UMA NOVA MENTE E SUA APLICAÇÃO NO COTIDIANO

Estudar a mente humana não é mero diletantismo.

Quaisquer que sejam os pressupostos de uma disciplina, está certo que todo o tempo estar-se-á lidando com uma noção de mente ou outra.

Quando se chama um subordinado à sala, pedindo-lhe que aumente o empenho numa tarefa, há uma nítida concepção de mente por detrás dessa atitude.

Porque errônea, por vezes, essa concepção carece de entendimento.

O funcionário em questão é agente de linguagem, capaz de entender o chamamento, porém pode não ser sujeito de vontade capaz de, pelo exercício voluntário, atingir a meta pedida.

Há um cérebro que coage nossa capacidade de pensar, agir, deliberar e sentir.

Ao contrário de uma mente que formata o cérebro, simples objeto de estudo das ciências biológicas, é o cérebro que engendra a mente, fazendo-a à sua imagem e semelhança.

Entender a linguagem cerebral e suas peculiaridades, transpondo essa terminologia para um terreno que contemple o saber cotidiano é tarefa urgente.

Desse projeto hão de beneficiar-se todas as áreas que de maneira direta ou indireta lidam com o ser humano, mente em movimento interno e externo através da comunicação.

Ciência Cognitiva: uma nova ciência da mente

Cérebros são órgãos capazes de realizar complicadas operações. Porém, tanto mais se avança na escala evolutiva, tanto mais complicadas se tornam as situações de decisão.

Praticamente toda a arquitetura cerebral está projetada para realizar a conexão de tipo digital entre os neurônios.

Neurônios, ou celulas nervosas são constituídas de filamentos receptivos (os dendritos), de um corpo celular e de uma via de saída- o axônio.

Através dessa arquitetura trafegam correntes elétricas que carregam informação no sistema nervoso

De maneira geral os dendritos recebem estímulos elétricos que vão todos se integrar no corpo neuronal. De lá sairá uma decisão conjunta que pode ou não tomar a forma de um potencial de ação. Há para isso um limiar de disparo do potencial de ação.

Suponha que tenho um estímulo de grau 3 vindo de um dendrito e um de grau 2 vindo de outro. Ambos se integram no corpo neuronal. A soma dá 5. Se 5 exceder o limiar há o disparo de um potencial de ação. Se não exceder não haverá.

O potencial de ação é uma estrutura de amplitude fixa. Logo, ou está presente ou não.

O neurônios é assim a unidade de processamento de informação no cérebro.

Cada neurônios faz conexão com outro neurônio através de uma estrutura chamada sinapse.

Há entre 10 e 100 bilhões de neurônios no cérebro humano. Cada um deles faz de 10 a 100.000 coxões sinápticas com outros.

Pronto. De maneira sucinta essa é a lógica absurda que está em jogo quando analisamos o cérebro humano.

Ciência é acima de tudo simplificação e categorização em certos esquemas.

A Ciência Cognitiva é uma super-disciplina que reúne as Neurociências, a Psicologia, a Lingüística, a Filosofia e a Inteligência Artificial.

Surge na década de 50 como uma resposta ao Behaviorismo que pretendia situar todo o comportamento no plano das variáveis condicionáveis.

A Ciência Cognitiva resgata assim a mente, subtraída de seu posto pelo Bahaviorismo, e a recoloca no cérebro.

Recruta no entanto uma ampla gama de disciplinas no afã de participar do estudo dessa nova concepção de mente.

As Neurociências porque o cérebro é o órgão onde é realizada a mente.

A Psicologia porque disciplina que estuda a mente.

A Lingüística porque somos seres capazes de comunicação complexa, dotada de níveis sintáticos, semânticos e pragmáticos.

A Filosofofia porque há que reunir sistematicamente as teorias e as hipóteses de tal sorte a não cometer equívocos lógicos, epistêmicos e estruturais.

A Inteligência Artificial porque pensar seria assim entendido como calcular (computar) sobre cadeias de símbolos. Não haveria assim distinção de princípio entre um ser pensante biológico e uma máquina ideal (máquina de Turing).

Voltemos então ao exposto sobre o cérebro. A noção de neurônio processando respostas elétricas (potenciais de ação) de tipo tudo ou nada, sim ou não, leva a uma concepção digital-maniqueísta da mente humana.

O paradigma que inspiraria a Ciência Cognitiva seria:

1. a mente humana é composta de representações de si e do mundo

2. Essas representações são símbolos

3. Pensar é computar (calcular) sobre cadeias de símbolos usando-se para isso de leis lógicas

4. Computar sentenças significa manipular conectivos do tipo OU, E, se..ENTÃO, NÃO

5.Os neurônios digitais podem substituir outros artefatos de modo a instanciar tabelas de verdade para conectivos

Entendido isso, o que será amplamente trabalhado em aula, passa-se a uma crise do neurônio digital.

A decisão sim ou não, tudo ou nada do neurônio digital dá lugar a uma concepção de tipo analógica dos códigos.

O cérebro não computa assim sobre sim ou não mas sobre graus variados de talvez. A representação neuronal desse talvez advém da freqüência de disparo do neurônio em códigos de barra.

A lógica da conexão se faz através da sincronização entre populações de neurônios sintonizados.

Isso tem diferentes repercussões:

1. em primeiro lugar mostra que no nível fundamental a emergência da mente está ligada à computação de graus variados talvez, ao contrário do rígido sim e não.

2 . A procura por rotas claras no processamento do pensamento dá lugar à idéia de departamento virtual. Ao contrário de uma fixa regra de sim e não, temos graus variados de talvez, o que no exemplo predileto significa a reunião em departamentos virtuais, comissões permanentes ou transitórias..

3. A idéia de sincronização deixa aberto o desconhecimento da regra embasante do conhecimento, procurando-se ao contrário pela regularidade estatística que corresponde àquele conhecimento.

Assim a Ciência Cognitiva naquilo que tem de mais próprio para o estudo de qualquer ramo de atividade prescreve:

1. a interdisciplinaridade é o padrão de estudo da mente e portanto também deve ser o padrão para a compreensão de mentes interagentes.

2. o pensamento, a emoção e a vontade estão coagidos por um cérebro.

3. não há regra fixa anterior à experiência, salvo nos casos mais simples. Ao contrário a experiência perfila padrões de acordo com princípios dinâmicos de funcionamento.

4. O talvez é a forma de conexão entre os elementos neurais ou melhor a sintonia entre níveis de atividade.

5. A mente está para o cérebro assim como o software está para o hardware. Acrescente-se a isso um modem que estabelece uma comunicação com o mundo e uma tela que nos apresenta um mundo intuitivo, mas absolutamente diverso daquele que realmente está se passando na intimidade do programa, da placa e do modem.

Conclusões;
De maneira geral a compreensão da nova mente passa pela descoberta de sua localização cerebral. Ao contrário de nossa intuição, a mente está subjugada ao cérebro e não na posição de mandar nele. Assim, penso coisa boas porque estou bem e não estou bem porque penso coisas boas.

As implicações imediatas disso são as seguintes:

1. em primeiro lugar um cuidadoso exame do excesso de voluntarismo mentalista que se vende por aí em receitas de gerenciamento, sucesso pessoal, etc.

2. uma postura cautelosa acerca da saúde mental e das perdas que esta gera na produtividade. (nos EUA perde-se mais de 50 bilhões de dolares/ano somente com depressão)

3. quem sabe uma forma de cooperação em módulos virtuais (processamento analógico, neural, sincronização), confrontando a lógica hierárquica serial do paradigma digital

4. uma nova ênfase ao estudo geral e fortemente conceitual. Um resgate da noção de sistemismo. Do ponto de vista prático uma progressiva inserção política, social e intelectual do indivíduo em seu meio de tal sorte a esperar que dessa maneira se estabeleçam as relações de sintonização relevantes de padrão decisório.

5. com a devida cautela, pode-se usar a compreensão dessa nova maneira de ver a mente e sua relação com o cérebro com inspiração para pensar problemas do cotidiano. A transposição de um nível a outro está autorizada enquanto metáfora, o que não deixa de ter sua relevância.

6. A reinserção do padrão ético como disposição cerebral e adaptativa e não mera convenção sujeita a abandono e remodelação.

Bibliografia:

1.O problema da mente na Ciência Cognitiva. Henrique Del Nero Col. Documentos IEA-USP

2 .A nova Ciência da Mente. Howard Gardner. EDUSP

3.O Sítio da Mente: pensamento, emoção e vontade no cérebro humano. Henrique Schützer Del Nero (lançamento no 2o semestre) Esse livro coinstitui o material completo da palestra.