Não se apequenem

Henrique Schützer Del Nero

Escola Politécnica/USP

 

Num bilhete dirigido ao presidente Fernando Henrique Cardoso, o então ministro Sérgio Motta pede que o colega e amigo não se apequene e cumpra o seu dever histórico, fazendo as reformas de que o país necessita. Ao contrário do sucesso efêmero e do fausto pequeno, a missão do presidente seria, na prece de Motta, o resgate da dignidade e singularidade de um país sofrido, tantos são seus contrastes.

Neste ano, vocês, adolescentes prestes a dar um salto no crescimento, também não devem se apequenar, perdendo-se na estreita visão de um futuro próximo que se chama vestibular. O ato de estudar e aprender ultrapassa a rotina deste ano, não se devendo enxergar apenas o sucesso da vaga obtida ao final dele.

O sucesso e a derrota são dois inimigos que temos de aprender a enfrentar, escreve Rudyard Kipling. Inimigos, nos eclipsam o olhar, a reflexão, os humores e a emoção. Por vezes, o sucesso nos faz presumir; a derrota, arrefecer. Quando presumimos, tendemos a desleixar, abandonando a visão de um estudo que é prática diária e de um aprendizado que é tarefa eterna. Quando arrefecemos, descrendo de tudo, nos assaltam o medo e a ansiedade, a noite interrompida, o frio na barriga, o suor que nos invade as mãos – impossível de secar, difícil de curar.

Não se apequenem neste ano em que parece que o projeto se tornou maior que o sonho e que a realidade se chama somente vesti-bular. Muitos hão de ter sucesso, outros tantos nem tanto, mas todos serão vitoriosos, se, mesmo diante da pouca nota, enfrentar-se o medo com coragem e o temor com valor.

Não se deixem dominar pela fala fácil de quem lhes promete o sucesso, porque o sucesso recepciona um pouco de tudo. Nele estão muitos dos fortes, mas também outros menos nobres e menos bons. O fracasso, ninguém o quer, mas são dignos de aplauso aqueles que fracassam por uma causa e os que são perseguidos e injustiçados por uma idéia.

O vestibular é imperfeito, como são muitas instituições humanas. Em que pese o esforço por torná-lo justo, pode cometer algum erro, mas não comete erro quando julga o conhecimento, o trabalho e o equilíbrio.

Vocês serão julgados pelo conhecimento e devem se dedicar com afinco para obtê-lo. Por isso estudaram e estudam; por isso, tanta gente perde noites preparando-lhes aulas, material e exemplo.

O trabalho, esse será julgado como medida do valor de cada um de vocês. Não será medido pela vaga conquistada, nem pelo lugar ou instituição alcançada, mas pelo trajeto percorrido. Vocês podem não ir alto, mas podem vir de muito longe. Para o valor, importa o caminho trilhado e não o lugar alcançado. Ali reside o equilíbrio do dever cumprido, da tarefa feita e do zelo com a condição de candidato a uma vaga num curso superior.

Gente grande é feita de matéria biológica e de deveres e emoções humanas. Não se apequenem no dever, nem se atemorizem na competição, mas também estejam atentos aos pequenos desvios da máquina que, às vezes, titubeia.

Além de alunos, vocês são matéria viva, pensando e processando informação, motores que conduzem o projeto visado pelo condutor. Quando o motor falha, quando a noite se encurta, quando o suor lhes invade as mãos, quando o temor lhes abafa o peito, quando a memória e o interesse falham, talvez não seja hora de esperar apenas pelo tempo que muito corrige, mas também pelos conselhos que seus pais e professores lhes devem saber dar.

Não hesitem em perguntar aos mais velhos que caminho seguir, nem se contentem apenas com o que ouvirem. Indaguem e duvidem porque também os mais velhos são capazes de errar. Estudem, respeitem, aprendam e duvidem. Sobretudo, sejam equilibrados e fortes, porque o tempo que falta para o exame é apenas a pouca medida do tempo que vida lhes reserva de alegrias e temores. Eles dois povoarão seus dias e é preciso que se compreenda que um aluno é um partícula na imensidão da comunhão entre os Homens. Estudando, trabalhando e sorrindo, vocês irão longe; com tenacidade e fé, com humildade e o espírito arguto, hão de merecer a responsabilidade de estudar num país de contrastes e de poder resgatar outros tantos irmãos que aguardam, enquanto vocês perseguem um diploma, pelo dia em que poderão ter estudo, saúde e pão.

Não se apequenem diante do vestibular, nem vejam nele simplesmente a prova que os habilitará a entrar num primeiro ano de faculdade. Não se apouquem no sonho, nem na percepção do que significa – perante si, a família e a nação – poder e dever estudar.

Cresçam no aprendizado e no valor, estudem sem cessar e entendam o ano presente como o interlúdio que fará da criança um cidadão.