funções de controle apenas no que diz respeito às suas correlações anatômicas no cérebro humano. Não tem o menor poder explicativo e modelizável dizer que o controle voluntário implica uma maior densidade de fluxo sangüíneo frontal e o controle automático uma maior densidade do mesmo fluxo nas áreas cerebelares. Não ajudaria em nada projetar uma máquina que tivesse duas regiões – frontal e cerebelar/posterior – qualificadas, respectivamente, como loci de controle voluntário e automático.

Devemos, para caracterizar o problema do controle sobre a ação (motora, verbal, ideatória), assumir uma das duas posições:

    1. todas as formas de controle são idênticas e os objetos controláveis é que são designados como objetos conscientes ou não-conscientes (automáticos);
    2. distinguir, no controle voluntário, uma forma diversa do controle automático, independentemente dos objetos controlados num modo ou noutro.

Se supusermos que a codificação temporal é uma fonte suplementar de caracterização de modalidades de processamento, o controle voluntário e o controle automático se darão não sobre objetos estáticos, mas sobretudo sobre a variação temporal desses mesmo objetos na sua representação no sistema.

Se, para além da diferenciação topográfica de modalidades de controle (frontal e posterior), tivermos uma norma de diferenciação extra, não-topográfica, poderemos usar flutuações no eixo do tempo como porções controláveis por um modo ou outro.

Hipótese 25 (H25): Podem-se distinguir duas modalidades de controle no sistema nervoso – voluntário e automático. Essas duas formas são, basicamente, diferenciáveis por fluxo sangüíneo, tempo de latência de resposta e relato subjetivo. A dinâmica cerebral genuína como fonte de representação-codificação de objetos fornece objetos de controle sob a forma de oscilações síncronas. O controle voluntário atua nos sistemas em que há instabilidade estrutural e o controle automático sobre sistemas em que há estabilidade estrutural.

Seja um objeto ABC, representado através de um conjunto de oscilações no sistema nervoso. Se a equação que descreve esses objeto exibir instabilidade estrutural, o controle sobre ela se dará através de processamento frontal (até que se ajustem os parâmetros, para posterior manipulação automática); do contrário haverá mecanismo de controle cerebelar.

Hipótese 26 (H26): O controle voluntário é uma variedade de controle, tal que se procura ajustar parâmetros da equação que descreve a oscilação que representa um determinado objeto, de modo a criar uma representação interna x’ desse objeto, tal que a equação que o descreve passe a exibir estabilidade estrutural.

Hipótese 27 (H27): As situações de aprendizado, novidade e risco, são, por definição, situações em que não há representação interna do objeto a ser processado ou a representação é insuficiente para sincronizar o processamento no modo automático.

Através dessa caracterização, podemos supor uma mecanismo através do qual os objetos, quando codificados no sistema nervoso central, já contêm um índice temporal de roteamento para formas de controle. O modo automático perfaz todas as formas de controle sobre um objeto-oscilação estruturalmente estável. O controle voluntário faz o mesmo, porém em regime de instabilidade estrutural e procurando corrigir parâmetros (ou representações internas do objeto), de tal sorte a tornar o processo estável do ponto de vista estrutural.

Objetos são representados-codificados no sistema nervoso central através de três processos: excitação de primitivos sensoriais + dinâmica temporal chaveadora de formas de controle + conjunção com outros objetos sensoriais e/ou dinâmicos.

Definição 32 (D32): Primitivos sensoriais são classes de objetos típicos, representados por campos receptivos primários de neurônios isolados ou de assembléias de neurônios, capazes de responder com freqüência de potenciais de ação ou de densidade de pulsos (neurônio de Barlow), diante da progressiva protipicidade do estímulo. A conjunção de primitivos sensoriais se faz por mecanismo hebbiano, constituindo feixes de associações reduzíveis a um alfabeto primitivo sensorial (por exemplo, linhas verticais, horizontais, rugosidade e a cor branca, na caracterização de um objeto "parede branca").

Definição 33 (D33): Cada objeto, além da codificação local (Barlow-Hebb), pode conter uma fonte de codificação temporal legítima, discriminável no intervalo interespículas para o neurônio isolado ou na densidade de pulsos para a assembléia, capaz de caracterizar a forma de controle possível sobre aquele objeto. (Se instável estruturalmente – frontal; se estável estruturalmente - posterior/automático)

Definição 34 (D34): Objetos dinâmicos são aqueles objetos e relações aprendidas por submersão num contexto que designam padrões de oscilação que geram uma bacia de atração das soluções do sistema de equações que os descreve. Coordenam ações sobre outros objetos, são nomeados por termos e relações lingüísticas, não sendo possível reduzi-los a um alfabeto de primitivos sensoriais ou a uma norma dinâmica simples. A maior parte dos objetos mentais não sensoriais, idéias, conceitos, são o resultado da conjunção entre primitivo sensorial + norma dinâmica de codificação temporal para funções + norma dinâmica paralela de geração de fatos lingüísticos.

Hipótese 27 (H27): O tálamo e, em menor escala, o hipocampo são a via final do processo de representação codificação de objetos no sistema nervoso central. Para todos os efeitos, pode-se dizer que, uma vez feita toda a seqüência anteriormente descrita, apresenta-se um objeto, já não mais sensorial, mas dinâmico na região talâmica, devidamente localizável num padrão e devidamente carregado com informação temporal sobre o modo de controlá-lo.

Hipótese 28 (H28): Para efeito de processamento mental, pode-se dividir o cérebro em três grandes regiões: tálamo, córtex frontal e cerebelo. Objetos dinâmicos são representados-codificados no tálamo. Se as equações que descrevem esse objeto exibem estabilidade estrutural, o objeto é controlado através de uma relação de comparação vetorial com a representação interna do objeto (isso basicamente à custa de processamento posterior-cerebelar-automático). Se exibem instabilidade estrutural a relação de controle é estabelecida através de uma sincronização com o córtex frontal.


 

 


 

 

 

Sincronização Comparador (integrador)

Oe’ Rs Oe

(detector

de coincidência)

 

 

 

 

(Fig. 14: Duas instâncias de roteamento de um objeto dinâmico no tálamo: comparador/integrador cerebelar ou sincronização/detecção de coincidência frontal)

 

Separado o sistema nervoso, de maneira esquemática, em três grandes estruturas, pode-se dizer que:

    1. todo objeto cerebral, ao chegar no tálamo já é o resultado das operações básicas - primitivo sensorial + dinâmica de funções + dinâmica de atratores de significado (isto já para termos lingüisticamente nomeáveis);
    2. a representação de um objeto O no tálamo, se dá por meio de uma oscilação com uma determinada freqüência e fase;
    3. o objeto Oe, representado-codificado no tálamo será apresentado a uma representação de O no cerebelo (Oi) num mecanismo de comparação/integração escalar ou vetorial;
    4. se o erro na comparação entre Oe – Oi for diferente de 0, Oe será replicado na região frontal (Oe’) e se estabelecerá uma sincronização tálamo-cortical entre Oe e Oe’;
    5. o mecanismo de controle automático-cerebelar é escalar/vetorial; sua descrição pode, grosseiramente, seguir o padrão localizacionista de tipo Barlow/Hebb, em que, a uma dada representação, temos uma medida de fidelidade de objeto representado e objeto apresentado;
    6. o mecanismo de controle voluntário-frontal é dinâmico genuíno, sendo a codificação e a conexão entre elementos mediada por mecanismos não-hebbianos e com codificação de padrões através de uma análise de distribuição de freqüências;
    7. a geração de um evento oscilatório na região frontal que sincroniza com o evento talâmico, e a resultante sincronização tálamo cortical, é responsável por uma transição de fase no sistema fazendo emergir as sensações primárias de auto-monitoramento ou consciência-sensação;
    8. o papel da sincronização tálamo-cortical é corrigir as representações internas Oi (cerebelares), tal que a comparação futura seja possível, sem que haja necessidade de superviniência de controle voluntário;

Pode-se, dessa forma, tentar construir uma tabela hipotética para as duas modalidades de controle no cérebro humano:

 

 

 

 

Controle automático

Controle voluntário

região cerebral

cerebelo

córtex frontal

velocidade

rápido

lento

percepção consciente

quase nula

quase total

computação

stricto sensu

topológica

representação

pontual

distribuída

tempo

discreto

contínuo

valoração

digital

analógico

processamento

paralelo

serial

codificação

localizacionista (Barlow-like)

temporal

conexão

hebbiana

freqüencial/sincroniza-ção

linguagem/ descrição

matemático-lógica

sistemas dinâmicos

parâmetro

valores ordinários

valores de bifurcação

estabilidade estrutural

presente

ausente

aproximação linear

possível

impossível

determinismo

mecânico

não-mecânico

(Tabela 3: Diferenças possíveis entre modos de controle cérebro-mental)

Essa tabela deverá ser examinada caso a caso, contendo um sem-número de especulações que procuram apenas mostrar dois fatos que me parecem básicos a respeito da emergência de mente em sistemas físicos:

  1. Os modelos de função mental costumam ser, preferencialmente, de computação algorítmica, com símbolos primitivos, com discretização de eventos e com forte possibilidade de aproximação linear legítima e digitalização.
  2. Os modelos de funcionamento cerebral, naquilo que têm de rico, costumam, ao contrário, supor oscilações e sincronismo, requerendo-se uma computação não-algorítmica, tempo contínuo e replicabilidade mais fiel em sistemas analógicos.
  3. Modelos de função mental que privilegiem os aspectos cerebrais das dicotomias apontadas na tabela, terão melhor chance de estabelecer os princípios-ponte de redução, pelo menos parcial, de um ao outro.

De modo geral, a simplificação que propormos é a seguinte: ao se definir uma ontologia de objetos e relações, tivemos que reparametrizar a noção de símbolo-proposição ou localizacionismo sensorial para uma versão funcional. Porém, é fato que no nível primário sensorial, há um certo localizacionismo constituído de objetos primários. A codificação Barlow-Hebb, embora interessante, paga um tributo ao localizacionismo e deixa de captar uma segunda forma dinâmica de codificação já existente no neurônio (intervalo interespículas do potencial de ação).

Após uma série de transformações, chegamos a uma noção de objeto talâmico e de sua relação com córtex frontal e cerebelo. Pode-se dizer que, numa ontologia de eventos para todo o sistema, temos essa mesma tríade macro (tálamo-cerebelo–córtex frontal). Basta, para isso, que se considere o neurônio isolado como um aparato duplo, capaz de maneira localizacionista (Barlow-Hebb) detectar um estímulo e compará-lo através de um processo de integração com sua representação interna. Uma segunda fonte de codificação temporal legítima no potencial de ação pode ser responsável pela caracterização de espaços funcionais de qualificação do objeto.

A forma geral de processamento num sistema nervoso seria assim:

Dado um objeto externo Oe e uma representação interna Oi, dois são os mecanismos do neurônio com respeito ao objeto resultante:

 

 

1) (Oe – Oi): medida escalar ou vetorial (integrador)

2) doe-oi/dt : medida temporal com segregação funcional

 


Oe Oe - Oi



doe-oi/ dt

 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 15 Forma geral de manipulação de informação externa pelo neurônio)

Cada objeto seria formado à custa de um mecanismo integrador-comparador e de uma norma dinâmica de análise da estabilidade da equação que descreve o sistema.

A relação entre objetos assim formados geraria novos objetos através de relações. Em cada nível de processamento no sistema nervoso, haveria duas informações relevantes: uma que diz respeito à constituição de objetos de ordem crescente; outra que diz respeito a parâmetros de controlabilidade e segregação funcional dos mesmos. A consciência surgiria a partir das etapas que um estímulo tivesse que percorrer até que encontrasse "representação" interna compatível.

A formação de "novos objetos" se daria através de relações de erros medidos em diferentes pontos de detecção-integração.

Definindo objetos como oscilações, define-se uma determinada fase para a oscilação (bem como uma determinada freqüência).

A forma geral das relações no sistema

Seja um objeto O agora nomeável q que representa a fase da oscilação.

q e : objeto (fase) externo

q i : objeto interno

A forma geral das relações no sistema nervosos é:

 

A equação acima representa o mecanismo geral de representação de objetos e relações no sistema nervoso.

Objetos são oscilações que tem uma determinada fase q . Para não derrogar o localizacionismo, qualquer objeto externo é comparado como uma representação interna do mesmo. Quando a variação de q i - q e é zero, temos o objeto protótipo sendo apresentado. Isso é crucial no caso de um alfabeto de primitivos sensoriais, embora deva perder rapidamente possibilidade de ocorrência, à medida que integramos informação nas áreas associativas.

A relação entre dois objetos típicos q i e q j se dá por um duplo mecanismo: no caso da norma da diferença das fases internas ser zero, tem-se apenas a forma Wij (hebbiana) de conexão, essencialmente dependente de circunstância e reforço.

A norma de sincronização entre dois espaços freqüenciais ou duas fase será dada pela |q ii - q ij|. Com isso se mantém uma forma de conexão hebbiana/barlowiana para representação interna e reforço experiencial de conectividade e, ao mesmo tempo, se tem um mecanismo de análise da variação temporal de freqüências, o que nos dá uma codificação extra para objetos que chamamos de objetos funcionais (voluntário e automático) e ainda para relações entre esses objetos que são relações de sincronização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 5

 

CONTROLE VOLUNTÁRIO E SINCRONISMO:

DUAS MODALIDADES BIOLOGICAMENTE PLAUSÍVEIS

 

 

A possibilidade de que haja um mecanismo de oscilação e sincronismo subjazendo a determinadas classes de processamento cerebral é grande, porém ainda cheia de ambigüidades. Vamos nos ater a um processo de classificação e hierarquização de fatos, biologicamente plausíveis, tais que nos permitam lançar mão de oscilações e sincronismo como uma sintaxe funcional das partições do mental a partir do processamento cerebral.

Vários são os mecanismos pelos quais podemos gerar sincronismo no cérebro humano. Observa-se desde o mecanismo de geração de trens de potenciais de ação (densidade de pulsos) até a oscilação gerada por múltiplas unidades neuronais, disparando potenciais.

Três classes de medidas podem nos auxiliar na caracterização das oscilações: SUA (single unit activity), MUA (multiple unit activity) e LFP (local slow wave field potential). A medida de SUA dá uma estimativa da média de potenciais de ação, enquanto a medida de atividade de múltiplos neurônios (MUA) e suas respectivas correntes dendríticas nos dá uma estimativa da oscilação de um grupamento de neurônios. (Fig. 16)

 

 

 

 

 

( Fig. 16: Métodos de registro elétrico cerebral in Basar et al 1992)

Fato antigo, já descrito nos anos 50, a sincronização entre duas populações de neurônios, durante a apresentação de um estímulo visual (feito no córtex visual do gato) chama a atenção para a possibilidade de ser esse mecanismo responsável pela conjugação de diferentes propriedades em um todo único perceptual (binding).(Gray et al, 1992).

(Fig. 17: O experimento clássico de Gray sobre sincronização in Basar et al)

A questão, no entanto, é muito mais complexa e o mecanismo de oscilação/sincronismo detém duas propriedades bastante bem delimitadas, tais que podem nos auxiliar na compreensão do modelo que propomos, conferindo-lhe algum realismo biológico.

Diante da estimulação do sistema visual, através de um estímulo determinado, nota-se, nos campos receptivos, uma deflexão inicial considerada como captura de fase. Esse mecanismo é responsável pelo reconhecimento do objeto primitivo primário típico. As oscilações, que serão responsáveis por sincronismo, surgem alguns milisegundos depois e não tem relação direta com o estímulo. Essa oscilação chamada g spindle é que é responsável pela sincronização preferencial na faixa de 40 Hz e que subjaz ao mecanismo de binding.

Dois, portanto, são os mecanismos gerais de oscilação/sincronismo de que podemos falar, por exemplo, no córtex sensorial primário (para efeito de exemplo, vamos usar o córtex visual): a) captura de fase de pareamento estímulo/resposta e b) geração de oscilação tipo g , alguns milisegundos depois.

Enquanto o mecanismo de captura de fase é dependente do estímulo, apresentando nítida correlação com o mesmo, o mecanismo de geração posterior de oscilação na faixa de 40 Hz, é não-totalmente dependende do estímulo, no que diz respeito a especificidade e correção temporal. Mais ainda, esse mecanismo é controlado – modulado - por oscilações advindas de tronco cerebral (formação reticular mesencefálica) que são responsáveis pelo chaveamento de grandes modalidades comportamentais: vigília, torpor, comportamento motivado, etc.

A sincronização de neurônios ou grupamento de neurônios no córtex colunar é dado, por exemplo, pelo registro de múltiplos eletrodos espetados ao longo de uma coluna no córtex colunar, de tal sorte que se vêem correlações estritas entre as oscilações de cada grupamento neural (camadas).

 

 

O mecanismo geral é o seguinte:

 

 




estímulo x

SINCRONISMO SINCRONISMO

(POT. EVOCADO) (RITMO g )




estímulo x

 

 

 

Modulação


 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 18: Mecanismo geral de controle de dois tipos de sincronização e oscilação.)

 

 

 

 

 

 

 

In natural vision, short stimulus shifts are often followed by phases with more stationary retinal images, for example during saccade-fixation sequences or when a visual object suddenly moves and stops again. We partly mimicked such visual situations in our cat experiments by applying sequences of stationary or slowly drifting stimuli that were superimposed by sudden larger stimulus displacements. Two types of stimulus-related synchronized activations were observed under such conditions: 1) "primary"stimulus-locked responses occur synchronized with precisely timed poststimulus delays, and 2) stimulus-induced g -spindle synchronizations often followed such stimulus-locked responses.

Both types of stimulus-specific synchronizations can be identified to contribute to the local postsynaptic mass activities (Local Field Potentials) shown in Figure 3. Signal component due to stimulus-locked synchronization are contained in the averaged visually evoked cortical potential (VECPs) (Fig. 3B). VECPs are revealed by stimulus-locked averaging, whereas the rhythmic g -spindle components generally are averaged out by this procedure. Figure 3 also shows that oscillations do not persist throughout visual stimulation. Instead, we found that oscillatory events of 35 to 80 Hz occur as g -spindles with durations of about 50 to 700 ms that are separated by irregular pauses with more stochastic activity of lower amplitudes and less coherence. (Eckhorn et al, 1991, pp 54-55)

(Fig. 19: Captura inicial e sincronismo posterior na faixa gama)

Nota-se na Fig. 19 que dois eventos são bem marcados no tempo e com mecanismos diferentes. Há uma captura do estímulo, cuja média resulta no potencial evocado; o outro mecanismo de sincronização se deve a um processo de sincronização na faixa gama.

A modulação através da formação reticular mesencefálica é um achado de Gray et al que é mostrado na figura seguinte.

(Fig. 20: Influência da formação reticular mesencefálica na sincronização)

Outros elementos ligados ao problema do sincronismo e do chaveamento de funções dizem respeito ao mecanismo de formação dos campos receptivos e dos campos associativos (associative or linking fields) (Eckhorn et al, 1992, p. 73).

O campo receptivo (RF- receptive field) é um conjunto de neurônios que respondem preferencialmente a uma determinado tipo de estímulo primário, o que chamamos de primitivo sensorial. Um campo receptivo pode ser uma área não-contígüa de máxima resposta a um determinado estímulo-padrão, por exemplo barras horizontais em movimento.

Outro conceito fundamental para se entender o mecanismo de sincronização na faixa g é o de campo associativo (LF – linking field or associative field).

"In order to bring neuronal mechanisms of stimulus-specific synchronizations into correspondence with perceptual feature linking functions, we introduced the concept of the linking field (associative field) of a local neural assembly...The linking field extends the concept of single cell’s RF’s to neural ensemble coding. We defined the linking field of a local (reference) assembly of visual neurons to be that area in visual space where appropriate global stimuli can initiate synchronization between the reference assembly and other assemblies (that have their aggregate RFs within the range of the linking field). Linking fields are transiently ‘constructed’ by the constituents neurons as a cooperative process of synchronization, as we assume , according to the properties of their RFs, the present stimulation, and the linking connections." (Eckhorn et al, 1992, p. 73).

O conceito de campo associativo, de uma maneira limite, introduz, com alguma dose de extremismo e maniqueísmo, a seguinte dicotomia: os eventos que determinam a sua plena representação, em termos de primitivos sensorias primários, induzem a sincronização rápida de tipo captura de fase e não geram eventos sincronizatórios de tipo g -spindle. Quando há o mismatch de campo receptivo, ou coding overlap no campo receptivo se formam campos associativos à custa de sincronização com atraso de tipo g -spindle.

"This means that sufficient ‘coding overlap’ (in RF properties) is required in order for a stimulus to induce correlated g -spindles in separated cortical assemblies... In summary, we found that stimulus-locked (exogenous/nonoscillatory) and stimulus-induced (endogenous/g -spindle) synchronization processes are two states that can, in extreme cases, occur only in alternation...However, if the stimuli contain only ‘mild’ transients that evoke stimulus-locked responses of only small amplitudes, then both types of synchronizations occur intermingled"(op. cit. pp 53-60)

A função e os mecanismos responsáveis pela geração de g -spindles serão abordados posteriormente.

É importante notar que, no limite, podemos gerar uma taxonomia de dois eventos síncrono-oscilatórios com relação a determinadas funções e mecanismos córtex cerebral, o que terá importância fundamental na concretização de plausibilidade para o modelo teórico que propomos ao longo deste trabalho.

"Stimulus-specific synchronizations of g -spindles between three areas of cat visual cortex were recently discovered by us (Fig.10). The results from three areas generally confirmed earlier findings for A17-A18 and intra-areal correlations of g -spindles. Our data so far show that stimulus-induced synchronizations of g -spindles occur when the RFs at a recording position in one area had at least a single coding property in common with those in another area. This means that a common ‘stimulus object’ must activate the neurons in different areas simultaneously, and for internally mediated correlation to occur, the neurons must be coupled by appropriate connections. Figure 10 shows auto- (panels at the diagonal) and cross-spectral (other panels) estimates of simultaneous recordings from A17, A18, and A19 that were specifically ‘modulated’ by changing stimulus conditions" (op. cit. p. 67)

(Fig. 21 Sincronização entre diferentes áreas visuais)

O conceito de g -spindle é crucial para que façamos a diferenciação de que classes de eventos oscilatórios e sincronizações podem estar embasando a nossa fromulação geral de uma sintaxe cerebral.

Onde e como as g -spindles são geradas e sincronizam?

"Possible functional structures on several levels of organization...Little is known about the connections that lead to their correlated occurrence in remote parts of the visual cortex. In order to prompt more detailed investigations we provide a short overview about possible mechanisms and structures that might be involved...At the level of synapses and dendrites, we expect active bandpass properties in the preferred g -spindle frequency range of 45 to 65 Hz in those cortical pyramide cells that participate actively in the generation of oscillatory synchronizations (‘rhytmically discharging neurons’)...At the single neuron level, oscillatory and synchronizing properties might be due to the combined properties of several processes. The interactions between synaptic, dendritic, and somatic signal transfer properties, together with the spike encoders’ dynamic threshold mechanism, can lead to repetitive bursting (at 35-80 Hz) under appropriate sustained drive that does not contain oscillatory components itself. Recently cortical pyramide cells were found that have spike encoders responding with repetitive bursts at g -frequencies to intracellular injections of direct currents...At the level of local assemblies (where neurons have similar RF properties) oscillatory synchronization might be accomplished by short synaptic feed-back links via local interneurons and by/or dendro-dendritic coupling...On the level of remotely coupled local assemblies, the ‘member’ neurons are located in the same or in different cortical areas and they differ in their RF properties in at least one aspect (e.g., RF position for neurons in the same area, or the movement sensitivity for neurons in different areas). We assume that special association fiber systems with linking synapses provide the mutual couplings that are necessary for oscillatory and nonoscillatory synchronizations"(op. cit. pp.69-71)

Os autores acabam por fazer a sugestão de que nos valeremos para corroborar o nosso modelos no que diz respeito à dicotomia de duas modalidades de sincronização.

"g -spindles are induced under our experimental conditions with lightly anesthetized cats by (bottom-up) visual activations, but under awake attentive conditions also ‘higher’mental processes, such as focal attention or visualization, may induce (top down) oscillatory states in the visual cortex that might join into a single common synchronized state. Such considerations were already made by Sheer (1989), who reported that 40-Hz rhythms (30-50 Hz) occur in electroencephalogram (EEG) recordings of man, monkey, cat and rabbit during states of focal attention. Significant 40-Hz amplitudes were recorded inter alia at locations above those cortical areas of sensory modalities to which focal attention had been guided...40 Hz rhythms are reported to occur mainly during difficult tasks or are at even absent during executions of simple or previously trained tasks. During learning sessions, 40-Hz amplitudes are high at the beginning and they decrease when the task is executed more quickly and more automatically. We would expect a synchronization between stimulus-induced oscillations and 40-Hz EEG rhythms during focal attention. By this means, flexible, transient relations among bottom-up and top-down mechanisms of dynamic visual processing could be established. During a learning process, when the task gradually is executed more quickly, the slow processes of oscillatory synchronizations are expected to be replaced stepwise by the fast processes of stimulus locked (nonoscillatory) synchronizations...

...Large amplitude LFP and MUA g -spindles are preferentially generated in visual situations in which no stimulus-locked responses of larger amplitudes are evoked. Optimal stimuli for g -spindle generation are often slower in movement velocity, they generate ‘smoother’ transients, and they are spatially more extensive than ‘optimal’ stimuli that evoke maximal spike rates... The phase of g -spindle oscillations are not phase-locked with physical parameters of the evoking stimulus...Finally, the results agree with our proposal that mutual enhancement and synchronization of cell activities are general principles of temporal coding within and among sensory systems: Event-locked synchronizations may support crude instantaneous preattentive percepts, and stimulus-induced oscillatory synchronizations may support more complex, attentive percepts that require iterative interactions among different processing levels and memory." (Op. cit., pp. 75-77)

A classificação entre dois tipos de eventos de sincronização, o que Eckhorn et al chamam de Event-Locked-Synchronizations (ELS) e de uma resposta oscilatória tardia de tipo g -spindle que gera o que chamam de Stimulus-Induced-Oscillatory-Synchronization (SIOS) nos será fundamental quando resgatarmos o conceito de uma sintaxe baseada em oscilações e sincronismo, e de um mecanismo duplo de sinalização, tal que, a codificação temporal legítima, segrega classes funcionais, entre as quais as mais clássicas seriam as dicotomias pertinentes ao binômio automático/voluntário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5.1. POSSÍVEIS CLASSES FUNCIONAIS

SEGREGADAS POR SINCRONIZAÇÃO

 

A idéia de que ritmos induzidos desempenhem uma função ou uma classe de funções no sistema nervoso é bastante difundida, constituíndo reavivamento das idéias iniciais de Berger, do final da década de 20 e início da década de 30, quando dos primeiros registros elelotroencefalográficos. Com novas técnicas de medida e com métodos de análise matemática mais sofisticados, iniciou-se nos anos 70 um reavivamento da idéia de que haja padrões claros nos sinais elétricos cerebrais, tais que possam subjazer a macrocomportamentos na esfera mental.

Se a identidade de objetos e respectivos padrões é vedada de princípio, de tal sorte que não há o menor sentido em buscar um padrão cerebral que corresponda, necessária e suficentemente, à representação de um "gato" ou do conceito de "democracia", é fato que vários mecanismos invariantes parecem estar por trás das operações mentais.

Com a descoberta de oscilações síncronas na faixa de 40 Hz por Gray e Singer, fato que não se deve creditar somente a eles, tendo sido relatado por outros tantos pesquisadores em outros momentos, no córtex estriado visual do gato, quando da apresentação de um determinado estímulo, reavivou-se a noção de que algo no domínio dos sinais, particularmente oscilações em determinada faixa de freqüência e sincronismo de determinadas populações neurais (assembléias), pudesse ser o denominador comum de operações nômicas cerebrais.

Várias são, no entanto, as classes de funções hipotéticas e os locais em que determinados padrões oscilatórios rápidos (durando menos de 1 segundo) parecem retratar algum mecanismo de codificação temporal.

O problema primário quando se investiga a dinâmica de codificação no sistema nervoso central é o da composição de um objeto através da recepção de diferentes aspectos do próprio, em diferentes regiões do córtex primário.

Pensando no caso de um objeto visual, qual seria o mecanismo de sinalização/codificação, tal que pudéssemos perceber uma folha de papel em branco, sendo que diferentes áreas estariam envolvidas na percepção de linhas horizontais e verticais, contígüas e descontínuas, rugosidade, profundidade, cor, textura, segregação da folha de papel do fundo (por exemplo uma estante), binocularidade, etc?

A constituição de um objeto único de percepção é um fenômeno primário e bastante básicio para que indaguemos os possíveis mecanismos de representação/codificação no sistema.

Cito o texto de Singer com relação a três mecanismos básicos – a) binding by convergence, b) binding by assembly coding e c) binding by synchrony – por conter todos os aspectos cruciais no que tange a três teorias sobre codificação e suas repsectivas dificuldades:

"One way to achieve the grouping features and to establish and unambiguous code for the specific relations is to connect the set of neurons that responds to the component features of a particular object to a higher order neuron that will represent the object. If the thresholds of these higher order neurons are adjusted so that each cell responds only to one particular combination of feature detectors, the responses of these higher order neurons would provide an unambiguous description of the relations between the component features and hence would be equivalent to the representation of the pattern. In this scheme the features of the object are bound together by convergence or fixed connections that link neurons representing component features with neurons representing the whole pattern. The relations between features are encoded by the specific architecture of these convergent connections.

However, not all of the predictions following from this latter assumption are supported by experimental evidence. First, while cells occupying higher levels in the processing hierarchy tend to be selective for more complex constellations of features than cells of lower levels, many continue to respond to rather simple patterns such as edges, gratings, and simple geometric shapes...Second, apart from cells responding preferentially to aspects of faces and hands...it has been notoriously difficult to find other object-specific cells except in cases where animals had been familiarized with a limited set of objects during extensive training...Third, no single area in the visual processing stream has yet been identified that could serve as the ultimate site of convergence and that would be large enough to accommodate the vast number of neurons that are required if all distinguishable objects including their many different views were represented by individual neurons. Finally, the point has been made that ‘binding by convergence’ may not be flexible enough to account for the rapid formation of representation of new patterns. To allow for the representation of new, hitherto unknown objects one would have to postulate a large reservoir of uncommitted cells. These neurons would have to maintain latent input connections from all feature-selective neurons at lower processing stages and subsets of these connections would have to be selected and consolidated instantaneously when a new representation is established.

Similar combinatorial problems arise in the case of motor control but they have received less theoretical consideration. Here, the solution equivalent to ‘binding by convergence’ is that individual command neurons at the top of a hierarchically organized motor system each triggers one complex motor act. Their activity would have to become distributed through divergent and highly selective connections to subsets of effector neurons that eventually activate particular muscle groups. This coding concept encounters the same problem as its homologous concept of the sensory side: First, no such command neurons were found in areas that could perhaps be regarded as being on the top of the processing hierarchy such as the supplementary motor field or prefrontal motor areas. Second, given the sparseness of connections between individual cortical cells it is hard to see how activation of only a few neurons could give rise to the mass action required for the execution of a movement. Third, one would again have to postulate a large reservoir of uncommitted cells to allow for the representation of newly learned motor patterns. These uncommitted command cells would have to maintain latent connections to virtually all effector muscles and the appropriate subsets of these connections would have to become functional only, but then would have to be recruited permanently, when the particular motor skill is established for which these connections are required. Finally, there is the problem of temporal patterning. This problem needs to be solved also for the processing of sensory patterns if these are spread out in time, but it is particularly obvious in motor programming. For the execution of a motor act it is necessary to generate complex and precisely coordinated temporal sequences according to which the distributed muscle groups are activated. One solution would be sets of delay lines to distribute the activity of the command neurons in the appropriate temporal order to the effector neurons at more periphereal levels. But this would further increase the number of command neurons because each motion executed at different speeds would require a command cell connected to a different set of delay lines. The inverse problem exists for the representation of sensory patterns that have not only a spatial but also a temporal structure.

Because these difficulties cannot be overcome easily in architectures that solve the binding problem by serial recombination of converging (in the motor path ‘diverging’) feedforward connections alternative proposals have been developed.

Before discussing these alternative concepts it is necessary to emphasize that ‘binding by convergence’ may be a viable solution for specialized representational systems. However, because of the limitations discussed above this coding strategy can be used only for the representation of a limited set of stereotyped patterns.

Alternative proposals for the solution to the binding problem are based on the assumption that representations consist of assemblies of a large number of simultaneously active neurons that may be contained in a single cortical area but that may also be distributed over many cortical areas...The essential feature of assembly coding is that individual cells can participate at different times in the representation of different objects. The assumption is that just as a particular feature can be presented in many different patterns, a neuron coding for this feature can be shared by many different representations. This reduces substantially the number of cells required for the representation of different objects and allows considerably more flexibility in the generation of new representations.

Basic requirements for representing objects by such assemblies are as follows: First, the responses of the cells responding to a visual scene need to be compared with one another and examined for possible, ‘meaningful’ relations. Second, cells coding for features that can be related needs to become organized into an ‘assembly’. This would be the case for the cells that are, for example, activated by the constituent features of a particular object. Third, if patterns change neurons must be able to rapidly change patterns and to form new assemblies. Fourth, neurons that have joined a particular assembly must become identifiable as members of this very assembly. Their responses must be tagged so that they can be recognized as being related (i.e., the distributed responses of the assembly must be recognizable as representing a ‘whole’). It is commonly assumed that these organizing steps, the probing of possible relations, the formation of an assembly, and the labeling of responses are achieved in a single self-organizing process by selective reciprocal connections between the distributed neuronal elements. The idea is that the probabilities with which neurons become organized into particular assemblies are determined, first, by the respective constellation of features in the pattern and, second, by the functional architecture of the assembly forming coupling connections. Several proposals have been made concerning the mechanisms by which these connections could serve to ‘label’ the responses of neurons that have joined into the same assembly. Most of them assume that the assembly-generating connections are excitatory and reciprocal and serve to enhance and to prolong the responses of neurons that were organized in an assembly (Hebb).

Another proposal is that assemblies should be distinguished in addition by a temporal code...This hypothesis assumes that the assembly-forming connections should establish temporal coherence on a millisecond time scale between the responses of the coupled cells. Thus, neurons having joined into an assembly would be identifiable as members of the assembly because of the synchronization of their discharges. Expressing relations between members of an assembly by the temporal coherence rather than the amplitude of their responses has several advantages: First, it reduces the ambiguities that result from the fact that discharge rates depend strongly on variables such as stimulus intensity and quality of fit between stimulus features and receptive field properties. If assemblies were solely defined by a rate code it would be impossible to decide whether a strongly active cell is discharging at a high rate because it joined an assembly or because it was activated by a particular effective stimulus. Relying on temporal relations preserves the important option to use discharge rates as a code for stimulus parameters. This is essential in systems using coarse codes because the information about the presence of a particular features and about the precise location is contained in the graded responses of population cells. Second, exploiting temporal relations increases the number of assemblies that can be active simultaneously without becoming confounded. In most cases simultaneously active assemblies will be distinguished by spatial segregation due to retinotopy and compartmentalization of cortical areas. But there may be conditions in which additional distinctions are required to avoid fusion of unrelated assemblies. Responses of neurons could overlap on a coarse time scale but still remain distinguishable as coming from a particular assembly if they are correlated at a fine time scale. Third, cells that succeeded in synchronizing their discharges have a stronger impact on target cells. This follows from the plausible assumption that afferents to cortical neurons will be more efficient in driving a postsynaptic cell if they discharge in synchrony. This effect will be particularly strong when the activation levels of the afferent fibers are low and when the postsynaptic potentials evoked by the individual fibers are small. Both conditions seem to be fulfilled for cortical neurons. Thus, formation of coherently active assemblies can serve to enhance the salience of responses to features that can be associated in a ‘meaningful’ way. This may contribute to the segregation of object-related features from unrelated features of background. This concept of ‘binding by synchrony’ has also been applied to intermodal integration...and even to high level process underlying phenomena such as attention and consciousness.

Predictions

A network that allows for the self-organization of pattern specific assemblies must meet the following constraints:

  1. Neurons within the same cortical area as well as neurons distributed across different areas must be coupled reciprocally by connections ensuring the selection and stabilization of specific assemblies.
  2. These connection must be exceedingly numerous because their number, together with the number of cells, limits the number of possible constellations.
  3. The assembly forming connections must be highly specific as the grouping criteria according to which features are bound together into object representations reside in the functional architecture of these connections.
  4. The network must allow for highly dynamic interactions to enable individual cells to link at different times with different partners.
  5. The coupling connections must have adaptive synapses allowing for use-dependent long-term modifications of synaptic gain to permit the formation and stabilization of new grouping criteria when new object representations are to be installed during learning.
  6. These use-dependent synaptic modifications should follow a correlation rule whereby synaptic connections should strengthen if pre- and postsynaptic activity is often correlated, and they should weaken in case there is no correlation. This is required to enhance grouping of features that often occur in consistent relations as is the case for features constituting a particular object.
  7. These grouping operations should occur over multiple processing stages because search for ‘meaningful’ groupings has to be performed at different spatial scales and according to different feature domains. This could be achieved by distributing the grouping operations over different cortical areas in which different neighborhood relations are realized with respect to the representation of retinal location and of feature domains by remapping of inputs.

These seven predictions need to be fulfilled irrespective of whether assemblies are defined by rate or temporal codes. If cells having joined an assembly are distinguished by a rate code the prediction is that cells activated by features of a particular object engage in stronger and perhaps also more sustained responses than cells responding to features resisting grouping. However, no differences should be found between the enhanced responses of cells participating in different assemblies representing different objects. They should all be enhanced to a similar extent. If assemblies are distinguished in addition or alternatively by the temporal coherence of the responses of the constituting neurons a further set of predictions can be derived.

  1. Spatially segregated neurons should synchronize their responses if activated by features that can be grouped together. This should be the case for features that can be grouped. This should be the case for features constituting a single object.
  2. Synchronization should be frequent among neurons within a particular cortical area but it should also occur across cortical areas.
  3. The probability that neurons synchronize their responses both within a particular area and across areas should reflect some of the Gestalt criteria for perceptual grouping.
  4. Individual cells must be able to rapidly change the partners with which they synchronize their responses if stimulus configurations change and require new associations.
  5. If more than one object is present in a scene several assemblies should form. Cells belonging to the same assembly should synchronize their responses while no consistent temporal relations should exist between the discharges of neurons belonging to different assemblies.
  6. Synchronization probability should at least in part depend on the functional architecture of reciprocal corticocortical connections and should change if this architecture is modified." (Singer, 1994, pp 204-208)

Definida a classe de possíveis mecanismos de codificação, um local (convergência) e outros dois dinâmicos, dinâmico-local (código de assembleia por média de disparo) e dinâmico-dinâmico (assembléia segregada por padrão temporal na distribuição de potenciais isolados ou de densidade de potenciais), podemos resumí-los, esquematicamente nas, Figs. 22, 23, 24).

(Fig.22:Binding por convergência)

BINDING POR CONVERGÊNCIA

(LOCAL)


 


BINDING POR MÉDIA DE DIPARO

DINÂMICO-LOCAL (Hebbiano)

(Fig.23:Binding dinâmico-local)

 

 

 

 

(Fig.24: Binding dinâmico-dinâmico)

BINDING POR CÓDIGO TEMPORAL

DINÂMICO-DINÂMICO



 

 

 

SINCRONIZAÇÃO

Padrões resultantes

5.2. CLASSES DE FUNÇÕES

 

Oscilações e sincronismo são mecanismos que parecem ter importância fundamental no processo de codificação de informação no sistema nervoso.

A literatura é imensa e não se restringe apenas ao córtex sensorial como possível mecanismo de "binding" de representações parciais de, por exemplo, um objeto visual.

O fenômeno de sincronização em, diferentes faixas de freqüência, dos quais o mais conhecido é a faixa de 40 Hz ou ritmo g no córtex visual, não se resume apenas a essa área e nem a essa faixa de freqüência.

Para uma revisão de todos os achados de ritmos induzidos na literatura cf. Bullock, 1992, pp 1-26. Ali estão citadas as estruturas onde se encontraram sincronização em determinadas faixas e se lançam algumas hipóteses sobre o papel que podem desempenhar. Algumas dessa estruturas são a retina, os órgãos sensoriais, axônios isolados, gânglios nos invertebrados, tronco cerebral, bulbo olfatório, estruturas subcorticais (particularmente no tálamo e no hipocampo) e áreas corticais em geral.

Quando se detecta uma oscilação, normalmente através de algum registro eletroencegalográfico ou por implantação direta de eletrodos, costuma-se dividir as freqüências em 5 faixas:

faixa delta (d ): freqüências do EEG no intervalo de 1-4 Hz

faixa theta (q ): 4-7 Hz

faixa alpha (a ): 8-13 Hz

faixa beta (b ): 14-35 Hz

faixa gama (g ): 35 Hz para cima

Chama a atenção na literatura sobre ritmos (oscilações e sincronismo) o surgimento de um sem-número de mecanismos hipotéticos ligados ao fenômeno.

Vamos examinar alguns deles

5.2.1.BINDING PERCEPTUAL (SÍNTESE DE OBJETOS)

Seguramente o mecanismo mais exaustivamente citado como sendo reponsável por uma forma de síntese de qualidades de objetos dispersas em diferentes campos receptivos.

5.2.2. ATENÇÃO

Mecanismo de geração de oscilações de cima para baixo (do córtex em direção ao tálamo e áreas de processamento primário de informação) que, ao sincronizarem, geraria como que um foco de atenção sobre o objeto-oscilação em questão.

"g -spindles are induced under our experimental conditions with lightly anesthetized cat by (bottom up) visual activations, but under awake attentive conditions also ‘higher’ mental processes, such as focal attention or visualization, may induce (top down) oscillatory states in the visual cortex that may join into a single common synchronized state. Such considerations were already made by Sheer (1989) , who reported that 40 Hz rhythms (30-50 Hz) occur in electroencephalogram (EEG) recordings of man, monkey, cat and rabbit during states of focal attention." (Eckhorn 1992, p. 75)

 

 

 

 

5.2.3. CONSCIÊNCIA

Rodolfo Llinás mostra, através de registros magneto- encefalográficos, uma onda de sincronização, com pequeno atraso de fase, que percorre o córtex no sentido rostro-caudal (da frente para trás) durante um determinado estímulo auditivo que indicaria, em princípio, um mecanismo de scanning generalizado em que o sistema, diante de uma tarefa que envolva consciência, se "atualiza"por inteiro. Esse mecanismo está presente também durante o sono REM em que ocorre um forma degradada de consciência no sentido de percepção de objetos fenomênicos.

(Fig. 25: Sincronização rostro caudal com MEG)

A onda de sincronização detectada no MEG (magneto- encefalograma) retratado na Fig. 25 anterior seria o resultado de um processo global de sincronização e ressonância dos circuitos tálamo-corticais.

"Our recent MEG data indicate that 40 Hz oscillatory activity is synchronized over large cortical areas during auditory processing in man. In addition, these data point to a global organization of the 40 Hz activity over the hemisphere indicating that certain aspects of the auditory processing by the brain may be independent of the properties of the stimuli per se. This finding suggest that, in addition to the processing of the specific properties of the stimuli via auditory pathways, the brain may use a parallel, more global mechanism that allows the stimulus to be placed in temporal context with respect to the intrinsic functional state of the brain at the time the stimulus was presented. Indeed as expected from the above statement, the 40 Hz activity recorded during auditory processing shows a highly organized spatial and temporal pattern of neuronal oscillation and resonance. The spatio temporal magnetic field pattern, consisting of a positive-negative field, suggested the presence of a coherent rostrocaudal sweep of activity repeating every 12,5 ms due to a continuous phase shift over the hemisphere (Fig. 2)...These findings strongly suggest that the 40 Hz activities reflect an internal oscillator, which undergoes a reset at the start of the auditory stimulus and results in a time-locked spatio-temporal coherence from one epoch to the other with respect to the start of stimulation... the 40 Hz response described here represents a spatially and temporally organized coherent cortical activity. This ‘brain scan’ seems to be reinforced by activities in the corticothalamic pathways, with a focus on the activated sensory area. Ultimately this coherent 40 Hz may serve as the basis for the conjunctive property that characterizes the unity of cognitive experience." (Llinás e Ribary, 1992, pp 150-153)

Igualmente, a atividade global que se vê num evento "consciente"é vista durante a fase REM (rapid eye movements) do sono, mostrando que de alguma forma, como já se sabia, o sonho é um estado semelhnate à consciência sem a correção do meio através dos sentidos.

(Fig.26: Oscilações e sincronismo durante o sono REM)

"It follows that the major development in the evolution of the brain of higher primates, including man, is the enrichment of the corticothalamic system. This is supported by evolutionary studies if one considers the increase in corticolization in mammals. The increase in the surface area of the neocortex in man is approximately three times that of higher apes...How can this thalamocorticothalamic functional state generate the unique experience we all recognize as existence of self or exeistence of the here and now? In principle, the activity generated via thalamocortical interactions may mimic the responsiveness generated during the waking state (i.e., reality-emulating states, such as hallucinations, may be generated). The implications of this proposal are of some consequence, for this means that if consciousness is the product of thalamocortical activity, it is the dialogue between thalamus and cortex that generates subjectivity."(Llinás e Ribary, 1994, pp. 117-119)

Koch e Crick também postulam o mecanismo de sincronização como sendo reponsável pela consciência, ou o resultado de um processo de conjunção de atenção e memória de curto-termo.

"Earlier, we postulated that awareness is mediated by a coordinated subset (and possibly also thalamic) neurons firing in some special manner for a certain length of time How can this coordinated subset of cells be formed – and disbanded – quickly? Given that the only rapid mode of communication among cortical cells involves action potentials, at least four possibilities for defining membership in this assembly using spikes come to mind: high-frequency activity (rate-code), oscillations in the 40 Hz range, bursting, and synchronized firing activity...it is important to keep in mind that at the psychological level, awareness of an event or object appears to involve attending to this object and placing it into short-term memory...

A Summary of our speculations

  1. The brain constructs an explicit, multilevel, symbolic interpretation of parts of its environment.
    1. To do this it usually needs some form of attentional mechanism.

  2. The form of awareness associated with focal attention is caused by the firing of a temporally coordinated assembly of neurons firing in some special manner for at least 100 or 200 msec.

    1. This special form of neuronal activity induces short-term memory.

3. If neurons are not part of this transient subset, they can still influence behavior but do not contribute toward awareness.

3.1 Underlying every direct perception is a group of neurons strongly firing and participating in the temporally coordinated neuronal assembly.

4.Semisynchronous, neural oscillations in the 25-55 Hz band could cause neurons to be coordinated, giving rise to short term memory and thus to awareness.

5.The neuronal correlate of awareness occurs mainly in the lower levels.

    1. The neuronal correlate of awareness is associated with the bursting neurons in layer 5, some of which project outside the cortical system.
    2. The loop between deep layers in cortex, the different thalamic nuclei, and back to cortex may implement short-term memory.
    3. The neurons in the upper cortical layers are mainly concerned with unconscious processing./

  1. Various types of neural connections may be associated with some forms of visual awareness. Possible examples are:

    1. Connections to the hippocampal system and the higher planning levels of the motor system, direct backpropagations to V1 (and possibly to V2), and reentrant connections within the layer 4 or between cortical areas at the same level in the anatomical hierarchy." (Koch e Crick, 1994, pp 97-109)

 

 

 

 

 

 

5.2.4. CONTROLE VOLUNTÁRIO, MEMÓRIA, GATING, MATCHING

Além da intensa literatura focada na sincronização-oscilação na faixa de 40 Hz, há um classe de oscilações lentas, na faixa de 4 a 7 Hz (freqüência theta), que ocorre no hipocampo e que parece ter uma série de mecanismos funcionais agregados.

Essa classe de oscilações, detectável em EEG, também chamada de RSA (Rhytmic Slow Activity) devido ao fato de exitirem freqüências não incluídas na faixa theta, segundo Lopes da Silva, parece estar ligada a 4 mecanismos funcionais: controle voluntário, memória (particularmente consolidação de LTP – long term potentiation), mecanismos de confrontação de padrões (matching) e facilitação para instalação de determinados estados (mecanismo de porta e chaveamento de estados – gating).

"RSA can be considered an induced rhythm of the brain since it appears to be elicited by changes in motor activity. Indeed, motor activity is an essential factor in determining the properties of RSA in different species...The general conditions under which RSA can be induced in the hippocampus were studied using spectral analysis by Leung et al. These authors distinguished three main features of rat hippocampal EEG in relation to behavior (Fig.27)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Fig. 27: Ritmo lento na área hipocampal)

The first feature is irregular slow activity (ISA), which is present during awake immobility and slow wave sleep.

  1. The second feature is RSA with a narrow band peak in the frequency range of 7 to 8 Hz during voluntary behavior according to Vanderwolf et al. and sometimes second and third harmonic components (at about 16 and 24 Hz, respectively) as indicated schematically in Fig. 1.
  2. The third feature is fast activity of 20 to 70 Hz, which increases in power during voluntary behavior as compared with automatic behavior (Vanderwolf et al. 1978)...

Recently, in the monkey also other aspects of the hippocampal EEG were observed to be related to movement...These results taken together support the notion that hippocampal circuits are transiently activated during the preparation of simple voluntary movements...An especially interesting property of RSA is that this type of EEG activity is characteristic not only of hippocampus but also of other cortical limbic areas, namely the entorhinal cortex of the temporal lobe and the cyngulate cortex...RSA may be considered as an electrophysiological ‘fingerprint’of the limbic cortex...

Functional significance of RSA

It is not simple to assign a functional significance to limbic cortex RSA. Nevertheless, three features of RSA, must be put in evidence in this respect. First, the presence of RSA, at least in the hippocampus, appears to modulate synaptic transmission in the circuits of this brain structure. In this way RSA could serve a ‘gating function’on the flow of information through the hippocampus. Second, it is likely that oscillations in hippocampal outputs may facilitate the transmission of information from the hippocampus to target structures, such as the nucleus accumbens where a pronounced paired-pulse facilitation within the RSA frequency exists. In this respect we may suggest that RSA might have a functional role in ‘matching’ the output to the circuits of target structures. Third, the presence of RSA appears to be able to facilitate, or even to induce, long-term potentiation (LTP) in different synaptic circuits of the hippocampus. In this way the presence of RSA may enhance the capacity of these circuits to establish memory traces. Thus we may suggest that RSA can have a functional role in inducing/enhancing LTP...

Gating function

A gating function of RSA has been suggested in view of the experimental finding that neuronal transmission through the hippocampal circuits depends on the behavioral state of the animal... Winson and Abzug have investigated this problem by recording the field potential evoked by a single electrical pulse to the perforant path in CA1, CA3, and the dentate gyrus under four behavioral states: slow-wave sleep (SWS), rapid eye movement (REM) sleep, ‘still alert’ conditions and during voluntary movements while RSA is present in the hippocampus...This author interprets the findings in analogy with an electronic logic gate as indicating that the transmission of neural impulses at each synapse of the trisynaptic circuit can be described to result from the open or closed position of a neural gate. For example, during SWS all gates...would be in an open state; during RSA, either in the alert or under REM sleep, the state of the dentate gyrus and CA3 gates would be variable depending on the phase of rhythmic activity at the time of the arrival of imput.

Matching function

The idea that RSA may exert a matching function that would enhance the communication between the hippocampus, or other limbic cortical areas, and a target structure, finds support in the finding....that the transmission of information from the hippocampus (subiculum) through the nucleus accumbens is enhanced when the inputs arrive as a frequency corresponding to RSA, in contrast to other frequency ranges...Considering that the nucleus accubens constitute an interface between the hippocampus and the motor circuits of the diencephalon/mesencephalon...it may be speculated that in the behavioral condition where RSA is most conspicuous (i.e., during motor activity), it is useful for hippocampal signals to be able to reach those motor circuits in a facilitated way.

Memory

The suggestion that RSA may have a role in inducing/enhancing LTP is based on the observation that there is a preference for LTP to occur in the hippocampal formation if the stimulus is delivered at the frequency range characteristic of RSA...this property of the hippocampal synapses may be important for a functional role of the hippocampal formation in memory, since this structure appears to act as sort of holding system that is necessary for the temporary storage of information regarding the temporal order and the spatial context of events" (Lopes da Silva, 1992, pp 83-98)

 

5.2.5. JANELAS DE TEMPO, MARCA-PASSO, RITMOS NÃO-MENTAIS

Uma última função que ritmos costumam desempenhar nos organismos é o de propiciar janelas de tempo tais que se possa executar funções de marca-passo, ciclos biológicos como o vigília-sono, ritmos de secreção de hormônios, etc.

O problema da percepção do tempo subjetivo e da integração de múltiplas modalidades sensoriais em termos de simultaneidade e de subseqüência é uma propriedade fundamental do cérebro animal. Distinguem-se, para cada modalidade sensorial, os chamados limiares de fusão, conceito de mínimo intervalo de tempo que deve transcorrer entre dois eventos para que sejam percebidos como não-coencidentes. No caso da audição este limiar está em torno de 30 ms, variando para a visão e outras modalidades sensoriais.

Pode-se perceber a importância da integração de múltiplas informações sensoriais, aportando de maneira não-simultânea nos centros de processamento. Há que definir limiares de fusão de informação intermodal, bem como, deixar em cada evento uma marca que possibilite o reconhecimento de seu caráter num certo momento do passado (memória episódica).

A representação de tempo e integração intermodal se utiliza de mecanismo oscilatórios que permitem a marcação e a discretização de janelas de tempo em que são registrados os eventos, sejam eles primários, sejam secundários.

Embora se veja na literatura acerca de percepção de tempo alusão a freqüências na faixa de 40 Hz, não se trata do mecanismo descrito acima como binding ou outros que tais.

"Temporal resolving power must be broken down into at least two measures. One is the interval that separates two stimuli so that they are perceived as nonsimultaneous rather than simultaneous. The second measure refers to the phenomenon of successiveness – i.e., whether the temporal order of stimuli has to be indicated.

In such a situation, these stimuli must be distinct so that they can be temporally labeled differently. Stimuli must be separated in the 40 Hz domain when their order has to be indicated. This order threshold value seems to be the same for different sensory modalities (vision, hearing, touch). Order thresholds reflect a time-organizing system that is independent of periphereal sensory mechanisms...A system which operates in a discrete mode for both representation and processing of time requires a specialized program. Time-organizing programs have been suggested under various headings, such as biological clocks, subjective time quanta, processing units, perceptual moments, central oscillations, excitability cycles, and system states. The existence of such system states should be reflected in approximately the same numerical value for their duration if different experimental paradigms are used. This is in fact the case. Through many studies, values close to 30 ms have been suggested. For instance, histograms of simple or choice reaction time gathered under strictly stationary conditions often are multimodal, with a 30-40 ms temporal interval between adjacent modes. Similar observations have been made for oculomotor behavior; histograms for the latencies of pursuit eye movements show intermodal distances of 30-40 ms. Thus, the initiation of a movement with respect to a stimulus is of a noncontinuous nature.

These phenomena (order thresholds, multimodal response for histograms for reaction times or latencies of eye movements, etc.) can be explained on the basis of excitability cycles. Suprathreshold stimuli instantaneously entrain or resynchronize a neural relaxation oscillation. Each period of this oscillation hypothetically sets up the temporal frame for a singular system state and, thus, a primordial event as defined here. Studies that report oscillations in single-cell activity (Gray et al.) are not related to issues discussed here; in those studies, synchronized activities of oscillatory responses of spatially distributed cells are interpreted as coding binding (i.e. time is used only as representational medium). (Pöppel e Schill, 1995, p. 988)

 

 

 

5.3. CONTROLE VOLUNTÁRIO

anatomia funcional

 

(Fig 28: Representação de fluxo sanguíneo frontal e cerebelar, retratando controle voluntário e automático, respectivamente).

A última consideração que nos resta fazer no que tange à verossimilhança biológica diz respeito ao problema do controle voluntário.

É sabido que há no ser humano um desenvolvimento pronunciado das áraes chamadas neocórtex e, em particular, do lobo frontal. Não cumpre aqui fazer um longo inventário das subdivisões do lobo frontal (córtex motor, córtex pré-motor, córtex prefrontal e córtex cingulado) e de suas conexões com gânglios da base, tálamo, hipocampo e cerebelo. Isto tornaria o trabalho uma longa peregrinação sobre circuitaria neuronal e de um matiz essencialmente localizacionista neuropsicológico na discriminação de funções. Indico ao leitor para uma revisão de todos esses tópicos o livro "The Frontal Lobes and Voluntary Action" de Richard Passingham (1993, Oxford University Press).

Os mecanismos essenciais do lobo frontal estão ligados à tomada de decisão, geração de planos, controle voluntário sobre ações, locus de alguma forma de processamento de valores ético-sociais e, em caso de lesão, surgimento de anomalias sociopáticas, doenças mentais e anomalias decisórias variadas. O exame de cada uma delas foge ao escopo deste trabalho.

Uma série de experimentos bastante bem documentados mostra, como é o caso da figura logo atrás (Posner, 1993, p. 673), um fenômeno topográfico anátomo-funcional interessante.

Apresenta-se uma tarefa a um indivíduo monitorizando o fluxo sanguíneo cerebral através de PET scan (pode também ser SPECT ou MRFi) que mede, através de substâncias radiativas, a taxa de metabolismo sináptico de cada região, mostrando as áreas hiperfuncionais a cada instante.

Numa das tarefas clássicas pede-se que o indivíduo gere uma seqüência de palavras, digamos dez, començando por uma determinada sílaba, digamos PA.

Inicialmente o indivíduo perfaz a operação de modo lento... PAlavra, PAralama, PAlerma, PAnela... até que, passado o número de palavras requeridas como novas, pode voltar a usar palavras já usadas. À medida que o indivíduo vai se adestrando na tarefa, podendo portanto repetir palavras já utilizadas, o tempo de reação diante de cada palavra subseqüente diminui de maneira substancial e o fluxo sanguíneo cerebral, inicialmente fortemente localizado nas áreas frontais, vai se deslocando para as áreas posteriores (cerebelo), mostrando inequivocamente a seqüência controle voluntário-consciente sobre a ação nova e, posteriormente, controle automático pouco consciente sobre a mesma.

Experimentos deste tipo, e são inúmeros, utilizando mais ou menos a mesma técnica e desenho, mostram que há uma forte especilização do lobo frontal na execução de tarefas novas que requerem aprendizado e consciência e sua migração lenta para regiões cerebelares quando da automatização da tarefa. Para os propósitos do modelos apresentado neste trabalho basta que tenhamos em mente a separação anátomo-funcional, discriminável através de medidas de atividade metabólica entre o modo voluntário e o automático de processamento de informação e de execução de tarefas.

Uma segunda fonte, bastante bem descrita, que deve nos fornecer elementos para uma conjunção de oscilações/sincronismo e controle voluntário, é a série de trabalhos de Benjamin Libet sobre eventos elétricos que medeiam a execução de tarefas voluntárias. (Young, 1987, pp 73-74).

Conectando-se um indivíduo a uma aparato que meça potenciais elétricos cerebrais, e mandando-se que execute uma tarefa voluntária quando bem entender (por exemplo, apontar para um faixo de luz que fica girando num monitor em frente do sujeito), nota-se o aparecimento de um potencial negativo 350 milissegundos antes que o sujeito refira ter consciência de seu ato (relato subjetivo de consciência de ação livre e voluntária).

A conclusão imediata mais crucial é de que há um início não-consciente na ação voluntária, o que faria da consciência, em princípio, um fenômeno secundário ou desnecessário, para a modalidade de controle sobre a vontade. Examinaremos cuidadosamente esse aspecto quando apresentarmos o modelo de computação topológica.

"It has been possible to collect data that tell us quite a lot about the timing of cerebral events in relation to mental phenomena. This is one of the situations in which experimental with humans are actually more revealing than those with animals. We cannot ask monkey to tell us exactly when he intended to move his finger: but Libet and his colleagues have found a way of comparing the times at which events occur in the human brain with those at which mental intention are reported.

It has been known for some time that electrodes attached to the head will record a slow negative potential shift a second or more before a person receives a signal that he expects, and to which he will respond by making a movement. This was first called ‘contingent negative variation’(CNV). Much more interesting is the discovery that a similar readiness potential (RP) occurs before a person makes a voluntary action. Libet and his collaborators have now been able to show that this readiness potential change in the brain occurs up to half a second before a subject mentally decides that he intends to make a movement. This method is to set volunteer subjects in front a television screen upon which a spot circulates clockwise at a speed of one revolution every two and a half seconds. The subject is asked simply to decide of his own free will to bend his fingers and to note the position of the spot on the tube at the moment he makes the decision. An electrode attached to his head shows that the readiness potential change in his brain began an average of 350 milliseconds before the time at which he or she reported that they ‘wanted’ or ‘intended’ to act. This was also of course long before the time of actual movement of the finger, which was detected by electrodes attached to it.

The readiness potential probably arises from the activity of the neurons in the premotor area of the cortex. There may be activities in other parts of the brain at still earlier times before an intended action. No doubt further experiments of this sort will establish in greater detail which parts of the brain are involved in computing the intention to make a movement. The importance of Libet’s observations is that they show that the brain is at work before a subject’s conscious intention to act.

As he says ‘put another way, the brain evidently decides to initiate, or, at the least, prepare to initiate the act at a time before there is any reportable subjective awareness that such a decision has taken place. It is concluded that cerebral initiation even of a spontaneous voluntary act, of the kind studied here, can and usually begin unconsciously.’

Although we do not know how the brain computes intentions we now know for certain that it does compute them and that the mental events follow this cerebral activity. People still sometimes try to dissociate themselves from such discussions by saying ‘But it is I who make decisions, not my brain’. Knowing that the brain is at work before one is conscious of a decision may help us to realize that it is futile to think of oneself as distinct from one’s brain."(Young, 1987, pp 73-74)